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Aliada à função educadora dessa agremiação, a imprensa em Maruim difundiu algumas práticas culturais, principalmente com a circulação da Revista Litteraria. Este periódico, de

perfil literário e político, tratou também de temas educacionais. Os autores dos discursos sempre querem fixar um sentido e direcionar a interpretação correta que deve presidir a leitura de seus textos329.

A História da Educação se apresenta como um saber específico e a ela cabe a responsabilidade de construir um corpo de conhecimento e técnicas específicos para uma melhor reflexão sobre a profissão docente. Essa proposta passou a compor programas escolares nas universidades e Escolas Normais européias no final dos Oitocentos. “A prestigiada Universidade de Harvard foi, muito possivelmente, a primeira instituição a nomear, em 1891, um professor de History and Art of Teaching”330.

Foi após o surgimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB (1838), que se conseguiu subsídio para se estudar a História da Educação Brasileira, porque era sua finalidade coletar e arquivar publicações de todas as regiões. Inicialmente, todo o material foi organizado em coleções, seguindo os métodos estatísticos (qualitativos).

O processo ensino-aprendizagem depende, de certa forma, do próprio processo difusor da informação. A melhoria da qualidade dos programas educacionais está intimamente relacionada com o seu material de apoio e reflete, portanto, as disponibilidades de bibliotecas. Da mesma maneira que a informação enriquece o leitor, ela pode influenciar no despertar para o campo da pesquisa, contribuindo no processo civilizatório das pessoas em diferentes estratos sociais. Para Norberto Elias331, além das práticas de civilidade doméstica, deve-se atentar para os

comportamentos sociais, que evoluem na mesma proporção que a alfabetização, a qual depende do crescimento editorial.

4.1 - Folheando Poemas

332 e Folhetins

329VILELA, Marize Carvalho. Discursos, Cursos e Recursos: autores da Revista Educação (1927-1961). São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tese de Doutoramento), 2000, p. 6.

330Lopes, Eliana Marta Teixeira apud NUNES e CARVALHO. NUNES, Clarice, e CARVALHO, Marta Maria

Chagas de. Historiografia da educação e fontes. Cadernos ANPED. Nº 5, set. 1993, p. 11. 331Cf. ELIAS, Norbert. Op. Cit 1993.

332A poesia é definida como forma de expressão lingüística destinada a evocar sensações, por meio da união de sons,

ritmos e harmonia e utilizando uma seleção de vocábulos, essencialmente metafóricos. Poema – obra literária em verso, ou ainda obra em prosa análoga a um poema, por sua inspiração, sentido, estrutura e estilo [...] Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998.

Em geral, as pessoas são atraídas para leituras de interesse pessoal e também para as obras de ficção, sendo os romances folhetins, segundo os estudiosos da leitura, os mais procurados. Entretanto, sabe-se que os indivíduos de um certo estrato social dedicam a sua maior parte do tempo à leitura de jornais e revistas e, especialmente, a assuntos que dizem respeito às suas atividades profissionais. A despeito do conteúdo da RL, foi a partir da edição número 14 que os seus produtores criaram uma coluna especial para se publicar as poesias com o título de “No Parnaso”. Como evidência de uma melhor organização editorial na segunda fase, aparece, a partir da edição número 24, a coluna “Escrinio Litterario”, que foi destinada à publicação dos folhetins, tão freqüentes como as produções poéticas. No início da circulação da Revista, esses textos apareciam diluídos entre as diversas seções e separados pelas vinhetas. Nessas duas seções, o público leitor tinha acesso a publicações de autores nacionais e estrangeiros, uma das principais funções das práticas jornalísticas, o que se denominou de estratégias de leitura, porque os

textos de literatura latina, traduzidos e publicados, já lidos e relidos, ganham novos formatos e são adaptados para novos públicos. Pela adaptação editorial do texto, os leitores que por suas qualidades (financeiras ou intelectuais) não teriam possibilidade de ler um determinado texto, têm acesso a ele pelas operações editoriais333.

No âmbito das representações sociais sobre o cotidiano escolar, a importância da literatura na formação de crianças e jovens no Brasil remonta ao período colonial, em que a educação dos jesuítas, através da Retórica, representava bem a fórmula ornamental do homem distinto e bem falante334. Com relação às obras literárias, a ficção parece atrair mais o leitor de todas as idades.

“Dos livros de não-ficção, os mais lidos são aqueles que, à semelhança de jornais e revistas, tratam jornalisticamente de assuntos de interesse contemporâneo”335.

