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Forças e Tendências Estruturantes

2. Desenvolvimento da Integração Escolar

2.3. Forças e Tendências Estruturantes

Por volta dos anos 60/70, apesar do crescimento considerável das estruturas de educação especial verificado em muitos países desenvolvidos, continuavam a existir ainda muitas crianças que ficavam à margem da escolaridade obrigatória, ou eram obrigadas a frequentar escolas do ensino especial. Esta prática educativa segregativa sofre inúmeras contestações e o sucesso alcançado pelas experiências de integração em escolas do ensino regular vem exercer uma forte pressão para que as autoridades educativas chamem a si a responsabilidade de garantirem a educação às crianças portadoras de deficiências, de acordo com as suas necessidades.

Para fazer face à pressão sentida, nos últimos anos, e em vários países, têm sido desenvolvidos alguns trabalhos e emitidas novas medidas legislativas e políticas que são marcos importantes de todo o movimento integrativo e que têm influenciado as práticas educativas com crianças portadoras de deficiências de forma a colmatar as suas necessidades e a fomentar a igualdade de oportunidades.

Salientemos dois importantes documentos de que iremos, de seguida, realçar os pontos mais inovadores e marcantes: a PUBLIC LAW 94-142, de 1975, emitida nos Estados Unidos; e o WARNOCK REPORT, de 1978, saído no Reino Unido.

RUIVO (1986/87/88) refere que a legislação americana (P.L. 94-142, 1975) e inglesa (Warnock Report, 1978), no seu entender “duas revoluções silenciosas”, são aquelas que vieram alterar radicalmente a maneira de pensar no domínio da Educação Especial. Os dois textos encerram em si mudanças significativas, quer nas práticas educativas, quer na concepção. Assim, eles assentam nos princípios básicos de que:

a) os pais têm um papel importantíssimo na educação dos seus filhos, pelo que a sua intervenção deve ser sempre solicitada, sem que nenhuma medida educativa dos filhos seja tomada sem que eles participem;

b) toda a criança deve ter um Plano de Ensino Individualizado;

c) a situação educacional da criança deve ser sempre primordialmente procurada num meio escolar o menos restritivo possível, propondo, sempre que desejável, a integração escolar com as outras crianças; d) sendo a criança colocada num programa de ensino especial, a sua

avaliação deve ter sempre o consentimento e a colaboração dos pais.

PUBLIC LAW 94-142

Após uma forte movimentação por parte de grupos de pais que defendiam o acesso e a melhoria da qualidade de ensino e de vida dos seus filhos portadores de deficiência, os Estados Unidos da América viram-se a braços com a necessidade de fazer cumprir os princípios dos direitos humanos, estabelecidos na Constituição Americana, através do poder judicial. Assim, a tendência de um ensino realizado nas escolas de ensino regular para estas crianças culminou com a publicação da célebre Public Law 94-172 com a designação “The Education for Hall Handicapped Children Act”, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos da América em 1975.

TILLEMANS (1983) aponta esta lei como aquela que mudou profundamente nos EUA a educação especial e a educação regular, dado que foi uma «legislação obrigatória que força as autoridades escolares a organizar uma educação apropriada para todas as crianças entre os 3 e os 21 anos», no fundo uma medida planeada para «obrigar as escolas a fazer o que o público, o governo e o poder judicial queriam»168, visto que se pretendia demonstrar que a “paciência” das pessoas tinha chegado ao fim.

Também CORREIA (1997), citando Goodman em 1976, designa a lei de “bombástica” já que “provavelmente será conhecida como a de maior impacto na história da educação”. O mesmo autor, através de Ballard e Zettel (1977), afirma que a lei foi concebida para satisfazer quatro objectivos principais:

«- garantir que os serviços de educação especial sejam colocados à disposição de todas as crianças que deles necessitem;

- assegurar que as decisões sobre a prestação de serviços sejam tomadas de maneira justa e adequada;

- estabelecer uma administração transparente e procedimentos e requisitos de auditoria para a educação especial em todos os níveis de Governo; e

- disponibilizar fundos federais para auxiliar os Estados.»169.

