• Nenhum resultado encontrado

O folhetim na América Latina

Assim como na Europa e no Brasil, os folhetins franceses fizeram muito sucesso em países da América Latina, como Colômbia, México e Argentina. Antes de terem os seus próprios escritores nacionais, forjados na era dos folhetins, os jornais de grande circulação já traduziam e publicavam tudo que fazia sucesso e vinha do velho mundo (MEYER, 1996).

Não é de se estranhar, logo, que o primeiro contato das populações locais com os romances

fossem os clássicos, como O Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros, de Dumas; e Os Mistérios de Paris, de Sue. Esse último, especialmente, deixou o México apaixonado na década de 1840. Segundo Meyer, (1996, p. 383), “o mexicano Manuel Payno, que estivera em Paris entre 1842 e 1844, onde acompanhara com a maior admiração a ascensão triunfal de Sue e Dumas, publica em 1845 o primeiro folhetim mexicano, imitado do francês, El Fistol del Diablo”. Ele foi publicado na Revista Científica y Literaria de México. Depois de ser interrompida por dois anos por conta da Guerra contra os Estados Unidos, a novela voltou a ser publicada no periódico El Eco del Comercio. Payno queria, através da publicação, evidenciar o estrago feito pelos norte-americanos no país latino (CANTÚ, 2013).

Payno lleva al lector al centro de la ciudad de México para que sea testigo de lo que el hombre es capaz cuando se trata de herir, matar o destruir, con ciudadanos y ejército mexicanos repitiendo en la historia lo hecho por aztecas de antaño, defendiéndose y confirmando en una guerra a muerte la convicción en aumento de su destino no solo como nación, sino como civilización. La relación sincrónica de acontecimientos históricos —la conquista de Tenochtitlan, la Guerra de Independencia, la invasión norteamericana— se entienden por medio de una estética de la sublimidad en la obra de Payno, es decir, en los límites mismos de la representación literaria cuya insuficiencia discursiva es incapaz de dar expresión a lo inconcebible: la mortandad y devastación en la ciudad de México durante la guerra contra los Estados Unidos. (CANTÚ, 2013, p. 37).

Já na Colômbia, o folhetim Maria, escrito por Jorge Isaac, comoveu com o seu enredo melodramático diversos leitores e ouvintes (posteriormente, com o surgimento do rádio) colombianos (MEYER, 1996). Assim, fica evidente a influência dos folhetins franceses na formação de jovens escritores latinos.

Tanto quanto aqui, legitimava-se assim o empenho dos primeiros quadros cultos das jovens nações em traduzir essas novelas, cuja leitura treinava os futuros romancistas, e constituía um público. E, com o tempo, esse universo romanesco, pelo habitual caminho de jornais recortados e fascículos, lidos ou contados oralmente, teria alcançado aquelas classes subalternas, as historicamente exploradas e sofridas massas da América Latina. (MEYER, 1996, p. 383)

O próprio clima político e de tensões da América Latina fez com que o estilo romanesco e melodramático dos romances-folhetim fossem de cara bem aceitos pela população local, uma vez que personagens tipificados, vingativos, violentos, ciumentos e loucamente apaixonados, divididos entre o bem e mal combinavam com o público leitor em formação (MEYER, 1996).

Não é de espantar, portanto a fácil aclimatação nesses países, onde a “desgraça pouca é bobagem”, de um gênero romanesco que, além de cativar auditórios e leitores pelas engenhosas tramas, tematizava subcondições de vida e exacerbadas relações pessoais e familiares. Desenvolvia um paroxismo de situações e

sentimentos mal e mal canalizados por uma mensagem conservadora que se desejava conciliadora, mas não apagava totalmente seu valor de denúncia e cultivava uma forma de sobressalto narrativo a mimetizar o sobressalto do vivido, amenizando-o pela magia da ficção. (MEYER, 1996, pg. 383)

Outro folhetim latino-americano, inspirado em Mistérios de Paris, de Sue, e traduzido para o português no Jornal das Senhoras, em 1852, foi o Mistérios de La Plata, da escritora argentina Joana Paulo Manso de Noronha. O enredo conta as barbaridades cometidas pela Ditadura das Rosas na Argentina, comandada por Juan Manuel de Rosas (AZEVEDO, 2015).

Conforme Manso (1852, n. 1, p. 6, apud Azevedo, 2015, p. 39), “não foi por servil imitação aos mistérios de Paris, e aos de Londres, que chamei a este romance Misterios del Plata. Chamei-o assim, porque considero que as atrocidades de Rosas, e os sofrimentos de suas vítimas, serão um mistério para as gerações vindouras, apesar de tudo quanto contra ele se tem escrito”.

Na Argentina, também devemos destacar a importância do escritor Eduardo Gutierrez, que escreveu nove romances-folhetim para o jornal argentino La Patria Argentina. Embora, como explica Canala (2015), estes não tenham sido o primeiro contato dos argentinos com os folhetins, porque muitas traduções francesas já faziam parte do hábito de leitura da elite da época, Gutierrez foi o primeiro a escrever folhetins com forte teor nacionalista e de denúncia.

O folhetim argentino foi influenciado pelo francês, mas utilizou elementos da cultura gauchesca: o falar e o cantar do gaúcho (ALVEZ, 2010). O regionalismo fez com que esse tipo de literatura fosse um espelho do povo platino. Citando Martín-Barbero, Alvez (2010, p.75) explica que: “sobretudo, o folhetim na Argentina é uma escritura que se encontra com o povo, o qual se reconhece nela”. Já Léon Benarós observa o fenômeno que o folhetim de Gutierrez provocou na Argentina: “Pela primeira vez e última o público se abarrotava nas portas do diário La Pátria Argentina para seguir o folhetim que Gutierrez havia escrito quiçá na noite anterior ou alguns dias antes” (BENARÓS, 1960, apud ALVEZ, 2010). Eduardo Gutiérrez e José Hernández eram os dois autores nacionais mais lidos daqueles dias em solo argentino (ALVEZ, 2010).

No México, o folhetim não consegue se separar das movimentações políticas. Segundo Alvez, (2010, p. 92), “os autores de folhetim são homens de letras e de ação. Praticamente todos eles lutaram na revolução, de um lado ou de outro. Eram homens movidos por ideais reformistas, e quando pegaram na pena fizeram com clara intenção de educar o povo”. Em 1816, foi publicado no jornal o romance El Periquillo Sarmiento, de José de Lizardi. Apesar deste ter sido publicado em jornais até mesmo antes do fenômeno do folhetim ocorrer na França, conforme reforça Alvez (2010), os primeiros romances-folhetim, seriados e inspirados

nas técnicas europeias de narrativa, só surgiram com Vicente Palacio, José T. Cuéllar e Manuel Payno. Deste último autor de grande repercussão, segundo Alvez (2010), também podemos destacar o sucesso do título Los Bandidos del Río Frío (1889).

Este romance-folhetim, apesar de escrito por um latino, no entanto, foi publicado primeiramente em Barcelona e depois no México. Ele retrata a história de amor entre Juan e Mariana, do filho fruto dessa relação, da separação e do reencontro do casal com ele, que passou pelas maiores desventuras durante a vida e sofreu toda sorte de problemas (Sandoval e Ilades, 1999). É considerado um dos grandes romances de costume do México do século XIX (SANDOVAL, 1999).