Para dar maior ênfase às representações da leitura que se queria impor, vale lembrar um clichê publicado na RL: figuras polimórficas (um livro e um jornal abraçados por um ramo de loureiro), utilizadas para encimar os editoriais intitulados Revista Literária (cf. figura 13,

capítulo II). Há nessa ilustração as propostas educacionais mais recorrentes: para se obter

333TOLEDO, Maria Rita. Op. Cit. 2000, p. 1.

334FERRO, Maria do Amparo Borges. Literatura escolar e História da Educação: cotidiano, ideário e práticas

pedagógicas. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Tese de Doutorado), 2000.

335ADLER, J. Mortimer e DOREM, Charles Van. A arte de ler. Tradução de José Lourênio de Melo. Rio de Janeiro:

formação moral e intelectual, não se deveria apenas ter acesso ao livro, mas também a um “bom livro”. Tal procedimento foi herdado dos primeiros professores do Brasil (os jesuítas) com suas lições moralizadoras. Esse recurso tipográfico também traduz na sua intencionalidade as leituras premiadas e que levariam seus leitores aos primeiros lugares através do conhecimento. Chartier336 atribui à representação não apenas pelo fato de ela tornar presente uma ausência, mas também por exibir sua própria presença enquanto imagem e, assim, constituir aquele que a olha como sujeito que olha.

O livro sempre esteve presente na vida dos brasileiros, principalmente nas famílias mais abastadas. Havia as publicações em rica encadernação, com capa dura, com letras douradas, às vezes pouco lidas, e que serviam apenas para decoração, ou melhor, como status, em função das representações culturais do objeto em si. Eram imprescindíveis também no cotidiano do lar os livros para apontamentos rotineiros sobre os acontecimentos em familia: as cadernetas que registravam o nascimento da numerosa prole, batizados, vacinação, compras, falecimentos, dentre outros. Anotava-se também nesse tipo de suporte a aquisição e distribuição de objetos de valor (casas, propriedades, animais, jóias, até livros e estantes) que constam em inventários de famílias da região.

Quando não se dispunha desses livros ou cadernetas e existia a necessidade de se fazer um inadiável registro, valia-se do que se tinha à mão. O Professor e chefe dos Correios em Maruim, Álvaro Pereira de França Marques, deixou marcas dessa prática nas marginálias do seu Lunário e Prognóstico Perpétuo337.

As famílias, geralmente no seu dia-a-dia, não deixavam de consultar, também, os tradicionais Almanaques Farmacêuticos338, que muito auxiliavam nas lides domésticas, considerados fiéis conselheiros do lar e do campo, uma espécie de calendário com indicações úteis, trechos literários, poesias, anedotas, receituários, fases da lua.

Além de servirem para decoração, alguns livros, principalmente os de literatura (poesias e romances), eram utilizados para o entretenimento. Muitas produções literárias eram adquiridas nas “bibliotecas populares”, a exemplo dos gabinetes de leitura, em sistemas de empréstimo ou

336CHARTIER, Roger. Op. Cit. 2002, p. 165.

337Datas e locais de falecimentos de pessoas do seu convívio, a exemplo de Luiz de França Melo (1842-1901), seu

primo, que foi sepultado na capela de Nossa Senhora da Boa Hora337, cuja lápide sepulcral ainda se encontra nessa

igreja, além de outros sepultados na igreja de São Vicente.

338Sobre as leituras de Almanaque no Brasil cf. PARK, Margareth Brandini. História e leituras de almanaques no Brasil. Campinas/SP: Mercado de Letras. Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: FAPESP

aluguel. Nos acervos dessas agremiações, esses tipos de publicação eram encontrados com mais freqüência339, em relação às bibliotecas tradicionais (com leituras controladas pela Igreja e pelo Estado), uma prática herdada dos gabinetes de leitura da Europa, o que faz jus à presença marcante desse tipo de produção textual na Revista do Gabinete de Maruim.

A Seção Literária compreende as colunas No Parnaso (poemas) e Escrínio Litterario (folhetins). Para saber quem publicou poesia na primeira fase da RL, animou os saraus, as rodas literárias e os cafés no período, convém apresentar os títulos e seus respectivos autores: Miséria,

sem autoria; Primeira Dor, M. de Almeida; Chromos, Antonio Sales; Adeus, C. Brunetto; A Lágrima de Deus, Plácido de Abreu; Christo, Idem; Ao Largo, Luiz Nobrega; Não Partas!, A.

