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2.1. Análise das Trajetórias

A partir deste ponto, acompanharemos as trajetórias de dois importantes nomes do nacionalismo musical: Manuel de Falla e Heitor Villa-Lobos. Como foi dito anteriormente, a construção de uma nacionalidade brasileira respondia a uma necessidade gestada na elite intelectual e política desse país aproximadamente desde o início da república. No caso da Espanha, a definição da espanholidade correspondia, de acordo com a intelectualidade ligada ao movimento regeneracionista, a uma necessidade da retomada dos “verdadeiros” valores hispanos que vinham sendo esquecidos desde o início da decadência do Império Espanhol.

2.1.1. Primeiros contatos com o mundo musical

Nas páginas da história da música ocidental dos últimos séculos, não é raro encontrar relatos nos quais os pais ou outros familiares próximos de importantes compositores tivessem sido os responsáveis pela introdução desses “gênios” no mundo da música. Assim ocorreu com os nossos dois protagonistas. Ambos iniciaram a sua vida musical da mão de seus progenitores, no caso de Villa-Lobos através de seu pai, Raúl Villa-Lobos, e, no caso de Manuel de Falla, por meio de sua mãe, María Jesus Matheu.

Na memória cristalizada de Villa-Lobos, o seu ingresso no mundo musical teria ocorrido da seguinte maneira:

“A 5 de março de 1887, nascia Heitor Villa-Lobos, na Rua Ipiranga, bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro. Sua mãe, Noêmia Villa-Lobos, cuidava dos filhos e da casa. Seu pai, Raul Villa-Lobos, era funcionário da Biblioteca Nacional e dedicava-se à música, como amador. Na casa

dos Villa-Lobos, todos os sábados, nomes respeitados da época reuniam- se para tocar até altas horas da madrugada. Esse hábito, que durou anos, influiu decisivamente na formação musical de Villa-Lobos que, logo cedo, iniciou-se na música. Aos seis anos de idade, aprendeu a tocar violoncelo com o pai, em uma viola especialmente adaptada.”189.

Acompanhando os primeiros passos musicais de Manuel de Falla, através de uma das mais recentes sínteses biográficas realizadas a respeito deste compositor, temos que:

“Manuel de Falla y Matheu nasce na casa de família, localizada na Plaza de Mina, Núm. 3, de Cádiz, no dia 23 de novembro de 1876, filho de José María Falla e María Jesús Matheu; tendo sido batizado na paróquia de Nossa Senhora do Rosário. É educado em um ambiente familiar próprio da burguesia de Cádiz da época, crescendo entre os relatos e cantos populares de sua babá ‘La Morilla’ e a inclinação musical de seu avô materno, que tocava o harmônio, e de sua mãe, que lhe ensina a tocar o piano [...]”190.

Fosse por uma razão ou por outra, ainda na juventude de nossos protagonistas, os pais deixaram de se ocupar diretamente de sua formação musical e passaram a responsabilidade para aqueles que seriam realmente os seus primeiros mestres educadores. Antes de completar os dez anos, Manuel de Falla fora encaminhado a receber aulas de piano com Eloísa Galluzzo, antiga amiga de sua mãe. Mas esta primeira professora do pequeno Falla, mais forte que

189

Texto publicado na página eletrônica do Museu Villa-Lobos, baseado na biografia deste compositor escrita por Vasco Mariz. Cf. MUSEU VILLA-LOBOS. Disponível em: http://www.museuvillalobos.org.br . Acesso em: 3 jan. 2006; MARIZ, V. Heitor Villa-Lobos: compositor brasileiro. 11. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989. Esta obra de Mariz, publicada em sua primeira edição em 1949, alguns anos após o afastamento do músico de suas atividades como educador e em pleno auge de sua carreira artística, funcionou como matriz para a maior parte das obras que posteriormente se dedicaram ao mesmo tema. Com onze edições, sendo seis no exterior, este livro multiplicou-se em uma série de outros títulos que reproduziram e continuam reproduzindo sua forma e conteúdo. A memória conhecida de Villa-Lobos foi construída, em grande parte, sobre esta narrativa de Mariz, adotada como fonte principal e verdadeira pelos biógrafos villalobianos que foram surgindo posteriormente.

