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O uso da força: o poder em questão

3 A CONSTRUÇÃO DO MODELO IDEAL DE POLICIAL MILITAR DAS MINAS

3.1 O uso da força: o poder em questão

No imaginário social, parece simples. Imagina-se que cabe à polícia reprimir e prevenir a criminalidade. Crêem os que se opõem à ação direta da polícia na escola que acontecimentos em âmbito escolar constitui tarefa exclusiva de pais e educadores. A ação deve antes de tudo, ser educativa, e não repressiva.

De certa forma, essa percepção sobre o que seja a tarefa da polícia é correta, considerando-se o mandato que a lei confere às polícias no mundo moderno. Em suma, sobre tal função, não há nada de original, pois diferentes estudiosos da ação policial em nossas sociedades têm ressaltado esse aspecto em diferentes perspectivas (MUNIZ, 1999; PAIXÂO, 1985; SOARES, 2004; ZAVERUCHA, 2003; PINHEIRO, 1997) A esse respeito, lembra Luís Flávio Sapori (2006), estudioso de políticas públicas de segurança no mundo contemporâneo, que

No que se refere à ordem pública, a estruturação dos sistemas policiais modernos é expressão mais marcante do papel decisivo assumido pelo Estado. A Policia é uma organização autorizada pela coletividade para regular as relações sociais via a utilização, se necessário, da força física. Seu mandato, nas sociedades modernas, distingue-se daquele atribuído ao Exército. Este último tem também a prerrogativa de uso da força física, mas sua jurisdição é externa à coletividade (SAPORI, op.cit, p. 98-9).

Tal mandato se consolida no mundo ocidental, segundo Egon Bittner (2003), no segundo quartel do século XIX. De acordo com esse autor:

A polícia como a conhecemos hoje em dia é uma criação da sociedade inglesa [...] O local de origem reflete o fato de que, naquele momento, em termos de desenvolvimento como uma sociedade urbana industrial, a Inglaterra era muito mais avançada do que os outros Estados. No seu devido tempo, o modelo foi adotado em todos os outros lugares, embora com algumas modificações exigidas pelas diferentes tradições e formas de organização política (BITTNER, op. cit., p. 107).

De certa forma, os estudiosos do tema têm concordado com esse ponto de partida sugerido por Bittner, inclusive autores brasileiros (BEATO, 2002, SAPORI, op. cit.). Destacam, entretanto, as modificações produzidas pelas tradições de organização política brasileira, que, como se verá mais adiante, dão significados muito particulares à polícia em nosso País, e esta, por sua vez, sofre enormes influências locais (FERNANDES, 1974; MUNIZ, 1999).

Na seqüência de suas análises, Bittner chama a atenção para um fato que considera notável, a saber: a fundação da polícia, tal como existe em nossos dias, constitui o último tijolo da construção básica na estruturação do governo executivo moderno (op. cit, p. 107). Antes dela, afirma o autor, outras instâncias de controle monopolizado pelo Estado, como, o exército, a cobrança de impostos, o planejamento econômico e fiscal e até mesmo a educação pública antecederam-na em várias gerações (idem).

Bittner justifica de forma razoável a demora para a referida consolidação desse mecanismo de controle nos diferentes contextos históricos, embora admita que as monarquias absolutas dos séculos XVII e XVIII tivessem inúmeras razões para criar esse tipo de instituição que poderia fornecer-lhes os meios para a vigilância contínua e detalhada dos cidadãos (BITTNER, op. cit). No entanto, no lugar de desenvolvê-la, mantiveram métodos de controle herdados do passado (idem). Segundo o nosso autor, havia o temor de que essa força policial controlada pelo Executivo alterasse a balança do poder em seu favor, levando a supressão das liberdades civis (idem).

