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2.1 Considerações sobre o ensino de Química atual

2.2.2 Formação comprometida com o processo de aprender a ensinar

Partimos do pressuposto de que, independente do nível em que atua, o professor é o principal agente entre o conhecimento científico produzido e a mediação didática que se concretiza na sala de aula. A partir disso, o compromisso com o processo de aprender a ensinar deve estar presente em toda sua carreira acadêmica e profissional. É o que destaca Mizukami (2007): ―Aprender a ensinar constitui um processo que perpassa toda a trajetória profissional dos professores mesmo após a consolidação profissional‖(MIZUKAMI, 2007 p. 85). Ainda segundo essa autora, não se pode restringir essa aprendizagem às maneiras tradicionais de se conceber a dicotomia teoria - prática, que considera como conhecimento teórico apenas aquele que se processa durante a formação e o conhecimento prático como aquele que acontece apenas durante o exercício profissional. Reitera ainda que

33 Pode-se dizer que essa aprendizagem, ao perpassar toda a trajetória profissional do professor, pode ser considerada num contínuo (mesmo que com momentos de grandes avanços e/ou longas estagnações) que é pessoal e que supera visões tradicionais de se considerar teoria e prática na formação (básica e continuada) de professores, já que todo tipo de conhecimento (inclusive o da própria prática) na realização de um ensino é contextualizado em situações singulares. Nem só o curso de formação básica, nem só a prática em sala de aula. Não só curso de formação continuada, nem só o exercício profissional descolado de qualquer tipo de repertório, como se isso fosse possível (MIZUKAMI, 2007, p. 85).

Para a autora, o processo de aprender a profissão de professor é longo e se concretiza, principalmente, em sala de aula em suas situações complexas e não apresenta um caráter de terminalidade a priori.

Uma vez mais recorrendo a Mizukami (2007), consideramos oportuno para exemplificar a importância que a autora atribui ao contexto da sala de aula na constituição do conhecimento do professor no que se refere ao quesito aprender a ensinar, apresentamos, a seguir, o depoimento de um dos sujeitos de sua pesquisa ―Docência, trajetórias pessoais e desenvolvimento profissional‖:

(...) Eu aprendi a ensinar com meus alunos ...

(...) Ensinar seria transformar. Isso ocorre quando o aluno está aprendendo. Eu estou encaminhando a aprendizagem. Por mais que a gente tenha curso, cada aluno é um aluno. Agente (sic) dá a aula no geral e, cabe ao professor ir aprendendo pela reação de cada aluno. E é essa reação que vai ensinando ao professor a ensinar e ao aluno a aprender. Essas reações são coisas que têm um momento e que não estão lá no papel que a gente estruturou tão direitinho. De repente, o aluno tem uma reação que exige do professor uma habilidade de tornar o ensino flexível, de forma a contemplar a reação de cada aluno...( MIZUKAMI, 2007, p. 85).

Segundo Marcelo (1997), aprender a ensinar tem sido um tema recorrente entre as pesquisas que se ocupam da investigação dos processos de geração de conhecimentos pelos professores. Nesse sentido, o autor pondera:

Se há um tema que surgiu com vigor nos últimos anos, obrigando a reformular os estudos sobre formação de professores, referimo-nos certamente às pesquisas que se têm desenvolvido em torno do amplo descritor ―aprender a ensinar‖. Enraizadas no que se denominou o paradigma do ―pensamento do professor‖, a pesquisa sobre aprender a ensinar evoluiu na direção da indagação sobre "os processos pelos quais os professores geram conhecimento, além de sobre quais tipos de conhecimentos adquirem‖ (MARCELO, 1997, p. 51).

34 Esse não é um processo que se desenvolve sem traumas rumo à consolidação da construção do profissional da educação, que com o tempo e com sua atuação, vai se tornando mais seguro e consciente de suas ações. ―Aprender a ensinar tem implicações num processo de desenvolvimento contínuo, gerador de tensões, de medos e incertezas, de dificuldades e de dilemas até então desconhecidos dos recém-chegados ao ensino‖. (SANCHES e SILVA, 1998, p.81, apud BELLOCHIO, 2002, p.46).