190

Cf. POESIA: Revista Ilustrada de Información Poética. Supervisão Jorge de Persia. Madri: Ministerio de Cultura: Gran Via, n. 36-37, 1991. (Jorge de Persia deixou a direção do Archivo Manuel de Falla em 1996, passando a ocupar este cargo o Prof. Yvan Nommick, que se manteve como diretor deste arquivo até 2007). No texto original: “Manuel de Falla y Matheu nace en la casa familiar, Plaza de Mina, Núm. 3, de Cádiz, el día 23 de noviembre de 1876, hijo de José María Falla y de María Jesús Matheu; siendo bautizado en la parroquia de Nuestra Señora del Rosario. Se educa en un ambiente familiar propio de la burguesía gaditana de entonces, creciendo entre los relatos y cantos populares de su niñera ‘La Morilla’ y la afición musical de su abuelo materno, que tocaba el armonio, y de su madre, que le enseña a tocar el piano[...]”.

a vocação musical, sentia o seu ímpeto religioso. E por essa razão, pouco tempo depois de ter começado a ministrar as aulas a Falla, internou-se em um asilo para idosos como irmã de caridade. Os estudos musicais de seu promissor discípulo passaram, então, para as mãos dos maestros Alejandro Odero e Enrique Broca191. Com a adolescência, as dúvidas que existiam em relação ao investimento realizado na carreira musical do futuro compositor se desvaneceram, e Falla aplicou-se no estudo do piano e começou a se interessar pela composição. Nos últimos anos do século XIX, de acordo com seus biógrafos, o músico alternava temporadas em Madri, onde assistia aulas como aluno livre com o professor José Tragó, do Conservatório de Madri, com temporadas em Cádiz, onde participava das reuniões musicais organizadas nos salões de Salvador Viniegra e do senhor Quirell. Teria sido nessas audições que Manuel de Falla apresentara as suas primeiras composições, escritas para piano solo ou conjuntos de câmara. Em 1899, o músico decidiu prestar as provas finais de piano e solfejo do Conservatório de Madri para receber os diplomas correspondentes, sendo aprovado em todas as disciplinas192.

A formação musical de Villa-Lobos, em seus primeiros anos, parece haver sido um pouco mais conturbada que a de seu colega espanhol. Aparentemente, o único que tentara impôr-lhe estudos sistemáticos e organizados fora o seu próprio pai. Segundo a biógrafa Lisa Peppercorn,

“Raúl [Villa-Lobos] assumiu a educação musical do filho e ensinou- o, principalmente, a tocar violoncelo. Sem dúvida, foi ele quem apresentou Heitor não só a Puccini, mas também a outros compositores como Meyerbeer, Verdi, Leoncavallo e também Wagner, cujas óperas Tannhäuser e Lohengrin tinham acabado de ser apresentadas na sua cidade natal [...]”193.

191

PAHISSA, J. Vida y obra de Manuel de Falla. Buenos Aires: Ricordi Americana, 1956. p. 27-28.

192

Ibid., p. 28.

193

PEPPERCORN, Lisa. Villa-Lobos: biografia ilustrada do mais importante compositor brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p. 20.

Entretanto, acometido de varíola – doença que na época ainda fazia muitas vítimas nas cidades brasileiras – Raul Villa-Lobos faleceu com apenas trinta e sete anos. Seu filho contava doze quando perdeu o seu primeiro guia e a sua primeira referência do mundo da música. À sua tia Fifinha, segundo a historiografia, cabe a responsabilidade da apresentação, ao pequeno Heitor, dos prelúdios e fugas e do Cravo Bem Temperado de Bach, referência que se tornará fundamental na obra do compositor. Mas não consta em nenhum testemunho conhecido que Villa-Lobos tivesse assistido aulas de piano – ou mesmo de música – com a tia.

Ainda segundo a bibliografia villalobiana, é após a morte do pai que Villa-Lobos começa a se aproximar dos chorões. Essa experiência representa o seu primeiro contato importante com a música popular194. De acordo com a maioria dos seus biógrafos, Villa-Lobos não só teria ficado maravilhado com o choro, mas também, a raíz da forte impressão que este lhe causara, teria aprendido a tocar violão. A famosa série dos Choros, composta durante a década de 1920, fora inspirada, entre outras coisas, nessas primeiras experiências junto aos músicos populares da noite carioca.

