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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 FORAMINÍFEROS: ASPECTOS BIOLÓGICOS E APLICAÇ!ES COMO INDICADORES OCEANOGRÁFICOS

Segundo revisão taxonômica de Sen Gupta (2003), os foraminíferos pertencem ao Reino PROTOCTISTO, Filo GRANULORETICULOSA e Classe FORAMINIFERA. É interessante ressaltar que a taxonomia dos foraminíferos está em constante estruturação, com novas propostas aparecendo continuamente pelo mundo (SEN GUPTA, op. cit.).

Os foraminíferos são organismos unicelulares, encontrados na coluna d’água (planctônicos) e nos sedimentos marinhos (bentônicos), podendo representar mais de 50% da biomassa de diversos ecossistemas marinhos do planeta (DEBENAY et al., 1996; ARMSTRONG & BRASIER, 2005). As diversas espécies existentes são geralmente descritas e reconhecidas a partir composição mineral e estrutura da testa, do arranjo das câmaras, do local e formato da abertura (MURRAY, 2006). Complementando, a testa do foraminífero pode ser definida como uma carapaça que separa o seu interior do meio, a composição da testa pode ser orgânica (não mineralizada), aglutinante, de carbonato de cálcio (carbonática) ou de silicato, sendo que este último tipo é extremamente raro (SEN GUPTA, 2003). A testa orgânica é uma membrana flexível transparente que serve de proteção para a célula, enquanto os dois outros tipos mais comuns, aglutinante e carbonática, apresentam uma segunda camada de composição mineral acima da orgânica. As testas de tipo aglutinante são compostas de grãos de sedimentos cimentados pela secreção da própria célula e as cabonáticas são compostas predominantemente por calcita (DEBENAY et al., 1996). Pode também ser lembrada a dominância dos foraminíferos carbonáticos na totalidade das espécies conhecidas até hoje (SEN GUPTA, 2003; ARMSTRONG & BRASIER, 2005). Por fim, os foraminíferos carbonáticos são também subdivididos em dois grandes grupos: os hialinos e os porcelanáceos. Eles se diferenciam pelo arranjo dos cristais de calcita e pela porosidade das testas, resultando numa aparência transparente no caso dos hialinos e opaca no caso dos porcelanáceos (DEBENAY et al., 1996).

Os primeiros estudos associados aos foraminíferos datam do século XIX e desde então vem sendo estudadas as associações entre os habitats e as espécies identificadas. A aplicação científica mais conhecida dos foraminíferos inicialmente foi na indústria petrolífera, permitindo a identificação de fácies bioestratigráficas associadas à reservas naturais de combustíveis fósseis. (SCOTT et al., 2001). Tais estudos incentivaram também o avanço do conhecimento sobre a ecologia recente das espécies que compõem este grupo,

sendo este hoje também amplamente utilizado no diagnóstico e monitoramento ambiental. Sendo assim, os foraminíferos são geralmente mais estudados por serem bons indicadores do meio no qual vivem do que pelas características biológicas que os descrevem (MURRAY, 2006). Consequentemente, o conhecimento já existente permite obter uma descrição ecossistêmica relativamente bem detalhada a partir da análise do padrão de distribuição espacial dos foraminíferos.

A grande aplicabilidade dos foraminíferos é principalmente devida à possibilidade da testa se tornar um fóssil após a morte da célula (MURRAY, 2006). Sendo tal aspecto do grupo responsável pela alta taxa de acumulação de testas nos sedimentos antigos e recentes, acarretando no reconhecimento destes microfósseis como indicadores sedimentológicos pela comunidade cientifica. Ao longo dos processos tafonômicos, as testas sofrem diferentes modificações em resposta as características do depósito. Uma destas respostas é chamada de piritização, caracterizada pela incrustação de minerais de ferro (associados sobretudo a pirita - FeS2) e que induzem o surgimento de manchas escuras na testa. Este fenômeno é comum em ambientes redutores, com baixos teores em oxigênio, associados a áreas poluídas ou anaeróbicas (SEN GUPTA, 2003). Alguns estudos apresentam resultados incluindo informações sobre testas piritizadas, visando reconhecer estes ambientes (MARTINS et al., 2007; RUDORFF, 2008; MELLO NICOLA, 2013). Foraminíferos piritizados podem também ser encontrados em áreas de alta hidrodinâmica pela remobilização de sedimentos superficiais e exposição de testas em diferentes estágios tafonômicos.

Além da volumosa deposição das testas após à morte dos foraminíferos, o seu tamanho microscópico permite encontrar altas concentrações das mesmas em pequenas amostras de sedimento marinho (SCOTT et al., 2001), podendo atingir mais de 50.000 testas em 50cm3 (CHATELÊT & DEBENAY, 2004). Esta característica se traduz, também, em um custo relativamente baixo para a coleta de amostras, pois pouca quantidade de sedimento é necessária para obtenção de resultados estatisticamente significativos (SCOTT et al., 2001).

A curta duração da vida dos foraminíferos representa também uma vantagem para os estudos associados a uma escala temporal relativamente precisa, já que eles vivem entre algumas semanas até alguns anos (MURRAY, 2006). Seu ciclo de vida é caracterizado pela alternância de reproduções assexuadas e sexuadas entre as gerações, chamado ciclo heterofásico. A reprodução ainda não é bem conhecida pela comunidade científica e é considerada muito complexa (DEBENAY et al.,1996).

