• Nenhum resultado encontrado

Na sua vida, foram descobertas muitas fraquezas e coisas sórdidas, mesmo em tempo de guerra 9 Na

No documento Historia Augusta (páginas 155-162)

V ida de L úcio V ero

8. Na sua vida, foram descobertas muitas fraquezas e coisas sórdidas, mesmo em tempo de guerra 9 Na

verdade, enquanto o legado era assassinado38, as legiões

desbaratadas, os Sírios preparavam uma revolta, o oriente era devastado, ele caçava na Apúlia e navegava junto a Corinto e a Atenas, ao som de instrumentos e canções, e demorava-se em cada uma das cidades marítimas da Ásia, da Panfília39 e da Cilícia40, especialmente famosas

pelos seus prazeres.

7. 1. Depois de ter chegado a Antioquia41, ele

próprio entregou-se a uma vida de prazeres, enquanto os generais Estácio Prisco, Avídio Cássio e Márcio Vero terminaram a guerra pártica em um quadriénio, de tal forma que chegaram a Babilónia e à Média e recuperaram a Arménia42. 2. E, assim, adquiriu para si os títulos

de Arménico, Pártico, Médico, que também foram concedidos a Marco, que estava em Roma. 3. Além disso, durante quatro anos43, Vero passou os Invernos

em Laodiceia44, os Verões junto a Dafne45e o resto do

tempo em Antioquia46. 4. Foi objecto de riso de todos

os Sírios, cujos muitos gracejos proferidos contra ele no

38 O autor alude ao legado da Capadócia, que marchou para a

Arménia, na tentativa de suster os Partos.

39 Região da Ásia, perto do mar Egeu. 40 Província romana da Ásia Menor. 41 Capital da Síria.

42 Cf. Marco, 9.1. e 2. 43 Entre 163 d.C e 166 d.C. 44 Cidade da Síria.

45 Antiga cidade anatólica, hoje identificada com Harbiye

(Turquia).

teatro subsistem ainda hoje. 5. Durante as Saturnais47 e

nos dias festivos, admitiu sempre no triclínio os escravos nascidos em casa.

6. Partiu, contudo, pela segunda vez48, para a região

do Eufrates, por solicitação dos seus oficiais. 7. Regressou também a Éfeso para receber a sua esposa Lucila, enviada por Marco49, seu pai, e, sobretudo, para que Marco a

não acompanhasse até à Síria e se apercebesse da sua depravação. Na verdade, Marco informara o senado de que acompanharia a sua filha até à Síria. 8. Terminada por completo a guerra50, concedeu reinos a reis-clientes e

províncias a oficiais seus para que as governassem. 9. Daí partiu para Roma para o triunfo51, contrariado, porque

deixava a Síria, um reino que considerava como que seu, e celebrou o triunfo juntamente com o irmão, tendo recebido do senado os títulos que tinha adquirido no exército52.

10. Diz-se, além disso, que, na Síria, cortou a barba, de acordo com a vontade de uma amante de baixa condição53; de onde resultou que muitas coisas

tenham sido ditas em desfavor dele pelos Sírios.

8. 1. Segundo parece, foi apanágio do seu destino o ter levado a peste consigo àquelas províncias pelas quais

47 Festas em honra de Saturno. Inicialmente celebravam-se a

17 de Dezembro. Durante o Império, prolongavam-se já durante uma semana.

48 Preferimos, neste passo, a edição de E. Hohl, 1965. 49 Cf. Marco, 9.4.

50 Em 166 d.C. 51 Cf. Marco 12.8.

52 Os títulos foram os de «Arménico», «Pártico» e Médico». 53 Provavelmente Pântea de Esmirna, citada por Marco Aurélio

passou a caminho de Roma54. 2. Diz-se também que

a peste teve origem em Babilónia, quando, no templo de Apolo, um sopro pestilento saiu de uma arquinha dourada, que um soldado tinha acidentalmente aberto, e que dali se espalhara aos Partos e ao orbe. 3. Mas isto não aconteceu por culpa de Vero, mas de Cássio, que, contra a garantia dada, tomou de assalto Selêucia, que recebera os nossos soldados como amigos. 4. Entre outros, também Quadrato55, historiador da

guerra pártica, justifica este acontecimento, ao culpar os Seleucenses de terem sido os primeiros a romper o acordo.