2.1.2. A música como ganha-pão: zarzuela, cinema e café

Nos primeiros anos do século XX temos a Villa-Lobos no Rio de Janeiro e a Manuel de Falla em Madri começando a buscar o sustento através da atividade musical. Em 1900, este último tinha se mudado de Cádiz para a capital da Espanha junto com a sua família, que há alguns anos vinha enfrentando graves problemas econômicos. Falla continuou seus estudos de piano com Tragó e realizou as suas primeiras experiências compositivas mais sérias. Algumas dessas

194

Chorões eram chamados os músicos dedicados ao choro nos últimos anos do século XIX e início do XX, ou melhor, nos anos em que a historiografia da música brasileira situa a fixação desse gênero. É interessante observar que tanto na biografia oficial de Falla, quanto na de Villa-Lobos, os primeiros contatos com o “popular” já se experimentam em seus anos de infância e juventude.

primeiras peças foram a Serenata Andaluza e o Vals Capricho para piano. Foi também nesses anos que o músico tentou ingressar no rentável mundo da zarzuela.

Em torno da zarzuela girava o mundo do espetáculo musical madrilenho. Embora os anos gloriosos de maior prosperidade deste gênero já tivessem passado, no início do século XX o caminho da zarzuela ainda se mostrava como um dos mais certos para garantir a segurança econômica de compositores e músicos em geral. As estréias eram freqüentes e as orquestras de zarzuela, numerosas.

No entanto, os biógrafos de Falla – os que tocam no assunto de suas composições zarzueleras, porque há também os que nem as mencionam – asseguram que o compositor somente se aproximou deste gênero por imposição da precária situação econômica enfrentada por sua família. E sabemos o quanto eram compensadoras as gratificações financeiras dentro do ambiente da zarzuela. Não fosse por esse motivo, confirmam esses autores, Manuel de Falla nunca teria ingressado nesse mundo e nunca teria dentro da lista de suas composições, ao menos cinco obras pertencentes a esse gênero195.

A consensual visão negativa a respeito da experiência zarzuelera de Falla deve-se à opinião, difundida principalmente pela vanguarda musical espanhola das três primeiras décadas do século XX, de que as composições desse gênero possuíam escasso valor artístico e não cumpriam nenhum papel na construção da verdadeira música nacional de alcance universal. Além disso, segundo alguns pensadores nacionalistas, o sucesso da zarzuela, que reproduzia fórmulas consagradas e arrebanhava um grande público, representava um entrave

195

Na “Nomina Completa de las obras de Manuel de Falla” recolhida por Jaime Pahissa constam os títulos de cinco zarzuelas, todas compostas entre os anos de 1897 e 1904: Limosna de amor, El corneta de órdenes, La cruz de Malta, La casa de Tócame Roque e Los amores de la Inés, a única que chegou a subir aos palcos. Cf. PAHISSA, J., op. cit., p. 219. Apesar das opiniões expressadas pela maioria dos biógrafos de Falla, outros autores, principalmente aqueles que realizaram análises musicais de suas obras, apontaram a influência da zarzuela na sua linguagem compositiva e destacaram o gosto do compositor por esse gênero. Nesse sentido, ver especialmente TORRES CLEMENTE, E. Las óperas de Manuel de Falla: de La vida breve a El retablo de maese Pedro, op. cit.

ao desenvolvimento da tão sonhada e “verdadeira” ópera espanhola. O já citado Jaime Pahissa, por exemplo, descrevendo a situação enfrentada por Falla em seus primeiros anos em Madri e a sua “inconseqüente” passagem pelo mundo da zarzuela, afirma que...