Segundo Boltovskoy (1980), os principais fatores ambientais que afetam a distribuição espacial dos foraminíferos são a salinidade, a temperatura, a

profundidade e as massas d’água presentes. Numerosos estudos posteriores acrescentaram prováveis associações entre teor de oxigênio, substrato do fundo, nutrientes, poluentes, influência de marés, composição florística, fluxo de matéria orgânica, por exemplo (VAN DER ZWAAN et al.,1990; JORISSEN et al., 1992; HAYWARD et al., 1996; DEBENAY et al., 2001; MENDES et al., 2004; MURRAY, 2006; EICHLER et al., 2008; MOJTAHID

et al., 2009; NARAYAN & PANDOLFI, 2010; FERRARO et al., 2012). Estas

relações entre o bioindicador e as suas principais influências continuam sendo discutidas e estudos frequentemente apontam resultados contraditórios, principalmente em áreas de plataforma costeira (ALVE, 1995; VAN DER ZWAAN et al., 1999; CHATELÊT et al., 2009; TEODORO et al., 2010).

Van der Zwaan et al. (op. cit.) apontam o caráter limitante do oxigênio, que na maioria dos estudos domina sobre os teores de matéria orgânica total (MOT), que são também muito influentes. Concentrações elevadas de MOT são geralmente encontradas em sedimentos lamosos, o que pode induzir correlações importantes com a granulometria. Considerando que os teores de oxigênio e de MOT variam com a profundidade, e acompanham a hidrodinâmica das massas d´água, correlações podem mais uma vez ser vistas entre estes parâmetros. Os nutrientes também são associados as massas d’água (EICHLER et al., 2008). Uma cadeia de relações pode então ser responsável pela distribuição dos foraminíferos, relembrando que todos os fatores influentes atuam de maneira interligada.

A dinâmica das zonas costeiras amplia esta complexidade, frequentemente acrescentada das influências antrópicas (CHATELÊT et al.,

op. cit.; TEODORO et al., op. cit.). Diferentes interpretações podem surgir

diante destas relações. Por exemplo, Murray (2001) recomenda observar o parâmetro com maior variação na área para entender a distribuição espacial de foraminíferos.

Alguns conhecimentos gerais já estão bem estabelecidos em relação à distribuição espacial das diferentes espécies de foraminíferos em todos os oceanos. Por exemplo, Sen Gupta (2003) aponta a relação importante que existe com a batimetria, lembrando que há variações entre a plataforma interna, média, externa, o talude continental e a planície abissal. Segundo este mesmo autor, uma compartimentação latitudinal também existe, principalmente ao longo das diferentes plataformas continentais, o que foi estudado no Brasil por Eichler et al. (2012). Espécies endêmicas são muito frequentes, dando assim oportunidade para uma associação espacial ainda mais definida (SEN GUPTA,

op. cit.).

Qualquer uma destas abordagens pode se enquadrar também em estudos de paleoecologia (ou paleoceanografia), tais como as pesquisas referentes às

variações do nível do mar (NAGAI et al., 2009; ROSSI et al., 2011; LEORRI

et al., 2011; KEMP et al., 2012).

Alguns parâmetros influenciam também a presença de certos tipos de testas. Por exemplo, em grandes profundidades (>3000m) onde o carbonato de cálcio (CaCO3) se dissolve ou em ambientes com baixas salinidades, como lagunas, testas aglutinantes dominam (ARMSTRONG & BRASIER, 2005). As testas carbonáticas podem dominar em ambientes de diversos tipos, tais como plataforma continental, manguezais, ambientes profundos, áreas com alta hidrodinâmica ou ambientes poluídos, etc., precisando de uma análise a nível específico, em alguns casos, para estabelecer relações com o meio (SCOTT et

al., 2001).

Contudo, é importante ressaltar que apesar da identificação das espécies de foraminíferos colaborar com a melhor compreensão dos ambientes marinhos, a classificação taxonômica deste grupo nem sempre é consenso entre os trabalhos publicados. A referência taxonômica atual reconhecida pelos foraminiferólogos é a classificação de Loeblich e Tappan de 1987 (SEN GUPTA, 2003), que pode ser complementada por outras publicações tal como o Atlas de Boltovskoy (1980) ou o catálogo de Ellis & Messina (1940). Porém, novos resultados podem ser integrados para obtenção de identificações mais atualizadas (MURRAY, 2006). Esta agregação de informações se traduz em alguns problemas de padronização na determinação da nomenclatura das espécies.

Apesar das dúvidas decorrentes da constante atualização do conhecimento sobre foraminíferos, a sua utilidade nos estudos ambientais está comprovada. A diversidade das espécies, derivada da adaptação a diferentes fatores ambientais assim como suas distribuições cosmopolitas representam para os pesquisadores uma grande vantagem, permitindo a criação de referências ecossistêmicas que podem ser compartilhadas internacionalmente. O simpósio internacional FORAMS ocorre a cada quatro anos para apresentar os diversos avanços sobre este tema especificamente.