O que é importante nesse processo de formação é que o estudante tenha clareza de sua ação protagonista na construção do seu próprio conhecimento. Para Freire (2013),

[...]o formando desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convence definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção‖ e complementa, ―quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender‖ (FREIRE, 2013, p. 24 e 25).

Diante do desafio de aprender a ensinar compete ao aprendiz de educador a percepção de que ensinar exige reflexão crítica sobre a prática. Para tal, é fundamental que, na sua prática da formação docente, assuma que

o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador (FREIRE, 2013, p. 39).

Somos os únicos seres cuja sobrevivência depende da aprendizagem. Entretanto, essa aprendizagem deve ir além da nossa adaptação ao ambiente, principalmente para transformar a realidade. ―A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas, sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível de adestramento de outros animais ou do cultivo das plantas‖ (FREIRE, 2013, p. 67).

Para Libâneo (2002), é preciso introduzir na formação de professores uma nova visão do ensinar e do aprender, qual seja o desenvolvimento das competências do pensar. Ele justifica sua posição dizendo que na história da educação brasileira, a formação de professores tem sido marcada por uma mistura de pelo menos três componentes: 1) a ideia de primeiro receber teoria e depois colocá-la em prática, 2) apenas fornecer formação técnica (fase do tecnicismo educacional), 3) propiciar consciência crítica para perceber as contradições da realidade, captar as desigualdades sociais, ir além das aparências para atingir o fundo das coisas. Contudo, o autor argumenta que nenhum desses componentes deu conta de melhorar

35 as práticas de formação. Segundo ele, ―faz-se necessário, hoje, uma mudança de mentalidade sobre o processo do ensinar e aprender por dentro das práticas de formação de professor‖ (LIBÂNEO, 2002, p. 35).

No ato de formar um novo professor, é fundamental para aqueles que se dedicam a tal tarefa, levar em consideração o que os aprendizes de professor sabem e, mais ainda, como eles aprendem. Borko (2004) apud Abreu, Bejarano e Hohenfeld (2013), Shulman &Shulman (2004) e Loughran (2007) consideram que para compreendermos a aprendizagem e o desenvolvimento profissional do professor é necessário ampliar as lentes de análises, colocando foco tanto no individual, como no coletivo, ou seja, primeiro é preciso fixar a atenção na ideia do professor como aprendiz (como o professor aprende a ensinar e como aprende os conteúdos que deve ensinar), segundo, deve-se fixar a atenção na aprendizagem, isto é, como processo de participação numa comunidade em contextos específicos.

Embora, no contexto desta pesquisa, estejamos debatendo sobre o aprender a ensinar ainda na formação inicial, estamos certos de que aprender a ensinar é uma tarefa para a vida toda do professor. Aprender a ensinar pode ser perfeitamente um sinônimo de ajustes, ou checagem radical, no sistema de crenças educacionais dos futuros docentes. Os iniciantes na função de ensinar, ao observarem a realidade de seu trabalho apoiando-se em suas crenças, podem desenvolver conflitos ou preocupações educacionais, especialmente em contextos que afrontem essas crenças. Ao usar estratégias pessoais de resolução desses conflitos e/ou preocupações numa perspectiva de longo prazo, também podemos dizer que estamos diante de um genuíno desenvolvimento profissional desses professores.

Entre as características da docência está a de que aprender a ensinar e a ser professor são processos contínuos que se iniciam ainda na educação básica pela observação de seus mestres pelo futuro professor e se segue durante sua graduação. Contudo, esses processos se perpetuam ao longo da vida, o que leva a considerar que a competência profissional para a docência não é consequência apenas da realização de cursos de formação inicial ainda, que em nível superior. Em virtude disso e também da mutabilidade do mundo moderno, é imprescindível que haja o oferecimento de apoio para que esses profissionais possam continuar a aprender durante a carreira, desenvolvendo-se profissionalmente (RODRIGUES, TANCREDI e MIZUKAMI, 2008).

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