A. Magalhães; Ao Alvorecer, Ignez Sabino; Aquela que me não ama, Narciso de Lacerda; Olhando A Lua, sem autoria; A Primeira Comunhão, Baptista de Medeiros; Morta, sem

autoria; Mãi, Luiz Guimarães Junior; A Esperança Perdida, Deodato Maia Junior; Soneto,

Guerra Junqueiro; Casta Diva, Luiz Guimarães Junior; Quadras, A. F. de Novaes; O Luar,

Guerra Junqueiro; O Beijo da Morta, Luiz Guimarães; E’ Linda, A. F.de Novaes; Tres Cartas,

Luiz Guimarães; Temperamentos, Luiz Guimarães; Na Cabeceira d’um Berço, Antonio Feijó; A Morta, Luiz Guimarães.

Os poemas publicados na segunda fase, são mais longos, principalmente nas últimas edições. Na lista desse estilo literário foram veiculados: O Egypto (Assis Brazil); Uma Creatura

(Machado de Assis); Canção (Valentim de Magalhães); Supplica (Olavo Bilac); O Incêndio de Roma (Olavo Bilac); Flores (Joaquim M. Fontes - a Horácio Martins); E Eu Disse... (Idem - a

Ananias de Azevedo); Cordélia (Idem – a Macedo Costa); Receita (Idem); No Carcere (Olavo

Bilac); Branca (Joaquim M. Fontes – a Joviano Telles); Saudades Homicidas (Joaquim M.

Fontes – a Semião Sobral); Encontro de Uma Lágrima (João Ribeiro); Vinte Primaveras

(Joaquim M. Fontes); No Álbum de D. Clotilde Oliveira (Joaquim M. Fontes).

Conforme ficou registrado em linhas anteriores, a respeito do número de versos das poesias em relação à primeira fase, algumas delas ocuparam por inteiro duas páginas da Revista. Dentre as poesias mais extensas, destaca-se Receita, com quatorze estrofes (com sextetos,

339Cf. MARTINS, Ana Luiza. Op. Cit, 1999; SILVA, Thomaz Gomes da. e AZEVEDO, Édio Vieira de. (orgs) Catálogo da Biblioteca do Gabinete de Leitura de Maroim. Aracaju: Casa Ávila, (1933-1934).

quintetos e quadras). A Revista do Gabinete afastou-se do seu público com o poema No Álbum de D. Clotilde Oliveira.

No início da sua circulação a RL publicou poesias inspiradas em temas românticos, muito ao gosto da época:

- Miséria, sem autoria identificada, discute a questão social em que o autor evidencia a

mendicância e suas conseqüências;

- Primeira dor, M. de Almeida, enfocando o sofrimento de uma criança ao perder sua

mãe;

- Crhomos, Antônio Sales, enfatiza a saudade de um filho pequeno pela perda do pai;

-A lágrima de Deus, Plácido de Abreu, enfoca o presente dado por Deus ao homem, que

reclamava uma companheira.

No âmbito dos autores que abordam temas de amor e devaneios, aparece com evidência Joaquim Martins Fontes, que publicou dez poemas na RL, a maioria deles dedicada a amigos do seu círculo literário.

- Flores é um soneto que ele ofereceu a Horácio Martins. Ao enaltecer os encantos das

rosáceas, do jasmim, do lírio, da sempre-viva e de outras, admite o autor que não existe flor mais encantadora do que a primeira, considerada a rainha dos jardins, mesmo com os inconvenientes espinhos.

Flores

A Horácio Martins A “rosa” tem feitiço e formosura;

Não se vê num jardim flor mais cheirosa; Mas espinhos agudos têm a rosa... Ah! Deus fê-la imperfeita creatura! (...)

A “sempre-viva” vive eternamente, Mas vive sem frescura e sem olor; O “líyrio” dura um dia tão somente

As flores todas, têm o seu senão... Só tu és flor perfeita, sendo a flor;

Que tem belleza, odor e... coração340.

- E eu disse foi dedicado a Ananias Azevedo. Os sonhos e devaneios foram retratados

pela pena de Martins Fontes. Novamente as flores fazem sua inspiração na busca de um “amor perfeito” pediu-se ajuda à brisa, à andorinha e às estrelas. Contudo, o autor procurou convencer seus leitores de que se deve ser sincero com o próprio coração:

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