A Public Law 94-142 não pretende a integração de todas as crianças com deficiência, mas parte do princípio de que o “ambiente o menos restritivo possível” é o objectivo principal para a generalidade das crianças. Pretendia-se que todas as crianças tivessem a garantia de uma educação em escolas do ensino regular e sem encargos para a família. A Lei Americana defende, assim, o direito da educação apropriada a cada criança com qualquer tipo de necessidades, promovendo a igualdade de oportunidades educacionais.

Com base em TILLEMANS (1983), os autores RUIVO (1986/87/88) e CORREIA (1997) salientam que as principais componentes da Lei assentam fundamentalmente:

- no direito a uma educação pública gratuita e adequada às necessidades educativas especiais de cada criança, de tal forma que é a escola que tem a iniciativa de detectar as crianças com necessidades;

- na garantia de um processo adequado em todas as fases do processo educativo, como sejam a identificação, a colocação e a avaliação da criança com necessidades educativas especiais;

- no direito a uma avaliação justa, não discriminatória, o que implica a existência de instrumentos apropriados, isto é, administrados na língua materna da criança e culturalmente inseridos no seu mundo;

- no direito dos pais apelarem à autoridade judicial quando as recomendações da Lei não forem observadas, o que permite aos pais, como representantes da criança, a inspecção detalhada de todos os documentos, testes, registos e observações;

- na elaboração de Planos Educativos Individualizados (PEI) obrigatórios para todas as crianças que necessitam de um programa especial. Eles devem ser apresentados por escrito, especificando, detalhadamente, as

necessidades educativas, revistos anualmente, e redigidos conjuntamente por professores, pais e órgãos de gestão da escola;

- no direito à inclusão escolar num meio o menos restritivo possível, pois é aquele que mais se parece com o meio normal e ao mesmo tempo pode satisfazer uma vasta gama de necessidades educativas. Na máxima medida possível a criança deve ser educada junto das crianças normais; - na formação de professores e outros técnicos, através de programas obrigatórios destinados a professores do ensino regular, de educação especial e gestores das escolas, principalmente para aqueles que não possuíam formação suficiente para receber crianças com necessidades educativas especiais;

- no desenvolvimento de materiais adequados para obviar as necessidades educativas das crianças;

- no envolvimento dos pais em todo o processo educativo da criança como seus representantes.

A Public Law 94-142 foi, assim, uma lei que veio revolucionar práticas educativas tradicionais que assentavam em modelos clínicos, para prática educativas que assentam em modelos pedagógico-educativos, e cujo objectivo é proporcionar um ensino adequado às necessidades educativas da criança, de forma a melhorar a sua aprendizagem.

De uma escola de “exclusão” das crianças com problemas, pretende-se agora uma escola de “inclusão”, onde se procura a forma mais apropriada de incluir estas crianças, oferecendo-lhes serviços diferenciados e adequados às suas necessidades educativas. Poderemos afirmar que, com esta lei, a igualdade de oportunidades de acesso à educação das crianças americanas com necessidades educativas especiais é, na actualidade, um direito fundamental.

Em 1990, o Congresso Americano faz algumas modificações à Public Law 94- 142, alterando-lhe o nome para “Individuals With Disabilities Education Act”(IDEA) e acrescentando-lhe mais algumas componentes essenciais, tais como: envolver as escolas activamente na transição do aluno com necessidades educativas especiais para a vida adulta; e substituir o termo “handicap” por “disability”.

WARNOCK REPORT

Com o objectivo de se proceder à análise da situação da Educação Especial em Inglaterra o Departamento de Educação e Ciência britânico encomendou um estudo ao “Warnock Commitee of Enquiry into the Education of Handicapped Children and Young People” cujo relatório foi publicado em 1978 e ficou conhecido por Warnock Repport.

