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A FORM AL E SUBSTANCIAL PO LÍTICA LEGISLATIVA DE INGERÊNCIA DA UNIÃO NA AUTONOMIA M UNICIPAL

No documento Autonomia municipal (páginas 68-72)

87 ALMEIDA, op cit., p 121.

2.2 A FORM AL E SUBSTANCIAL PO LÍTICA LEGISLATIVA DE INGERÊNCIA DA UNIÃO NA AUTONOMIA M UNICIPAL

O princípio federativo, como instituído pela Constituição, impõe a observância da repartição de competências estipulada pela Magna Carta para a elaboração das normas infra-constitucionais, sob pena de acarretar uma produção legislativa eivada de inconstitucionalidade formal, pela ilegalidade.

Mas este princípio está sofrendo significativas violações por parte da União em relação aos Municípios, atingindo para além de um aspecto meramente formal, uma inconstitucionalidade substancial por violação de direitos fundamentais consagrados na Constituição, resultando em normas inconstitucionais, ilegítimas e ilegais.

Como demonstrado no Capítulo 1, o Município possui competência delimitada pela Constituição em cumprimento à repartição de competências decorrentes da adoção do sistema federativo, nos termos dos arts. Io e 18 da Constituição Federal.

Sendo fixada por norma constitucional que tem por cerne um dos princípios diretores da República Brasileira, o federativo, não poderiam normas federais imiscuírem-se na seara de competência reservada, em nível

constitucional, ao Município. Mas, utilizando o argumento teleológico de disciplinar as ações dos entes federados, a União vem promovendo sistemáticas violações deste princípio.

Relegando a um segundo plano o mandamento constitucional que impõe o respeito ao interesse local como determinante da competência do Município, bem como a diretriz que fixa para as normas previstas na legislação concorrente tão somente a possibilidade de fixar as regras gerais, verifica-se, por parte da União, uma expansão e um detalhamento legislativo que impede a normatizaçao por parte dos outros entes que compõem a federação

Com isto, a União sufoca a possibilidade de existência de uma legislação pluralista e adaptada às especificidades de cada localidade de um país com as dimensões do Brasil, dando contornos centralizadores para um Estado Federal.

A lógica nefasta desta ação centralista tenta impor como elemento justificador para esta ingerência nos Municípios uma idéia de moralização da gestão municipal, quando na realidade a lógica que ela serve é a do merçado. O governo federal, apesar de se auto-intitular social democrata, tem um perfil conservador que segue todos os mandamentos ditados pelo modelo econômico neoliberal como demonstra os termos do último acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional - FMI.

Paulo Bonavides ressalta os perigos da globalização política neoliberal:

"A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. Mas nem por isso deixa de fazer perceptível um desígnio de perpetuidade do status quo de dominação.

Há contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa

aos povos de periferia.

Globalizar os direitos humanos fundamentais eqüivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim

aufere humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de último, poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir. ”152

Para Gilmar Antônio Bedin, o neoliberalismo surge com a crise dos anos 70 e consolida-se com as mudanças dos anos 80, caracterizando-se não pela oposição aos direitos do homem por serem abstratos demais, como fez a direita tradicional, mas por exigirem a intervenção do Estado no mercado para garanti- los.

O autor analisa a base teórica do neoliberalismo através das obras de Friedrich August von Hayek, destacando quatro pontos centrais desta teoria: 1) a prevalência de uma concepção racional evolucionista da sociedade, entendida esta como resultado da ação humana, mas não dos desígnios dos homens, 2) a idéia de que as instituições sociais, através do tempo, vão construindo, de forma infra- sistêmica, uma ordem espontânea, de mercado, que deve ser respeitada; 3) diferenciação entre legislação e direito, sendo este considerado norma de conduta justa e aquela de organização, devendo prevalecer o direito (privado) sobre a legislação (direito público); 4) justiça concebida sob o aspecto formal, sendo a justiça social incompatível com a ordem do mercado pois exigiria a intervenção

do Estado na economia, com a destruição deste. 153

Friedrich August von Hayek sustenta a relevância da luta pela plena liberdade de mercado como necessária e até mesmo imprescindível para a liberdade humana, associando a intervenção do Estado na economia ao surgimento dos regimes totalitários fascistas e nazistas. 154

