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CAPÍTULO V EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

5.2 FINALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA COMO MANUTENÇÃO

O Direito de não ser declarado culpado enquanto ainda há dúvida sobre se o cidadão é culpado ou inocente foi acolhido no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, em seu art. 11.1, dispõe: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.

Dispositivos semelhantes são encontrados na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (art. 6.2), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14.2) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92 – art. 8º, § 2º): “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Inicialmente cumpre destacar no direito português o princípio jurídico-constitucional do “direito penal do bem jurídico”, enquanto parâmetro de controle da constitucionalidade de normas incriminatórias a partir dos critérios da dignidade penal do bem jurídico e da necessidade da intervenção penal, começou por ser fundado nos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, enquanto princípios decorrentes da ideia de Estado de direito democrático, consignada no artigo 2.º da Constituição.

Presentemente a base de sustentação passa antes pelo princípio da proporcionalidade, expressamente aflorado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, após a mudança da constituição de 1982, de acordo com o qual, as restrições legais aos direitos liberdades e garantias, nos casos expressamente previstos na norma Constitucional, limitou-se ao essencial para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

“Consistindo as penas, em geral, na privação ou sacrifício de determinados direitos (maxime, a privação da liberdade, no caso da prisão), as medidas penais só são constitucionalmente admissíveis quando sejam necessárias, adequadas e proporcionadas à proteção de determinado direito ou interesse constitucionalmente protegido conforme artigo 18.º da Constituição, e só serão constitucionalmente exigíveis quando se trate de proteger um direito ou bem constitucional de primeira

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importância e essa proteção não possa ser suficiente e adequadamente garantida de outro modo” (Acs. n.os 85/85 e 99/2002).

A este propósito, acompanhamos inteiramente o pensamento de Souto Moura (2011): “Como bem apontou Carnelutti, a justiça humana é de tal modo precária, que não só faz sofrer as pessoas depois de condenadas, como as faz sofrer para se saber se hão-de ser condenadas”. Não podemos negar que é em face desta realidade inelutável, mas nem por isso menos lamentável, que o princípio da presunção de inocência ainda subsiste. Até à decisão final, é sempre possível admitir a hipótese de absolvição. E se a absolvição ocorre por força de se ter afirmado a inocência do arguido, esta só foi possível porque subsistiu a presunção de inocência antes do processo e durante o processo.

Nesta mesma linha de pensamento pondera Albuquerque (2011, p. 191), não há de admitir atos gravosos cometidos durante o processo contra o arguido, que se verificou depois estar inocente, surgirão como inadmissíveis, já que produziram uma lesão de interesses imerecida e irreversível. Lesão sofrida por alguém que em nada contribuiu para criar a situação de que foi vítima.

Este pensamento parece ser suficiente de acordo com Albuquerque (2011), para que o tratamento preferível durante o processo seja de inocência e não de culpabilidade.

E refira-se ainda, antes de prosseguirmos, que é a este respeito que avulta a questão da celeridade do processo, pois se, na vida do cidadão, o processo penal, por si e pelo que dele decorre, restringe, suspende e nega certos direitos do arguido enquanto cidadão, entendemos que o processo deverá durar o menos possível, desde que asseguradas as garantias de defesa.

Não podemos, pois, deixar de citar que constitui uma importante dimensão do princípio da presunção de inocência do arguido a obrigatoriedade de realização do julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, sendo certo como ensina Vilela (2005, p.78) que: “a demora do processo penal, não só poderá acarretar restrições ilegítimas dos direitos do arguido, como também poderá retirar conteúdo útil ao princípio da presunção de inocência”.

O exposto permite concluir que a presunção de inocência do arguido na ótica da legislação portuguesa não é uma presunção em sentido técnico-jurídico, ou seja, não se trata de uma ilação “que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, conforme se extrai do artigo 349.º do Código Civil Português.

Já no ordenamento brasileiro, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, conforme já explanado, o princípio da presunção de inocência somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal. Com a Constituição

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Federativa do Brasil de 1988, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

Se a constituição brasileira prevê a impossibilidade de execução provisória da pena antes do transito em julgado, porque a corte brasileira flexibilizou tal preceito constitucional? Estaria diretamente relacionado a razoável duração do processo ou mesmo a ineficiência do judiciário no tempo do julgamento dos processos, que causam na sociedade a sensação de impunidade?

5.3 O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E TRIBUNAL