O Comité de Investigação iniciou os estudos em 1974 e pretendia analisar as práticas de ensino utilizadas com as crianças e jovens com deficiências físicas e mentais em Inglaterra, Escócia e País de Gales, tendo em atenção os aspectos médicos das suas necessidades e os meios conducentes à sua preparação para entrar no mundo do trabalho; estimar o uso mais eficaz dos recursos para tais fins; e efectuar recomendações. Os resultados do estudo imprimem uma nova filosofia no domínio da Educação Especial e são determinantes na evolução do movimento integrativo.

Citando GASPAR & PEREIRA (1997) o comité iniciou o seu estudo partindo de:

«uma análise muito rigorosa sobre as práticas de ensino utilizadas em diferentes categorias de deficiência e comparando com os problemas de aprendizagem existentes nas escolas de ensino regular e as estratégias utilizadas para ajudar os alunos a superá-los, os investigadores chegam à conclusão que apenas nos casos de deficiência grave, com incidência reduzida, se encontram desvios significativos nos objectivos pedagógicos prosseguidos.»170.

Identificam, então, uma série de problemas de aprendizagem que são comuns tanto às crianças ditas normais, que frequentam as escolas regulares, como às crianças deficientes envolvidas em programas de educação especial.

WARNOCK (1990), que presidiu ao Comité de investigação, refere que o Comité considerou que, ao longo de todo o período escolar, uma em cada cinco crianças pode apresentar, em algum momento, necessidades educativas que implicam a organização de um processo de ensino aprendizagem adequado. Não significa isto que, uma em cada cinco crianças seja considerada deficiente no sentido tradicional do termo, mas sim, que com ajuda adequada, os problemas educativos poderão ser obviados e não passarão de temporais e que, sem esta ajuda, estes se podem agravar tornando-se em permanentes experiências de fracasso.

O Comité designou de “criança com necessidades educativas especiais” toda aquela que necessita destas ajudas. As necessidades educativas especiais podem adoptar diversas formas: a necessidade da utilização de meios especiais de acesso ao currículo, através de material especial ou técnicas especiais, ou pode ser necessária uma modificação do currículo ou, ainda, a necessidade de dar atenção particular ao clima emocional da sala de aula, ou à estrutura social da mesma.

A autora salienta, ainda, que a forma que adopta uma necessidade educativa de uma criança, pode nada ter a ver com a natureza da deficiência de que ela é portadora e, como tal, o Comité recomenda a abolição da classificação por categorias, visto que a base para a tomada de decisão acerca das práticas educativas para esta criança não deve ser a simples designação da deficiência, mas sim uma descrição pormenorizada das necessidades especiais.

No seguimento desta recomendação, o Comité aponta, também, para a elaboração de um perfil detalhado da criança com necessidades educativas especiais, para que as autoridades educativas locais possam tomar as medidas necessárias à satisfação das necessidades da criança.

Salientaremos, de seguida, as principais características do estudo levado a cabo pelo Comité de investigação sobre a educação das crianças e jovens deficientes, cujo relatório consta do documento designado de Warnock Repport:

- A educação é considerada um bem a que todos têm direito. - Nenhuma criança é considerada ineducável.

- Os fins da educação, são os mesmos para todas as crianças, independentemente das vantagens ou desvantagens das diferentes crianças. Estes fins são, em primeiro lugar, ampliar o conhecimento que a criança tem do mundo em que vive e, em segundo lugar, proporcionar a sua independência e auto-suficiência, de acordo com as suas capacidades e potencialidades, para que esteja apto para o mundo do trabalho e para o controlo da sua própria vida.

- A Educação Especial consiste na satisfação das necessidades educativas especiais das crianças, com o objectivo de se atingirem os fins da educação referidos.

- Sendo os fins da educação comuns a todas as crianças, as necessidades educativas também o são, visto que se definem como o que a criança necessita, individualmente, para ter sucesso educativo.

- Não existirão dois grupos de alunos, os alunos deficientes, que recebem Educação Especial, e alunos não deficientes, que recebem educação, propõe-se, sim, um modelo conceptual, no âmbito da Educação Especial, em que a deficiência passa a ser encarada como um “contínuo” de necessidades educativas especiais, que vai desde a ajuda temporal à adaptação permanente, ou a longo prazo, do currículo normal.