“[...] Nesse tempo, a finais do século XIX, o renascimento musical espanhol tinha apenas começado. Albéniz e Granados ainda não tinham composto as obras que lhes dariam hierarquia e fama; e o clamor aceso e constante de Pedrell, tanto a favor do reconhecimento da alta tradição musical dos polifonistas espanhóis do seiscentos e sua ligação com uma escola de música nacional à altura do grande movimento musical europeu, como em pró das mais nobres expressões da música, o drama lírico, as grandes formas sinfônicas, ainda não tinham surtido efeito entre os músicos da Espanha. Poder-se-ia dizer que na Espanha, a produção musical, nas suas manifestações mais cultas e elevadas, não existia. O músico que tivesse sentido aptidão para a composição sinfônica nem teria encontrado possibilidades para dá-la a conhecer. Nem se fale na recompensa material. Somente na zarzuela existiam amplas possibilidades para o sucesso em todos os seus aspectos: renome popular e benefício econômico. Era o único caminho que se oferecia ao compositor. Embora de modo algum poderia satisfazer o ideal de um artista. A música zarzuelera poderia ter, até certa graça, estalo, sabor característico, mas em geral era ligeira, vulgar, baixa, ausente de técnica e de toda concepção ambiciosa. Não era, portanto, fácil que o espírito fino e as altas aspirações de Falla se satisfizessem com a composição de zarzuelas.”196.

Pahissa faz uma boa síntese da versão apresentada pela historiografia sobre o processo de renascimento musical que teria acontecido na Espanha na virada do século XIX ao XX, apontando o profeta do processo (Pedrell), os precursores (Albéniz e Granados) e o redentor (Manuel de Falla). O mundo

196

PAHISSA, J., op. cit., p. 31-32. No texto original: “[...] Por este tiempo, fines del siglo XIX, el renacimiento musical español estaba apenas iniciado. Albéniz y Granados no habían compuesto aún las obras que les dieron jerarquía y fama; y el clamor encendido y constante de Pedrell, tanto en favor del reconocimiento de la alta tradición musical de los polifonistas españoles del seiscientos y su enlace con una escuela de música nacional a la altura del gran movimiento musical europeo, como en pro de las más nobles expresiones de la música, el drama lírico, las grandes formas sinfónicas, no había tenido eco, aún, entre los músicos de España. Puede decirse que en España, la producción musical, en sus manifestaciones más cultas y elevadas, no existía. El músico que se hubiese sentido con capacidad para la composición sinfónica no hubiera encontrado ni posibilidad para darla a conocer. No hay que hablar de recompensa material. Sólo en la zarzuela había ancho campo para el triunfo en todos sus aspectos: renombre popular y beneficio económico. Era el único camino que se ofrecía al compositor. Aunque de ninguna manera podía satisfacer al ideal de un artista. La música zarzuelera sería, hasta graciosa, chispeante, de característico sabor, pero en general era ligera, vulgar, baja, falta de técnica y de toda concepción ambiciosa. No era, pues, fácil que el espíritu fino y las altas aspiraciones de Falla se satisfacieran con la composición de zarzuelas.”.

zarzueleiro é um mundo que corre à parte, paralelo ao mundo onde se desenvolve o renascimento musical espanhol. É por isso que, para autores como Pahissa, o contato de Falla com a zarzuela é apenas eventual, forçado por uma situação especial.

Alguns autores até agradeceram a pouca sorte vivida por Falla em suas experiências zarzueleiras, e explicaram o seu fracasso nesse ambiente insistindo na incompatibilidade entre a “baixeza desse mundo” e os “altos ideais artísticos” do compositor197. Manuel Orozco, por exemplo, outro autor que publicou uma obra biográfica sobre Falla, se refere diretamente a essa “incompatibilidade” que existia entre a “vocação” do compositor e o ambiente da zarzuela. De acordo com Orozco,

“[...] o ambiente de Madri não era o mais apropriado a seu [de Falla] temperamento e vocação. Triunfa [nessa cidade] o gênero da zarzuela, que é, de certo modo, um círculo fechado do qual dificilmente sai quem nele entra, mesmo triunfando. Dos anos vividos em Cádiz, Falla intuíra a beleza e ganhara um prodigioso instinto musical. Em Madri, ao contrário, mais comercial o ambiente, a zarzuela é o único gênero musical que interessa e rende dinheiro a seus autores [...]”198.