5. Vero teve, para com Marco, a seguinte deferência: partilhou com o irmão, no dia do triunfo que celebraram em conjunto, os títulos que lhe tinham sido conferidos. 6. Depois de regressar da guerra pártica, Vero demonstrou menor respeito pelo irmão; na verdade, não só foi complacente com os libertos de forma bastante vergonhosa, como também decidiu muitas coisas sem o irmão. 7. A isto acresce que, tal como se trouxesse alguns reis para o triunfo, assim trouxe da Síria actores, dos quais Maximino, a quem deu o nome de Páris, foi o que mais se destacou. 8. Além disso, construiu uma casa de campo, na via Clódia, que ficou famosíssima, na qual também ele próprio, durante muitos dias, se entregou, com enorme luxúria, a uma devassidão sem limites, com os seus libertos e amigos de condição inferior, de cuja

54 Cf. Marco, 13.3.

55 Ânio Quadrato, historiador romano, autor de uma história

da guerra contra os Partos e de uma história de Roma, desde a sua fundação até ao tempo de Severo.

presença não tinha qualquer vergonha, 9. Até convidou Marco, que compareceu, para mostrar ao irmão que a venerável pureza dos seus costumes devia ser imitada e, habitando durante cinco dias a mesma casa, entregou-se ininterruptamente ao estudo de processos, enquanto o irmão se banqueteava ou preparava banquetes. 10. Manteve também o actor Agripo, cujo cognome era Mênfio, que também tinha trazido da Síria, como se se tratasse de um troféu pártico, e a quem chamou Apolausto56. 11. Tinha trazido consigo não só liristas,

e flautistas, e actores, e pantomimos-farsistas57, e

prestidigitadores, como todos os géneros de escravos em cujo prazer se apascentam Alexandria e a Síria; em resumo, parecia que tinha concluído não a guerra pártica, mas uma guerra de comediantes.

9. 1. E mais do que a manifesta verdade indicava, um falso rumor tinha semeado a ideia de que esta diferença de vida, bem como muitas outras coisas, causaram dissensões entre Marco e Vero. 2. Todavia, o caso mais importante foi o seguinte: como Marco tivesse enviado como legado para a Síria um certo Libão58, seu primo

paterno, e este tivesse um comportamento mais insolente do que o próprio de um senador respeitável, afirmando que escreveria ao seu primo se, por ventura, tivesse alguma dúvida, Vero, que estava presente, não o pôde tolerar; e, tendo Libão morrido de uma doença súbita,

56 Palavra formada a partir do grego e que explora o sentido de

«alguém que dá prazer».

57 Scurra designa um actor amador ou um bobo, cuja

concorrência era geralmente alvo de crítica pelos profissionais.

com sintomas semelhantes aos de um envenenamento, pareceu a alguns, embora não a Marco, que tinha sido morto por uma maquinação de Vero. Este acontecimento aumentou o rumor das suas dissensões.

3. Os libertos tiveram muito poder junto de Vero, como dissemos na vida de Marco59, sobretudo Gémina

e Agaclito, a quem Vero, contra a vontade de Marco, deu em casamento a mulher de Libão. 4. Quando, por fim, o casamento foi celebrado por Vero, Marco não esteve presente no banquete. 5. Manteve também outros libertos desonestos como Cedes, Eclecto e os restantes, 6. dos quais Marco, depois da morte de Vero, se desfez na totalidade, simulando que os honrava, tendo conservado junto a si Eclecto, que, mais tarde, assassinou60 o seu filho Cómodo.

7. Partiram juntos para a guerra germânica61,

porque Marco não queria nem enviar Lúcio à guerra sem ele, nem deixá-lo em Roma por causa dos seus excessos; e chegaram a Aquileia62 e, contra a vontade de Lúcio,

atravessaram os Alpes; 8. em Aquileia, enquanto Vero se dedicava apenas à caça e aos banquetes, Marco, por seu turno, planeava todas as coisas. 9. Sobre esta guerra, foi longamente discutido na Vida de Marco63 o que foi feito

pelos embaixadores dos bárbaros, que pediam a paz, e o que foi feito pelos nossos generais.