A despeito desses temores, os defensores da criação da polícia, segundo Bittner, conseguiram, na época, convencer seus contemporâneos de que os métodos de controle do crime herdado do passado eram incompatíveis com a ética da sociedade civil. Esses mecanismos arcaicos eram compostos por indivíduos desqualificados, corruptos e brutos perseguidores de ladrões, extorquindo o pobre coitado que eles acusaram de crime ou então eram guardas montados que massacravam multidões de famintos que protestavam nas ruas enfrente às igrejas (BITTNER, op.cit., p. 109) Ao criticarem os métodos de controle do passado, os defensores da criação da policia moderna

[...] traziam à tona um passado escuro e desprezado, e defendiam as sensibilidades de um povo que estava no limiar de um período de sua história nacional por ele definido como o auge da civilização (idem, o grifo é nosso)

Mas o que se deve considerar como civilização? Tomando-se o estudo de Norbert Elias (1993,1994) acerca do processo civilizador no mundo ocidental, faz-se necessário recuperar algumas de suas idéias que ajudaram a compreender uma parte significativa dos documentos aqui analisados. Para Elias, o homem civilizado é resultado de um longo processo, que implicou um árduo trabalho de autocontrole dos impulsos e dos desejos. Ou melhor, que exigiu uma rigorosa aprendizagem dos autocontroles, chame-se a eles de razão, consciência, ego ou superego (ELIAS,1993). Ainda, sobre esse processo, afirma Elias que, a conseqüente moderação dos impulsos e emoções mais animalescas, em suma, a civilização do ser humano, jamais é um processo indolor, e sempre deixa cicatrizes (ELIAS, 1993 p. 205). O monopólio dos controles na mão do Estado foi fundamental para definir quem teria a legitimidade de impor a força para coibir atos que agredissem o bem coletivo. Mas esse monopólio em si não explica como se chega a um mundo pacificado e civilizado. O que define o estágio de civilidade, na obra de Elias, é o processo em que o indivíduo internaliza os controles e passa a agir de acordo com o que se espera de um homem civilisé. Para atingir esse estágio, é preciso entender que aqueles que se encarregam desses ensinamentos são, também, sujeitos ao mesmo processo de mudança de personalidade. No dizer de Elias,

[...]os monopólios da violência física e dos meios econômicos de consumo e produção, sejam coordenados ou não, estão inseparavelmente interligados, sem que um deles jamais seja a base real e o outro a “superestrutura”.Juntos, eles geram tensões específicas em pontos particulares no desenvolvimento da estrutura social, tensões que pressionam no sentido de sua transformação. Juntos, formam o cadeado que liga a corrente que agrilha homens entre si (op. cit, p. 264, grifo do autor).

Na experiência do mundo ocidental, segundo o referido autor, esse processo passou por inúmeros aprendizados, que estiveram a cargo de eminentes mestres e instituições, dentre elas a família e a escola. No primeiro volume do Processo Civilizador (1994), Elias esclarece que, inicialmente, o controle mais rigoroso dos impulsos e emoções é imposto por elementos da mais alta categoria social aos inferiores ou, no máximo, aos socialmente iguais (ELIAS, 1994, p. 142) No feudalismo e nas monarquias absolutas, eram as próprias cortes que exerciam essa função de controle. Mais tarde, a burguesia torna-se a classe superior, governante,

[...] a família vem a ser a principal e dominante instituição com a função de instilar controle de impulsos. Só então a dependência social da criança face aos pais torna-se particularmente importante como alavanca para a regulação e moldagem socialmente requeridas dos impulsos e das emoções (idem).

No início, o controle dos impulsos é imposto de fora para dentro – ou seja, quando se estava em companhia de outras pessoas, mais precisamente por razões sociais. A atitude civilizada, a nossa “segunda natureza”, no dizer de Elias, ainda não tinha sido inculcada como uma forma de autocontrole, hábito que dentro de certos limites funciona também quando a pessoa está sozinha. Esse processo muda, de acordo com o autor, no momento em que as pessoas se aproximam mais socialmente e se torna menos rígido o caráter hierárquico da sociedade (ELIAS, 1994, p. 142). Dentre os diferentes procedimentos adotados estão as formas de como se comportar à mesa, no quarto, como lidar com as secreções e fluídos corporais, hábitos de defecar e urinar em lugares apropriados, como se devem portar as mulheres diante dos homens, e estes diante das mulheres, e diante de quem se aparece nu. Elias analisa manuais que circulam durante séculos em vários países da Europa, que vão orientar quanto à higiene e ao recato relativos às partes pudendas do corpo (do latim pudendus, ou seja, aquilo de que se deve ter vergonha). Aos poucos, o sentimento de vergonha passa a orientar a ação dos indivíduos em seu contexto social. Ele passa ser o mecanismo inibidor interno por excelência.

