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III. O MUNDO DO TRABALHO

3.1 O mundo do trabalho antes de 1970

3.1.5 Fordismo Keynesianismo

Mas o fordismo também pode ser compreendido de um ponto de vista mais abrangente como um arranjo dentro do processo de produção capitalista. A produção aumentada exige uma demanda correspondente, ou seja, a produção em massa significa um consumo em massa. Vejamos o ponto de vista de David Harvey sobre Ford e o Fordismo. Para ele,

o que havia de especial em Ford (e que em última análise distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência de trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, modernista e populista (HARVEY, 2008, p. 121).

Segundo Harvey (2008), o líder comunista Gramsci duas décadas depois chegou às mesmas implicações de Ford. Em seus “Cadernos do Cárcere”, falando sobre o Americanismo e o Fordismo, ele diz que representam o “maior esforço coletivo até para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem” (HARVEY, 2008, p. 121).

Os novos métodos de trabalho “são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida” (HARVEY, 2008, p. 121).

O biógrafo de Henry Ford afirma que a intenção de Ford aumentando os salários em 1914 não era somente obrigar o trabalhador a aceitar os novos métodos de produção, mas também aumentar a renda deste para que ele pudesse comprar um veículo de sua própria produção. Em 1916, Ford mandou assistentes sociais na casa de seus trabalhadores para ver de que modo viviam e gastavam a renda para saber se seus hábitos eram compatíveis com as necessidades e expectativas da corporação. A crença de Ford no poder de regulamentação da economia como um todo era tanta que ele aumentou o salário de seus empregados no começo da Grande Depressão na esperança de que isso aumentasse a demanda efetiva e recuperasse o mercado. Mas a concorrência se mostrou mais forte mesmo para Ford que acabou sendo obrigado a demitir trabalhadores e cortar salários. O New Deal de Roosevelt, para salvar o capitalismo, fez através da intervenção do Estado o que Ford tentou fazer sozinho.

O Fordismo pode ser interpretado como um arranjo do modo de produção capitalista entre os trabalhadores organizados, o grande capital e o Estado para resolver a questão criada pela produção em massa. Essa forma de compreensão do Fordismo, de uma maneira mais

abrangente utilizada por David Harvey, está baseada nos argumentos da “Escola da Regulamentação”. Para essa abordagem existe um regime de acumulação dentro do sistema capitalista e um modo de regulamentação social e política a ele associado. Um regime de acumulação:

descreve a estabilização por um longo período, da alocação entre o produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de reprodução de assalariados (HARVEY, 2008, p. 122).

Um sistema de acumulação pode existir porque seu esquema de reprodução é coerente.

O problema é fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos: capitalistas, trabalhadores, funcionários públicos, financistas, enfim todos os agentes políticos econômicos, assumirem uma forma que mantenha o regime de acumulação funcionando. Para tal teria de haver,

uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação (LIPIETZ apud HARVEY, 2008, p. 117).

Dentro desta ótica, David Harvey descreve o Fordismo como um regime de acumulação de capital e conta a história de sua implantação geral. O início estaria marcado pelo ano de 1914 em que Ford estabeleceu o dia de 8 horas e cinco dólares como pagamento aos trabalhadores da linha de montagem de seus automóveis.

Para Harvey (2008), o Fordismo teve dois grandes obstáculos para se configurar como regime de acumulação do capital plenamente acabado no período entre guerras. O primeiro deles se refere ao estado das relações de classe no mundo capitalista, os trabalhadores não estavam dispostos a colaborar com uma forma de organização da produção que implicava uma rotina de trabalho parcelado, com pouca participação das habilidades manuais tradicionais e sem controle sobre o processo de trabalho. O segundo impedimento importante foi a concepção do papel do Estado na economia. Somente depois da forte depressão dos anos 1930 e do quase colapso do capitalismo é que foi possível através da aplicação das teorias de Keynes, a mudança do papel do Estado.

A implantação acabada do Fordismo só foi se dar depois do pós–guerra e representou a base de um longo período de expansão que se manteve até os anos 1970. Nesse período, o capitalismo cresceu a taxas elevadas nos países capitalistas mais adiantados, o padrão de vida se elevou, as tendências de crise foram controladas e o capitalismo se dedicou a um surto de

expansões internacionalistas de alcance mundial. O Fordismo se associou ao Keynesianismo, que propõe a intervenção do Estado na economia para estabilizar a questão da demanda efetiva, afastando a depressão e os perigos do nacionalismo e das soluções socialistas.

Segundo David Harvey (2008),

o equilíbrio de poder, tenso mas mesmo assim firme, que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-estado e que formou a base de poder da expansão de pós-guerra, não foi alcançado por acaso mas resultou de anos de luta (p. 125).

Os sindicatos, em troca da colaboração com os métodos fordista e taylorista de produção, teriam direito à negociação coletiva da salários. Havia o reconhecimento de que os salários eram uma parte importante da resolução do problema da demanda efetiva. Os sindicatos conseguiram influência política para assegurar benefícios sociais, seguro social, salários mínimos, previdência. Tudo isso em troca da cooperação na disciplinação dos trabalhadores de acordo com o sistema fordista de produção. O Estado também vigiava os sindicatos contra a infiltração comunista.

O grande capital corporativo assegurava o crescimento sustentado de investimentos que aumentavam a produtividade, elevavam o padrão de vida, enquanto mantinha uma base estável para a realização de lucros. Para isso investia em mudança tecnológica, em capital fixo, melhoria na capacidade administrativa da produção, e no marketing em mobilização de economias de escala através da padronização de produtos.

Cabia ao Estado, por sua vez assumir uma variedade de obrigações. Na medida em que a produção em massa envolvia pesados investimentos em capital fixo, requeria condições estáveis para ser lucrativa. O Estado se esforça através do keynesianismo para controlar a demanda efetiva, controlando os ciclos econômicos através de política monetária e fiscal. O Estado investe em transportes, energia e infraestrutura, elementos vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também garante o pleno emprego da economia. O Estado também vai gastar em seguridade social, assistência médica, educação, habitação, complementando o salário do trabalhador. Além disso, o Estado exerce poder direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção.

O Fordismo do pós guerra tem que ser visto menos como um sistema de produção em massa do que como um modo de vida total. “Produção em massa significa padronização do produto e consumo de massa, o que implicava toda uma nova estética” (HARVEY, 2008, p.

131). Conforme Harvey (2008) aponta, o Fordismo se apoiou e, ao mesmo tempo, contribuiu

para a estética do modernismo particularmente na tendência deste para a funcionalidade e para a eficiência. Esse sistema funcionou como um círculo virtuoso onde aumentava a produção e aumentavam os salários e os lucros, fazendo prosperar o capitalismo. Isso aconteceu até o início da década de 1970. Os anos entre o pós-guerra e o início dos anos 1970 já foram chamados “o período de ouro do capitalismo”. As coisas vão se modificar a partir deste período.

3.2. O mundo do trabalho antes de 1970