Ainda que Falla não tivesse escrito essas obras “de maneira espontânea para satisfazer uma necessidade interna de criação artística”, tendo que “empequenecer” suas ânsias “para acomodá-las a um meio inferior no qual, sem dúvida alguma, não poderiam ter lugar”, razão pela qual as suas obras zarzueleras não obtiveram, nem poderiam ter obtido, nenhum êxito, como explica

197

Sabemos que, apesar de seu esforço, Falla realmente não obteve grandes sucessos com as suas zarzuelas. A única que chegou a estrear foi, com texto do Sr. Derqui, Los amores de la Inés. Embora pouco fosse o sucesso da estréia e parquíssima a sua repercussão na imprensa madrilenha, o Diario de Cádiz, fiel seguidor dos passos do promissor filho da terra, publicou uma nota sobre o assunto poucos dias após a estréia, que verificou-se em 12 de abril de 1902 no Teatro Cómico de Madrid. Segundo o autor deste artigo, “El éxito [del estreno] es calificado de extraordinario. Los autores fueron llamados á escena muchas veces. La música de nuestro paisano ha gustado sobremanera, llamando particularmente la atención, unas ‘carceleras’ muy sentidas é inspiradas [...]”. Cf. [S.a]. Diario de Cádiz, Cadiz, 17 abr. 1902.

198

OROZCO, M. Falla: Biografía Ilustrada. Barcelona: Ediciones Destino, 1968. p. 25-27. No texto original: “[...] el ambiente de Madrid no era el más apropiado a su temperamento y vocación. Triunfa el género de la zarzuela, que es, en cierto modo, un círculo cerrado del que difícilmente sale quien en él entra, incluso triunfando. De sus años de Cádiz, Falla ha intuido la belleza y tiene un prodigioso instinto musical. En Madrid, en cambio, más comercializado el ambiente, la zarzuela es el único género musical que interesa y produce ingresos a sus autores [...]”.

Pahissa199, a verdade é que o próprio compositor se pronunciou algumas vezes em defesa desse gênero. Em seu artigo Nuestra Música, publicado em 1917 quando já gozava de certa reputação no meio da moderna música espanhola, Falla, em um primeiro momento, se refere à zarzuela como um gênero ultrapassado e totalmente baseado em padrões italianos de composição, o que o torna, por conseguinte, livre de qualquer intenção nacional. De acordo com este compositor,

“[...] os modelos que esses acusadores [a crítica retrógrada, segundo o autor do artigo] nos convidam a acatar como intangíveis são, salvo raríssimas exceções, produto da imitação estrangeira mais palpável que podemos encontrar em toda a história da arte européia. Me refiro, ou, melhor, se referem a nossa chamada zarzuela grande, a qual, como qualquer um pode comprovar com pouquíssimo trabalho, não é mais que uma cópia da ópera italiana em voga durante a época na qual essas obras se produziram. E é, de certo modo natural que assim fosse, uma vez que os assuntos dramáticos que serviam para fazer óperas cômicas ou zarzuelas tinham necessariamente que carecer de caráter nacional, sendo como eram em sua maioria, simples adaptações de obras estrangeiras.”200.

Porém, no mesmo texto, após referir-se às tentativas nacionalizantes iniciadas por Barbieri e aos procedimentos de composição, finalmente nacionais, ensinados por Pedrell, Falla volta ao assunto da zarzuela e ao seu papel dentro da história da música espanhola. Defendendo-se de antemão das críticas que poderia sofrer de algum partidário da zarzuela, o compositor aponta:

“Alguns pensarão que pretendo desautorizar ridiculamente tudo o que se produzira no período musical ao qual me referianteriormente? Se

199

PAHISSA, J., op. cit., p. 34. No texto original: “de manera espontánea para satisfacer una necesidad interior de creación artística”; e “para acomodarlas a un medio inferior en el que, indudablemente, no podían encontrar cabida”.

200

FALLA, M. Dice el maestro Falla: Nuestra música. Música: Album-Revista-Musical, Madri, n. 11, ano 1, 1 jun. 1917. No texto original: [...] los modelos que esos acusadores nos invitan a acatar como intangibles son, salvo rarísimas excepciones, producto de la imitación extranjera más palpable que podemos encontrar en toda la historia del arte europeo. Me refiero, o, mejor dicho, se refieren a nuestra llamada zarzuela grande, la que, como cualquiera puede comprobar con poquísimo trabajo, no es más que un calco de la ópera italiana en boga durante la época en que esas obras se produjeron. Y es en cierto modo natural que así fuera, puesto que los asuntos dramáticos que servían para hacer óperas cómicas o zarzuelas tenían que carecer necesariamente de carácter nacional, siendo como eran en su mayor parte, simples adaptaciones de obras extranjeras.”. Os grifos

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