Nessa linha de argumento, pode-se dizer que o uso da força física, enquanto monopólio do Estado moderno, foi exercido no mundo ocidental por outras instituições que não só a polícia, como insistem os estudiosos do tema. A literatura sobre o papel dos educandários e das instituições educacionais mostra que a educação escolar teve um papel muito intenso nesse exercício da força física, inclusive no mundo moderno, havendo relatos contundentes a seu respeito no próprio século XX em países considerados símbolos da civilização ocidental.

Eric Debarbieux (1996), em sua obra La Violence en Milieu Scolaire, faz um apanhado desse processo de violência física em relação às crianças e aos jovens no mundo ocidental, reconstruindo, por meio de textos clássicos, concepções pedagógicas que ele denominou Pédagogie du Redressement, ou seja, uma pedagogia que tinha por objetivo endireitar, colocar nos eixos e corrigir a natureza viciada desses seres. Em sua, obra pode- se constatar que a criança foi objeto de correção e de violência desde a mais alta Antiguidade até épocas muito recentes. (op. cit, p. 16). Sua pesquisa recolhe e analisa, além de antigos discursos gregos e romanos, textos antigos egípcios nos quais se exortam a dar tapas nas costas e nas orelhas dos aprendizes para que as doutrinas sejam apreendidas de fato (p. 16). Para Debarbieux, a chave de toda concepção ocidental tradicional da infância encontra-se nas Leis de Platão, nas quais se estabelece uma cisão entre infância/adulto, sabedoria/loucura (idem). Analisando concepções religiosas do castigo aplicado à infância,

Debarbieux percorre várias passagens da Bíblia, encontrando suntuosos provérbios que aconselham a bater nas crianças como prova de amor. Celui qui épargne les verges de la discipline à son fils ne l´aime pas (op. cit., p 18-19). O referido autor traz ainda pesarosos ensinamentos de Santo Agostinho, em Cidade de Deus, XXI 14, obra em que ele descreve as justas punições dadas a uma criança perversa e pecadora. Deixar que uma criança se leve por seus instintos é permitir que, muito seguramente, torne-se um grande criminoso, afirma o santo padre, em suas famosas Confissões.

Debarbieux analisa as severas disciplinas às quais as crianças e os jovens foram submetidos na Alta Idade Média. O referido autor convida a lembrar um dos ensaios de Montaigne no qual ele incita o leitor a ouvir os gritos de crianças supliciadas e de mestres enervados pela cólera (op. cit., p. 19) Esses procedimentos aparecem nos métodos pedagógicos de De La Salle, para quem não adiantava tratar os escolares como seres simplesmente racionais. Para aquele pedagogo, estes eram como bichos privados de razão, de discurso e de julgamento. O melhor que se faz é domar a besta grosseira e egoísta que vive nele (DE LA SALLE apud DEBARBIEUX, 1987, p. 20).

O mais surpreendente na obra em consideração é o conjunto de relatos que Debarbieux colheu em pleno século XX de pessoas que passaram por escolas francesas. Foram selecionados alguns desses relatos, com os respectivos comentários de Debarbieux, para fortalecer o argumento inicial de que o uso da força física como monopólio do Estado e como mandato exclusivo da polícia moderna não se deu de forma tão completa como pretendem alguns estudiosos do policiamento no mundo moderno. Na realidade, isso só se compreende quando se sai de análises puramente legalistas e macrosociológicas e se reconhece que no cotidiano dos cidadãos as coisas podem se passar de modo diferente. Teórica e legalmente, só à polícia era concedido o monopólio do uso da força, mas entre o dever ser e o que está sendo há uma enorme distância.

Foi em relação a essa distância que Debarbieux desenvolveu páginas assustadoras em sua obra, muitas delas completamente desconhecidas ou não levadas em conta por estudiosos do tema. Este autor alerta que, ao reproduzir alguns exemplos, não tem a pretensão de generalizar coisa alguma a partir de tão poucos testemunhos, mas apenas de oferecer algum indicador que permita a avaliar o quão complexo é esse processo.

Notemos inicialmente que independentemente de casos muito raros, a severidade dos professores aparece retrospectivamente justificada. A maioria dos testemunhos, recolhidos entre pessoas que teriam sido alunos ou professores, entre 1930 e 1975, revela que havia um consentimento entre a escola e os pais.

