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2.  A flexibilização das relações laborais

2.4. Flexibilidade salarial

A flexibilidade salarial permite às empresas a prossecução de dois objetivos. Por um lado, minimizar os custos do fator trabalho e, por outro, conferir elasticidade a esses mesmos custos, o que implica que, ao invés de a retribuição ser uma constante “rígida”, ela passe a ser função dos resultados empresariais e do desempenho profissional, numa lógica de the more you do, the more you get.

No que diz respeito ao primeiro objetivo de minimizar os custos laborais, em Portugal, o mesmo foi conseguido, em parte, por fatores exógenos às próprias empresas. Mais concretamente, pela fixação do salário mínimo e pela perda de dinâmica da contração coletiva, ou seja, da negociação levada a cabo pelas entidades empregadoras, por um lado, e as associações sindicais em representação dos trabalhadores, nelas filiados, por outro, com vista à celebração de um acordo coletivo de trabalho onde são regulados diversos aspetos da relação laboral.

Quanto ao primeiro aspeto relacionado com a minimização do custo da força de trabalho - a fixação da Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG), vulgarmente conhecida por salário mínimo – é de referir que, tal como salientado por Dornelas et al. (2011, p.192),

a atualização da RMMG tem impactos diretos (de aumento de salário mínimo) mas também indiretos (considerando os trabalhadores nas imediações do valor da RMMG), reconhecendo-se que um crescimento da RMMG terá efeitos de arrastamento a outros escalões remuneratórios, fazendo elevar os custos unitários do trabalho.

Além disso, a RMMG pode constituir um “referencial subjacente a novas contratações, em particular de jovens. Neste sentido, […] é possível estimar que aproximadamente 11,5% das novas contratações de jovens foram efetuadas com uma remuneração ao nível da RMMG” (Ministério da Economia e do Emprego, 2012, p.17).

No caso concreto de Portugal, a fixação do salário mínimo é relevante, sendo que a incidência de trabalhadores portugueses a receber uma retribuição base equivalente à

Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) tem apresentado uma acentuada tendência crescente, ultrapassando, em 2011, os 11%.

TABELAN.º 4–TRABALHADORES A TEMPO COMPLETO ABRANGIDOS PELA RMMG (em % dos trabalhadores por conta de outrém a tempo completo)

No que concerne ao segundo aspeto do objetivo da minimização dos custos de trabalho, mais concretamente, à perda de dinâmica da contratação coletiva, não nos podemos esquecer, tal como refere Martins (2009, p.11), que

o enquadramento institucional da negociação salarial desempenha um papel importante na determinação da dinâmica dos salários e, em termos mais gerais, no funcionamento do próprio mercado de trabalho”, sendo que “os salários da maioria dos trabalhadores, em particular nas empresas de maior dimensão, são determinados no âmbito de acordos coletivos de trabalho.

Contudo, segundo dados da OCDE (2012), em Portugal, a queda na cobertura da contratação coletiva deve-se aos desenvolvimentos legislativos (nomeadamente o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) que, nomeadamente, introduziu a possibilidade de caducidade das convenções e a adesão individual às mesmas. O número de trabalhadores sindicalizados também caiu neste período, passando de 28% para 19,3%, face a uma média de 27% nos países da OCDE. De facto, segundo os números do Ministério da Economia e do Emprego (2012, p.17), indicados na Tabela n.º 5,

Na negociação coletiva, os salários convencionais revelam, de janeiro a outubro de 2012, uma variação de 1,4 %, que afetou 303.300 trabalhadores, revelando uma desaceleração, sobretudo no número de trabalhadores abrangidos, face à variação média […] anualizada para o total dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva do Trabalho em 2011 (1,5 % face a 2010, abrangendo 1.202,9 mil trabalhadores).

TABELAN.º 5–VARIAÇÃO MÉDIA ANUALIZADA DOS SALÁRIOS BASE EM PORTUGAL

Do enfraquecimento da negociação coletiva resulta a crescente individualização das relações laborais, ou seja a “individualização de carreiras, em função da adaptabilidade e do «potencial» de cada trabalhador às novas condições da produção” (Cerdeira, 2004, p.36), na qual a retribuição e a sua evolução, ao invés de serem estabelecidas a nível institucional, passam a depender, sobretudo, de decisões de gestão da entidade empregadora. Sobre esta questão, Hespanha (2002, p.24) afirma mesmo que a individualização das relações de trabalho “representa um agravamento do risco social e da exclusão para um crescente número de trabalhadores espalhados por todo o espaço mundial. Enquanto seleciona, reduz, qualifica – e, portanto, exclui – no topo, a nova lógica […] inclui na base trabalhadores com salários baixos”.

Abordemos, então, o segundo objetivo da flexibilização salarial, ou seja o objetivo de tornar os esquemas retributivos maleáveis com os desempenhos da empresa e dos próprios trabalhadores. Sobre esta questão, Casaca (2005) afirma que a flexibilidade decorre da capacidade de adequação dos salários “às oscilações do mercado (nível de procura) e/ou aos resultados obtidos pela empresa” (p.9). Atkinson e Meager (1986) acrescentam que, através da flexibilidade salarial, as empresas ajustam os seus esquemas retributivos para estimular a flexibilidade funcional, diferenciando as remunerações dos trabalhadores com qualificações que são escassas no mercado ou introduzindo recompensas individuais para os trabalhadores com melhor desempenho.

Cada vez mais, as políticas retributivas das empresas seguem uma trajetória que aponta para a redução do peso do salário base no total das prestações pecuniárias auferidas pelo trabalhador. Tirando, pois, partido da grande complexidade assumida pelo salário, onde se inclui, não só a retribuição base, mas também um conjunto de prestações complementares ou acessórias, tais como, diuturnidades, subsídios de risco, de penosidade, de toxicidade, de

isolamento, de alojamento, de alimentação, de transporte, de turno, de férias, de Natal, prémios de produtividade, ou de assiduidade, comissões e prestações por trabalho suplementar ou noturno, etc. (Leal Amado, 2009). As empresas dão um enfoque cada vez mais proeminente a estas prestações complementares, fazendo com que a retribuição dos trabalhadores ganhe um carácter tendencialmente mais variável e menos fixo.

A corroborar a tese de que a retribuição caminha no sentido de uma maior elasticidade, o Relatório Working conditions in the European Union (Eurofound, 2012) revela que a percentagem de indivíduos que recebem pelo menos um tipo de remuneração variável, aumentou ao longo dos últimos cinco anos. Em 2010, 63% dos trabalhadores da União Europeia8 admitia que a sua retribuição incluía componentes variáveis; esta percentagem compara com 62% em 2005. Segundo o mesmo estudo, as componentes variáveis incluem o pagamento do trabalho suplementar, outras formas de pagamento extraordinário, a remuneração do trabalho prestado aos domingos e a compensação do trabalho prestado em condições perigosas.

É de referir também que, num país como o nosso, onde os salários são baixos, as horas extraordinárias servem como complemento do salário, facto este que, associado à atual flexibilidade horária, também se traduz em fenómeno de flexibilidade salarial.

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