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5 Controvérsias acerca da crise do emprego

5.2 O fim da sociedade salarial e do emprego

25 Comunicação apresentada ao IX Encontro da APSIOT (Mesa Redonda: Globalização, competitividade e centralidade do trabalho), 15 de Março de 2001.

A questão do fim da sociedade salarial tem sido difundida quer pelas teses mais optimistas (corrente gestionária/funcionalista/neo-liberal) que prevêem o advento de uma nova sociedade, pós-salarial, quer por vozes mais críticas e pessimistas.

5.2.1 As teses optimistas - a sociedade pós-salarial26

De acordo com as teses optimistas, a sociedade encontra-se num momento de viragem para uma nova sociedade - pós-salarial. Trata-se de uma perspectiva que vê com optimismo essa hipótese, onde o fim dos contratos de trabalho assalariado tem o benefício de permitir a flexibilidade total: do mercado de trabalho, da empresa e do indivíduo. A competitividade das empresas e da economia passa pelo fim do contrato de trabalho assalariado e pela consequente generalização do trabalho independente. A relação de emprego dará lugar a uma relação comercial e, neste contexto, os contratos comerciais substituirão os contratos de emprego. As empresas deverão funcionar de acordo com a máxima da flexibilidade total, com um centro-chave e uma rede de trabalhadores independentes que assegurem o trabalho quando este é necessário.

À luz destas teses, não são só as empresas a retirar benefícios desta nova sociedade. Também os indivíduos encontrarão as bases fundamentais da sua felicidade. Uma vez libertos de relações de subordinação, poderão conciliar as suas necessidades pessoais e o seu tempo social com o tempo dedicado ao trabalho. A autonomia na gestão do tempo é uma das principais vantagens da flexibilidade de trabalho, sendo chave a noção de tempo escolhido. Desta forma, existirão contratos de actividade (assentando na lógica dos contratos comerciais) por oposição aos contratos de trabalho da sociedade salarial. Cada indivíduo prestará os seus serviços às empresas, gerindo a sua própria carreira e sendo responsável por esta e pelo seu percurso profissional. Em vez de uma relação de emprego, o trabalho funcionará como uma empresa; ou seja, cada pessoa fará a gestão da sua carreira tal como um/a empresário/a, tendo total autonomia e liberdade para trabalhar. A conciliação entre a flexibilidade e a segurança é, por conseguinte, da responsabilidade de cada indivíduo, pelo que ao longo da sua vida deverá investir na sua empregabilidade e ter espírito empreendedor.

Relativamente às garantias sociais, as teses optimistas entendem que nada está perdido. A sociedade pós-salarial assentará em regulações sociais (sob a forma de Direito Social) que incorporarão as garantias sociais já conquistadas. Estas serão viabilizadas pelo estabelecimento de contratos de actividade, firmados entre o indivíduo e um conjunto de empresas e/ou de organismos públicos. "Tendo a duração mínima de cinco anos, o contrato de actividade enquadrará os interesses do indivíduo em termos de percurso profissional, alternando entre períodos de formação, trabalho na empresa, actividades independentes ou associativas, conjugadas com obrigações familiares. As garantias em termos de rendimentos, de cobertura social e de estatuto estarão ali consagradas" (Grozelier, 1998: 168).

26 Anne-Marie Grozelier (1998) inclui nesta perspectiva as perspectivas de William Bridges, da revista Futuribles e do relatório Boissonat.

Todavia, à luz do pensamento de Anne-Marie Grozelier (1998), esta sociedade pós-salarial teria poucas hipóteses de poder ser efectivamente uma "sociedade". A luta pela sobrevivência e a competitividade individual minariam quaisquer relações e sentimentos de solidariedade e, por conseguinte, os alicerces fundamentais da coesão social27. Além disso, as experiências feitas em alguns países em torno da flexibilidade – como na Espanha e no Reino Unido – não provam que a precarização e o desemprego se atenuam ou acabam; os estudos efectuados mostram precisamente o contrário. Por exemplo, a expressão do trabalho independente nestes países – e o mesmo se poderia dizer em relação a Portugal – não se prende só com autonomia e empreendorismo; na verdade, em muitas situações, aquilo que está latente é de facto uma relação de subordinação, insegurança laboral, assim como baixos rendimentos. Além disso, para a autora, importa atender ao facto de que os indivíduos não têm as mesmas oportunidades de acesso à formação e ao investimento na qualidade das suas carreiras, pelo que as desigualdades sociais, nesta sociedade flexível e da livre iniciativa, certamente que se agravariam ainda mais (designadamente as desigualdades entre os sexos).

5.2.2 Teses críticas e pessimistas

Em oposição às teses anteriores, outras se têm desenvolvido, mais críticas relativamente às transformações verificadas na esfera do emprego. Umas transparecem pessimismo quanto ao futuro, outras - como refere Anne-Marie Grozelier (1998) - expressam uma profunda nostalgia pelo passado, em particular pela sociedade salarial, pelos direitos e pelas garantias sociais granjeados pelos trabalhadores.

Robert Castel28 é um dos autores comummente associado à perspectiva crítica. O autor elabora uma análise histórica do salariato, desde a época medieval até ao presente e, a partir daqui, elabora um diagnóstico da situação actual, referindo que foi precisamente no auge da sociedade salarial que começou o seu processo de desagregação. As suas preocupações centram-se, por conseguinte, na precarização que hoje atravessa as relações de trabalho. A falência da relação salarial é manifesta: desemprego maciço e estrutural, instabilidade de emprego e exclusão social. Para Robert Castel, as transformações que se têm imposto às relações de trabalho resultam da hegemonia das forças do mercado que "fazem do trabalho uma mera mercadoria e do salário a mera retribuição de uma tarefa" (Grozelier, 1998: 170). Ou seja, aquilo que se perde com a hegemonia do mercado é o elo social que intermediava a relação salarial; tudo fica agora reduzido a uma relação mercantil. Acresce ainda a tendência que se vem desenhando para o individualismo e, com esta, para a individualização das relações de trabalho. Para o autor, a multiplicação de formas individuais de trabalho é sintomática da crescente desafeição face ao trabalho. Em suma, a relação salarial deixou de propiciar integração social e todos os indícios são, efectivamente, de que a sociedade salarial se está a desagregar.

27 Importa lembrar (e integrar) aqui outros autores que têm uma visão crítica face ao capitalismo flexível e competitivo. Ver, designadamente Senett, Petrella, O Grupo de Lisboa, Beck, Castells.