- Estabelece-se, de uma vez por todas, a ideia de que a prática educativa especial, onde quer que se realize, tem um carácter adicional ou suplementar, e não um carácter alternativo, ou paralelo (como acontecia no passado).

- Recomenda-se o abandono da classificação legal dos alunos deficientes, abolindo-se, assim, as características diagnosticas enraizadas no modelo clínico tradicional.

- Recomenda-se a que utilização do termo “dificuldades de aprendizagem”, embora numa concepção mais ampla, possa descrever crianças que necessitam de ajuda especial, de carácter leve ou severo, temporário ou permanente. O termo “inadaptado” reserva-se às crianças que apresentem, essencialmente, dificuldades emocionais ou de comportamento.

- Propõe-se uma nova metodologia de identificação e avaliação das crianças com necessidades educativas especiais, exigindo-se um sistema de registo detalhado das necessidades educativas dos alunos que carecem de práticas educativas especiais.

- Propõe-se uma atribuição de deveres, até então não verificado, às autoridades educativas locais, no que respeita à educação das crianças com necessidades educativas especiais.

- Propõe-se que os pais tenham um papel mais activo na educação dos filhos com necessidades educativas especiais, quer na avaliação, quer nas decisões e, ainda, na operacionalização das medidas preventivas para as suas crianças.

Muitos foram os temas tratados neste estudo, no entanto, e para terminar, iremos focar os considerados pelo Comité enquanto de maior prioridade, quer pela urgência da

sua implementação, quer pelo facto de serem os mais carenciados de atenção nas políticas educativas dos diversos países:

a) - Um novo programa de formação de professores, quer na formação inicial, quer na formação contínua. O Comité recomenda que todos os cursos de formação inicial de professores tenham uma componente de educação especial, com possibilidades de opções para aqueles que pretendam uma especialização posterior e que seja permitido aos professores em exercício uma ampla variedade de cursos com a duração de um ano a tempo completo ou o equivalente a tempo parcial, com qualificação oficialmente reconhecida. Esta prioridade será objecto de estudo mais aprofundado, no ponto da tese referente à Formação de Professores face a crianças com necessidades educativas especiais.

b) - A educação de crianças com necessidades educativas especiais para crianças com idade inferior a 5 anos. O Comité recomenda o aumento do número de escolas maternais, não apenas para crianças com necessidades educativas especiais, como para todas as crianças e, excepcionalmente, algumas unidades ou classes maternais com carácter mais especial para crianças com dificuldades muito graves. Deste modo, é convicção do Comité que a maioria das crianças com necessidades educativas especiais podem iniciar a sua educação junto das outras crianças com a mesma idade e na escola de ensino regular. c) - A educação e ampliação das oportunidades para jovens com

necessidades educativas especiais com mais de 16 anos. O Comité recomenda, a título de exemplo, que será preciso incentivar a educação pós-secundária a estes jovens, pelo que as instituições de educação superior devem tornar públicas as suas políticas de admissão de estudantes deficientes e procurarem atender às suas necessidades, fundamentalmente aquelas que advêm para a orientação profissional. Ainda nesta linha, incentivar a criação de cursos profissionais especiais, ou educação para a atitude social e a independência, cursos a nível regional, ou incluídos em planos mais latos.

Este novo modo de entendimento da integração escolar dos alunos com dificuldades, cujo objectivo é centralizar a intervenção na escola, local onde deve existir um vasto conjunto de recursos educativos disponíveis, foi adoptado em Inglaterra no Education Act, de 1981, e tem sido a referência de base de orientação das políticas educativas sobre educação especial na Comunidade Europeia, influenciando as políticas de integração dos diversos países.

Mais detalhadamente, no ponto em que abordaremos a integração Escolar em Portugal, focaremos também as implicações deste documento na política educativa portuguesa.

2.4. EVOLUÇÃO E CLARIFICAÇÃO DE CONCEITOS: DA CRIANÇA