Para o autor “a manutenção da concorrência tampouco é incompatível com um amplo sistema de serviços sociais - desde que a organização de tais

152 BONAVIDES, 2001, p. 524.

153 Sobre o tema Neoliberalismo, surgimento e bases teóricas, consultar BEDIN, op. cit., p. 81-

102.

154 HAYEK, Friedrich August von. O caminho da servidão. 5 ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

serviços não torne ineficaz a concorrência em vastos setores da vida econômica. ”15S

Por estar calcado em uma concepção de justiça formal e não social, o neoliberalismo busca uma legitimação do Direito pela eficácia econômica e não com fundamento nos princípios e normas estabelecidos na Constituição. Sérgio Cademartori denuncia esta tentativa de legitimação pelo viés econômico:

“(..) se constata hoje um processo de colonização do discurso jurídico por um outro discurso de corte economicista, o qual impõe uma subordinação dos direitos individuais e coletivos à eficácia de planos econômicos, promovida por governos que têm como padrão de legitimação a eficácia do domínio econômico. No nível jurídico, verifica-se que esta legitimação pela eficácia tem como reflexo a coonestação de normas inconstitucionais, dando como válidas as normas que implementam a eficácia dos referidos programas de intervenção econômico- financeira. ”156

Este fenômeno infelizmente não é exclusivo do Estado Brasileiro. A globalização tem sido vista apenas sob o prisma econômico, em que a ênfase é dada a uma economia de mercado, relegando-se a um segundo plano as perspectivas que surgem da globalização como difusora dos direitos fundamentais157, colocando em risco as conquistas sociais construídas desde o Século XVIII.

Carmén Lúcia Antunes Rocha alerta neste sentido:

“As conquistas dos dois últimos séculos foram exatamente pela jurisdicização de matérias que importassem interesses sociais, de tal modo não ficassem eles em desvalia diante da força do mercado, do laissez faire, laissez passer que 155 HAYEK, idem, p. 59.

156 CADEMARTORI, op. cit., p. 12.

157 Neste sentido ver VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.

le monde va de lui même, fase do império da não-lei e da desumanização das relações entre homens, alguns, como no dizer de ROUSSEA U, tão ricos que podem o outro comprar, e esse, tão miserável, que pode se vender. ”

(...)

O retorno do liberalismo voraz não se bastou na proposta do laissez faire. Desde a década de 80, o que se tem é um tentativa do império do dinheiro de debastar todas as conquistas e voltar ao comércio de coisas e de homens. ”

Para Gilmar Antônio Bedin, "o neoliberalismo representa seja como proposta teórica seja como experiência concreta, uma grande ameaça aos direitos do homem, em especial aos direitos econômicos e sociais, pois reivindica e conduz a uma concepção de direitos do homem típica do período histórico que chamamos pejorativamente de capitalismo neolítico.”159

Mas, se nos países desenvolvidos verifica-se uma reação por parte da população a esta tentativa de fazer com que as regras de mercado suplantem as regras jurídicas garantidoras dos direitos fundamentais160, no Brasil, salvo manifestações como o Fórum Social Mundial ocorrido em Porto Alegre no primeiro semestre de 2001, impera uma passividade da sociedade na defesa de seus direitos, possivelmente fruto dos anos de repressão da ditadura militar conjugados com as justificativas utilizadas pela União quando edita tais leis que mascaram a afronta a estes direitos, arvorando-se como guardiã da moralidade.

158 ROCHA, 1999, P. 39.

No documento Autonomia municipal (páginas 68-72)