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3 DE JOSÉ VICENTE TÁVORA À DOM TÁVORA

3.2 Formação Clerical de José Vicente Távora

O Seminário Menor de Nazaré da Mata foi a primeira experiência oficial de José Vicente, sob a hierarquia católica, embora, já fosse coroinha da Igreja de Nossa Senhora da Conceição49 desde pequeno (PEDROSO, 2011). Esta aproximação de seus pais com a Igreja, como anteriormente indicado, o habitus católico introjetado pela prática católica familiar e esta vinculação aos trabalhos na Matriz, contribuíram para formar o habitus católico de José Vicente, bem como garantir sua educação formal. Esta era uma preocupação de muitos pais, e que para aliviar o ônus da formação escolar de seus filhos, ou mesmo para lograr algum lucro com a prestação de serviços de sacristia, as famílias católicas praticantes apelavam à Igreja (MICELI, 2009).

Seus filhos, muitos deles, futuros prelados, “tinham os pés na sacristia, papa-hóstias ou papa santos que acabaram se favorecendo socialmente com a proteção que lhes concederam seus parentes e amizades no clero”. Contudo, outras circunstâncias podem também ser elencadas. Primeiro, à época do ingresso de José Vicente no campo religioso, era premente o interesse da hierarquia católica em retomar sua importância efetiva na sociedade brasileira.

49 A Catedral de Nossa Senhora da Conceição, localizada na área central da cidade, onde predominam casas comerciais, foi construída em 1920 e tem vitrais no altar-mor e nas fachadas laterais.

Como consequência deste fato, neste período, deu-se o fomento de “vocações”, estratégia hierárquica para soerguer a Instituição católica no país (MAINWARING, 1989, p. 41-43).

Tal fato é corroborado por Sérgio Miceli (2009) que aponta a utilização do ensino em Seminários religiosos como instrumento de ascensão social e educação garantida aos membros de famílias de poucos recursos e vasta prole, ocasionando o fomento de novas vocações, ao tempo em que promovia a abertura de vários seminários pelo país, facultando a entrada de muitos jovens em seus centros de formação, o que denominou de período de “fabricação social do clero” brasileiro. Dessa forma, oriundo do Seminário Menor, à época um dos pré- requisitos para dar continuidade aos estudos clericais (pois estas instituições em geral primavam não somente pelo ensino acadêmico, mas, sobretudo moral e religioso), José Vicente Távora, aos dezesseis anos, em 1926 seguiu para o Seminário de Nossa Senhora da Graça de Olinda50.

Outrossim, certamente, seu ingresso obedeceu a uma série de requisitos, sendo a origem familiar (incluindo-se neste tópico “a naturalidade”, “a pureza de sangue”, “informações geracionais”, “envolvimento em questões dúbias”, “condenações civis”, “relações com agiotas”, dentre outras particularidades) uma das mais importantes. Tais especificidades eram investigadas junto aos inquiridos no processo de Gênere et Moribus e tinham como função caracterizar o habilitando, ou seja, era imperioso que para ingressar na instituição, este candidato possuísse traços distintivos, que o diferenciassem ou o habilitassem para a carreira religiosa.

Para estar apto a ocupar a vaga no seminário, o habilitando deveria possuir pais e avós conhecidos, pois era necessário identificar sua origem e examiná-la. Se fazia também necessário que seus avós e pais fossem casados e batizados, condição última, necessária também ao candidato. Era imprescindível que sua família fosse católica. Tal família ou candidato não podia estar envolvido em nenhuma situação “nebulosa”, ou mesmo terem sido punidos pela lei ou pela Igreja.

Outro traço distintivo fundamentava-se na proibição de qualquer relação dessa família com pessoas judias, fosse nos negócios ou nas relações sociais. Finalmente, o interesse recaía no caráter moral do habilitando e em sua inclinação religiosa, sem contar o desempenho

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Fundado pela Carta Régia de 13 de Abril de 1798, uma escola de tradição na formação da “elite” de leigos e religiosos no nordeste brasileiro. Nele conviveram seminaristas e alunos leigos das famílias importantes da região, e de fora dela, caracterizando-se como um local tradicional de construção de redes sociais de influência, estruturadas em amizades e alianças entre os discentes (SILVA, 2006, p. 121).

intelectual do candidato e sua conduta pessoal, fatores indispensáveis para inserção de um jovem no campo católico.