A esse respeito, o senhor V (monsieur V) deu a Debarbieux o seguinte depoimento

[...] «notre instituteur qui était à la fois le directeur,. il était três droit, dans tous les domaines. Il était aimé et respecté des parents. Il avait tous les pouvoirs, même de nous donner une gifle…Je n´en ai jamais tenu rigueur à mon instituteur de nous avoir instaure une telles discipline, car cella ne m´a pas porté préjudice à ma future carrière. Issu d´une famille três pauvre et de classe ouvrière, j´ai réussi grace à cette éducation qu´il était proche de la discipline militaire; cela m´a permis de réussi dans ma vie profissionelle» (DEBARBIEUX, op. cit., os grifos são do autor)

Manteve-se o relato do senhor V em francês exatamente pela força expressiva que o texto adquire na referida língua. A severidade do professor, que era ao mesmo tempo diretor, não era vista como um excesso. Ao contrário, era respeitado pelos próprios pais. Como ele mesmo diz, o seu professor tinha o poder de dar bofetada (gifle) nos alunos. O senhor V admira o fato de ter recebido uma educação em estilo militar. Acredita ter sido ela que lhe permitiu sucesso profissional.

Debarbieux chama atenção para o fato de que outras pessoas revelam o mesmo encantamento sentido pelo senhor V, embora, diferentemente dele, sentissem pavor no momento dos suplícios pedagógicos. Foi o que relatou a senhora M (Mme M), também entrevistada por Debarbieux, ao falar de um de seus“professores” quando cursava ensino fundamental em 1973.

lorsque nous étions peu intéressés par ce qui se passait en classe, il nous lançait des brosses ou nous donnait des coups de règle sur les doigts...Ceux qu´il avait dans le nez, pour un oui ou pour un non, il les attrapait, soit par l´oreille, soit par les cheveux, il les faisait décoller du sol. Il me terrorisait (Mme M apud DEBARBIEUX, op.cit., p. 21).

O relato é impressionante. O professor levantava os alunos desatentos pelas orelhas (par les oreilles) ou pelos cabelos (par les cheveux). Mas o mais impressionante é que, ao avaliar os gestos desse “professor” que atirava coisas em alunos e dava-lhes reguadas nos dedos (coups de règles), Mme M se perguntava se não era isso que fazia os alunos aprenderem. Ela mesma afirma ter tido um bom desempenho na sexta série.

A obra de Debarbieux ora analisada está repleta de depoimentos desse tipo. Para finalizar esses exemplos do uso da força física pela escola, considera-se pertinente

reproduzir mais um relato que foi dado por um professor (Monsieur S) de uma escola publica francesa na qual atuou até 1976:

Il faut savoir qu´à cette époque le fait d´être sévère au niveau de la discipline était une tradition [...] Ce n´était qu´ainsi que l´instituteur pouvait être pris au sérieux. Bien sûr, la fermeté devait tout de même avoir des limites. Quand il y avait une sanction sévère, les élèves ne nous en tenaient pas rigueur quand la sanction était juste. Au niveau de la discipline, j´étais un instituteur qui était craint; on peut donc dire qu´il y avait des situations de conflits dans la classe. Quand il y avait un problème: leçon mal apprise, cancre […] j´avait souvent recours aux gifles. Parfois, pour les plus récalcitrants, les sanctions était plus vives. Je me souviens d´un jour où un élève était resté muet au tableau. Ayant perdu patience j´ai pris une bûche à còté du poële, je l´ai mise sur mon bureau j´ai eu tout de même regrets ensuite, j´ai trouvé qui mon attitude était un peu sadique (Senhor S apud DÉBARBIEUX, op.cit., p. 23).

Como se pode ver nesse depoimento, o professor considerava a severidade uma tradição. Logo, normal. Se os alunos conseguissem ver a punição por ele ministrada como algo justo, certamente eles não o julgariam como rigoroso. Ele sabia que despertava temor nos alunos (j´étais craint) e admite que esbofeteava (gifle) alunos se necessário, por lições malfeitas ou por preguiça (cancre). Pode-se imaginar o terror o aluno emudecido (muet) diante do quadro negro (au tableau) sentiu ao vê-lo pegar uma acha de madeira (bûche) da lareira (poële) e colocá-la sobre sua mesa. Enfim, o senhor S reconheceu que em sua atitude foi um “pouco sádico” Mas afirma, em outra parte de seu relato, que tudo isso era possível porque os pais não se envolviam com a educação ministrada pelos professores. Para ele, isso mudou com a liberdade dada aos alunos. No presente, afirma o senhor S, há uma degradação do sistema educativo francês, fato que fez com que a carreira de professor se aniquilasse, fazendo-o detestá-la. Se tivesse que haver alguma mudança no atual estado das coisas, para ele, seria revenir à l´ancienne méthode.

