• Nenhum resultado encontrado

3. IMPERATIVIDADE: UM FENÔMENO COGNITIVO

3.2. A imperatividade como evento metaforicamente estruturado

3.2.1. Forças imperativas: proposta de tipologia

Analisando as construções imperativas de uma perspectiva cognitivista,

constatamos que existe uma razoável regularidade entre elas. No enunciado imperativo,

ao instaurar a condição de satisfação, o antagonista-enunciador imprime certa FORÇA

sobre o antagonista-enunciatário, com vistas a causar, bloquear, permitir ou manter

um MOVIMENTO.

Nessas construções, porém, não analisamos a resultante dessa aplicação de

força, pois, no enunciado imperativo, identificamos uma dinâmica de forças em curso,

inconclusa. Isso porque esses enunciados não são meros relatos sobre uma dinâmica de

forças: eles são a própria força sendo aplicada. Dito de outro modo, o enunciado

imperativo não informar se a força foi suficiente para modificar a tendência do agonista,

uma vez que as construções mesmas são recursos pelos quais se dá a aplicação da força.

Sendo assim, estudando a imperatividade como categoria cognitiva

metaforicamente estruturada, apropriamo-nos parcialmente do trabalho de Talmy

(2000), dada a necessidade de considerar particularidades do fenômeno ora

67 lidamos com dois apenas: a tendência intrínseca do agonista e o tipo de força exercido

pelo antagonista, porque o balanço das forças não integra a semântica desses

enunciados.

Considerando esses fatores, hipotetizamos a atuação de cinco diferentes forças

imperativas: causal, bloqueadora, de permissão e de manutenção, propostas neste

trabalho com base nas dinâmicas de Talmy (ver 2.3.2.1). Vejamos nestes exemplos a

atuação de cada uma delas:

(52) Sorri! Você é rica, vai! (RE, 00:26:58)

(53) Oi, meu filho, não te abate não. (RE, 00:52:23)

(54) Acaba com ela então, depois limpa a bagunça. (TE, 01:27:53) (55) Espera aqui, tá bom? (RE, 00: 17: 47)

Em (52), a condição de satisfação do enunciado é estipulada por uma força que

se choca com a tendência do agonista-enunciatário: entendendo que ESTADOS SÃO

ESPAÇOS e que MUDANÇA É MOVIMENTO, a FORÇA aplicada visa a promover um

MOVIMENTO do agonista, que passaria de um estado de visível seriedade a um outro

de aparente alegria. Por ser uma FORÇA cuja orientação parte do repouso rumo ao

movimento, trata-se de uma força causal.

No exemplo (53), novamente ocorre um choque entre a FORÇA aplicada pelo

antagonista-enunciador e a tendência do agonista-enunciatário: enquanto este tende

ao MOVIMENTO – rumo a um ESTADO de abatimento –, aquele aplica uma FORÇA orientada para impedir que essa tendência se efetive, mantendo-o em repouso – em um ESTADO de não abatimento. Por ser uma FORÇA com orientação contrária à tendência

68 Com o enunciado (54), o líder de um grupo criminoso dá autorização para que

um comparsa violente sexualmente uma jornalista, capturada enquanto os investigava.

Nesse caso, o antagonista-enunciador remove um bloqueio, com vistas a permitir que o

agonista-enunciatário siga sua tendência. Por ser uma FORÇA orientada em favor da

tendência do agonista, trata-se de uma força de permissão.

Por fim, o ato de fala (55) se baseia no pressuposto de que o agonista-

enunciatário poderia alterar sua tendência – no caso, da espera (portanto, repouso) ao movimento –, contra o que intervém o antagonista-enunciador. Por ser uma FORÇA orientada para manter a tendência do agonista, trata-se de uma força de manutenção.

De modo mais esquemático, as construções imperativas manifestam a

semanticização das seguintes forças:

e) o agonista-enunciatário tende ao repouso, porém o antagonista-enunciador aplica-lhe uma força direcionando-o ao movimento (força causal);

f) o agonista-enunciatário tende ao movimento, porém o antagonista- enunciador aplica-lhe uma força direcionando-o ao repouso (força bloqueadora);

g) o antagonista-enunciador remove aplica uma força para que agonista- enunciatário siga sua tendência, ao movimento ou ao repouso (força de permissão);

h) o antagonista-enunciador aplica uma força para que agonista-enunciatário mantenha sua tendência, ao movimento ou ao repouso (força de manutenção).

Retomando o trabalho de Talmy (ver 2.3.2.1), podemos associar cada uma dessas

forças a uma das dinâmicas previstas por ele. Se a condição de satisfação do enunciado

69 dinâmica bloqueio; a força de permissão, a dinâmica permissão; a força de manutenção,

a dinâmica manutenção.

3.2.1.1. Forças imperativas prototípicas: a causação direta

Ainda relacionando forças e dinâmicas, recorremos a Silva, cujo trabalho

distingue os casos em que a dinâmica de forças promove a causação mais direta

(quando ocorre choque) de outros em que a dinâmica perfila uma causação mais

indireta (quando não há choque) – ver 2.3.2.1. Apropriando-nos dessa sua reflexão, podemos dizer que as forças causal e bloqueadora se aproximam da causação mais

direta, já que nesses casos há um choque direto entre a força aplicada pelo antagonista

e tendência do agonista. Nas demais, temos a causação indireta, seja porque a força

está em conformidade com a tendência do agonista (da manutenção), seja porque ela

não recai diretamente sobre ele (caso da permissão, em que a força atua na remoção

do bloqueio).

Considerando nossos dados em termos quantitativos, podemos afirmar que

predominam na imperatividade os casos de causação direta: são 468 ocorrências de um

total de 474 (98,7%). Entre essas, a causação propriamente dita é predominante, com

86,1% das ocorrências – contra 12,6% de aplicações da força bloqueadora.

Os casos de causação indireta, embora integrem o rol das possibilidades

semânticas imperativas, mostraram-se estatisticamente pouco relevantes em nosso

corpus, com apenas uma ocorrência de cada tipo de força – as frases 54 e 55, com que

70 Essa frequência quase nula limita reflexões mais amplas sobre ambas as forças,

mas, ao mesmo tempo, impõe questionamentos: haverá outras estratégias, não

mapeáveis em formas linguísticas, por meio das quais os falantes aplicam forças de

permissão e manutenção sobre seus enunciatários, ou será apenas que, por alguma

razão sociocultural, esses eventos são mesmo mais raros?

Para análises futuras que optem por investigar mais detalhadamente a força de pe iss o,à pa e eà o e ie teà desta a à usosà doà e oà pode .à Noà estudoà o aà apresentado, chegamos a levantar quatro ocorrências em que esse verbo foi usado para

aplicar tal força; no entanto, por privilegiar a causação direta, optamos por não nos ater

mais detidamente sobre tais casos.