Assim, o aceite de Vicente Távora no Seminário de Olinda, secularmente reconhecido e legitimado como centro de educação de privilegiados certamente, lhe proporcionou uma educação de qualidade, e sem dúvida, à época, reservada a poucos.

Sua formação obedeceu aos rígidos critérios impostos pela Santa Sé, guardando-se sutis peculiaridades relacionadas ao lugar de origem do seminário. Dessa maneira, a formação do padre José Vicente Távora (1926-1934) transcorreu em um ambiente, rígido, fechado ao mundo exterior e voltado aos interesses da Igreja que na Primeira República (1889-1930) estava mais uma vez se reestruturando administrativa e politicamente. Além das atividades religiosas e físicas regulares, os seminaristas de Olinda obedeciam a um programa disciplinar constituído das seguintes disciplinas: Filosofia, Dogmática, Matemática, Direito, Latim, Moral, Liturgia, Sagrada Escritura, Geografia, Francês, Português, Retórica, Lógica, História do Brasil, História Universal, Coreografia e Teologia (BARRETO, 2009).

No geral, a formação dos padres nordestinos apresentava uma característica comum: o modelo escolar de Barreto, (2009). Sobre “matriz única”, na qual os seminários enfocavam o tripé espiritual, moral e intelectual (seus tempos de seminário, relembra D. Távora (1954, p. 14):

[...] Nossa formação era muito rígida e intelectualizada. Estudávamos um grande volume de matérias, a Teologia e a Filosofia, e era dada muita ênfase ao Latim e o Francês, o que nos proporcionava uma formação intelectual elaborada, difícil de ser conseguida em outra casa. As regras eram o principal foco, as regras. Era uma formação lenta e isso se construía desde menino - a fortaleza espiritual dos padres de lá egressos [...]. Foi no Seminário que desenvolvi o gosto pela escrita, pelas palavras e os sentidos delas principalmente [...].

Dentro dessa educação religiosa, destacam-se dois diferenciais deste prelado, que o acompanharam em seus postos posteriores no interior do campo católico: o desenvolvimento da habilidade jornalística e seu primeiro contato com os ideários da Ação Católica. Para isso contribuíram dois agentes: Dom Miguel de Lima Valverde e o Monsenhor Odilon da Silva Coutinho. A época de sua entrada oficial no Seminário, Dom Miguel de Lima Valverde era o arcebispo de Recife e Olinda (1922- 1951). Como marcas de sua administração se pode elencar sua posição de defesa da ordem e das instituições, criação de paróquias, estímulo à catequese, estreita colaboração com o governo constituído, interferência em assuntos políticos, mas, sobretudo, a preocupação típica neste período em fomentar a imprensa católica. Neste sentido, D. Miguel transformou o semanário A Tribuna dos seminaristas olindenses em um diário que pautava pela defesa dos ideais católicos, além de instituir a

Associação da Boa Imprensa e o Boletim Mensal da Arquidiocese que somente foi extinto em 1964.

preocupação fosse assistencial e movida pelo temor do avanço das ideologias de esquerda junto a essas comunidades. Desse modo, incentivou a ação de padres em diversas localidades e disseminou o ideário da Ação Católica, promovendo a Confederação das Associações Católicas, os Círculos Operários e a

União dos Operários Católicos (SILVA, 2006).

A Tribuna foi onde se deu a estreia de José Vicente no “mundo jornalístico”. Foi neste jornal

que o jovem seminarista, a partir do acompanhamento de seu professor, o padre paraibano Odilon da Silva Coutinho (educador e jornalista católico, um dos fundadores do IHGP - Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, na primeira década do século XX), iniciou suas primeiras incursões na área jornalística (GAZETA DE NAZARÉ, 1934, P.3). Posteriormente como padre e mesmo como prelado, não abandonou o hábito da escrita jornalística, chegando a escrever para o Jornal da Manhã, sob o pseudônimo de Pedro Ivo, e para A CRUZADA (SE ), usando como nome Jacob, à moda dos intelectuais católicos a época, além de ter dirigido por duas vezes a Gazeta de Nazaré (PE). Tal

oportunidade mostrou-se posteriormente de grande valia. Ademais, tal experiência, além de outras,

escrevendo, ou mesmo dirigindo jornais católicos, foi uma excelente preparação para que estivesse apto, posteriormente, a assumir encargos jornalísticos como a direção da Comissão de Imprensa do Concílio Vaticano II (1962-1965).