Debarbieux avalia esses exemplos como casos isolados, o que não faz das escolas em si um espaço de tortura (tortionnaire), mas que ajuda a pensar que o recurso à correção “manual” ali admitida, que fazia sentido e dava continuidade à visão «ortopédica » (Foucault, 1975) da infância tendia a desaparecer em proveito de uma visão mais «psicológica» da educação, visão das elites urbanas e das classes médias (DEBARBIEUX, op. cit., p. 23). Na seqüência, afirma o autor que no caso francês a jurisprudência recente (ele se refere a um documento de 1992) reconhece aos professores o direito à correção de seus alunos. Um dossiê “[...] segurança mútua de professores, após diferentes casos de castigos corporais que chegaram nos tribunais”. Conclui:

A jurisprudência é, portanto, constante há um século em matéria de castigos corporais. O poder disciplinar é reconhecido como uma permissão de costume para assegurar a educação dos jovens e crianças e para manter na sala de aula a ordem necessária a essa educação; ele é, assim, justificado pelo interesse coletivo da classe. Entretanto, ele não deve se exercer de forma excessiva e não deve desencadear nenhuma repercussão sobre a saúde da criança, mesmo que se admita que um mestre se exceda pela atitude perturbadora de um aluno e possa ter acesso de cólera que o conduza a dar uma bofetada ou uma tapa “ultrapassando o que é estritamente necessário para exercer sua missão educativa” (DEBARBIEUX, op. cit., p. 23).

Na seqüência de suas análises, Debarbieux introduz o outro lado da moeda. Ou seja, diante desses suplícios, jovens alunos e alunas, em todos os tempos, rebelaram-se, produzindo tensões e mudanças significativas nos modelos de educar, tensões essas que podem ser encontrada nos dias atuais (DEBARBIEUX, op. cit., p. 25-28).

Não se têm dados de pesquisa de como a questão do uso do castigo corporal nas escolas foi sancionada em outros países ou em outras culturas. Há, sim, relatos literários nos quais autores dos séculos XIX e XX descrevem cenas de castigos em estabelecimentos educacionais em internatos ou externatos, incluindo o recolhimento dos jovens em recintos fechados (o que, em linguagem penal, chama-se cárcere privado). Mesmo no caso brasileiro há depoimentos muito semelhantes aos trazidos por Debarbieux em França.

Inácio, Faria, Rosa e Sales (2006), estudando a cultura política, escolarização e as práticas de apropriação em Minas Gerais do século XIX, mostram que a consolidação da “instrução pública”, estabelecida pelo Conselho Geral daquela Província, no período de 1825 a 1835, autorizava punições a alunos que não se adequassem às regras da “civilização”. Essas punições compreendiam o uso da força física caso fosse necessário. Adota-se, segundo esses autores, nas décadas iniciais do século XIX o “método mútuo” como estratégia fundamental para institucionalizar a educação escolar na província. Essa era, pois, a tendência em todo o Brasil. No período pós-independência, o processo de escolarização foi grandemente impulsionado (INACIO et al., p. 89)

Cultivar um povo ordeiro e civilizado. Essa era, de acordo com Inácio et al, a intenção do governo imperial brasileiro que sobressai no discurso daqueles que foram, de certa forma, os baluartes da independência: os bacharéis (op. cit, p. 21). Estes, no caso de Minas, representados por intelectuais e políticos, inspiravam-se em ideais iluministas, e com isso imaginavam consolidar o Estado e a nação sob o império da lei e dos princípios liberais (INACIO et al. op.cit, p. 24). Para aqueles idealistas, dizem esses autores: a instrução

pública era tida como parte fundamental na Constituição de um Estado Nacional brasileiro e de um povo civilizado (idem).

A solução mineira foi, no dizer dos autores citados, implantar uma escola mútua e estabelecer, com clareza, um regime disciplinar. A primeira, a escola mútua, substituiria o