59 Cf. Marco, 15.2.

60 A historiografia não comprova a identificação deste liberto

com o assassino de Cómodo.

61 No ano de 166 d.C.

62 Cidade da Ístria (actual Croácia). Cf. Marco, 14. 63 Cf. Marco 14. 3 e 14.4.

10. Entretanto, depois de concluída a guerra na Panónia, regressaram a Aquileia por insistência de Lúcio; e porque Lúcio sentia falta dos prazeres da cidade, apressaram-se a regressar a Roma. 11. Contudo, não longe de Altino64, Lúcio foi atacado, na carruagem, por

uma doença repentina, a que chamam apoplexia; retirado da carruagem e feita uma sangria, foi levado para Altino, e, depois de ter sobrevivido três dias sem pronunciar qualquer palavra, morreu em Altino65.

10. 1. Correu o rumor de que tinha cometido incesto até com a sogra Faustina. E diz-se que foi morto por maquinação da sogra Faustina por meio de umas ostras salpicadas com veneno, por causa de ter contado à filha a relação que tinha mantido com a mãe 2. – embora haja também aquela história, que foi narrada na Vida de

Marco66, que não é coerente com a vida de um homem de

tal natureza. 3. Além disso, muitos atribuem também o crime da sua morte à sua mulher e pela razão de que Vero se demonstrava demasiado complacente com Fábia, cujo poder a sua mulher Lucila não conseguia tolerar. 4. Na verdade, houve tanta intimidade entre Lúcio e a sua irmã Fábia que o rumor também se apoderou da ideia de que conceberam um plano para pôr termo à vida de Marco;

5. e, como o plano tivesse sido revelado a Marco pelo liberto Agaclito, Faustina antecipou-se a Lúcio para evitar que Lúcio se antecipasse.

6. Foi belo de corpo, agradável de rosto, de barba comprida quase ao estilo bárbaro, alto, e a sua

64 Cidade da Venécia. 65 Em 169 d.C. 66 Cf. Marco, 15.5.

fronte mais saliente sobre as sobrancelhas dava-lhe um ar respeitável. 7. Diz-se que tinha um cuidado tão grande com o cabelo loiro que aspergia a cabeça com pó dourado, para que a sua cabeleira, iluminada, parecesse mais loira. 8. Foi bastante inábil de palavra e apaixonadíssimo por jogos de dados, de vida sempre extravagante e, em muitos aspectos, um Nero, excepto no tocante à crueldade e aos fingimentos. 9. Teve, entre outros objectos de luxo, um copo de cristal de nome

Alado, escolhido a partir do nome daquele cavalo que

amou, que excedia a medida de uma bebida humana. 11. 1. Viveu quarenta e dois anos67. Governou,

com o irmão, onze anos68. O seu corpo foi sepultado

no sepulcro de Adriano, no qual também César, seu pai natural, foi tumulado.

2. É conhecida a história69, que a vida de Marco

não sustenta, de que este terá oferecido a Vero uma parte de um ventre de porca, contaminada com veneno, depois de a ter cortado com uma faca envenenada de um dos lados. 3. Mas é ilícito pensar tal coisa de Marco, apesar de que, quer os pensamentos, quer as acções de Vero o merecessem. 11.4. Nós não deixaremos esta história por decidir, mas, rejeitamo-la, na sua totalidade, depois de a expurgarmos e de a refutarmos, uma vez que, até hoje, depois de Marco, com excepção da vossa clemência, Diocleciano Augusto, nem a adulação parece ter podido conceber um imperador como ele.

67 Vero viveu 39 anos (130 d.C. - 169 d.C.)

68 Marco governou, na verdade, entre 161 d.C. e 169 d.C. 69 Cf. Marco 15.5.

No documento Historia Augusta (páginas 155-162)