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formação da máquina publicitária janista: usos e apropriações da

“Todos já ouvimos dizer que uma imagem vale mais que mil palavras. Contudo, se essa afirmação é verdadeira, por que ela tem de ser um dito? Porque uma imagem vale mais que mil palavras apenas sob condições especiais, que normalmente incluem um contexto de palavras no qual a imagem é posta.”

(Walter Ong. Orality & Literacy, 2000) “Janio, meu vélho

Veja essa quadrinha que fiz, como contribuição á nossa proxima vitoria: Ólha a vassoura!

Ólha a vassoura!

Que Seu Janio vem ahi...

Quem tivér rabo de pálha bis Trate lógo de escapulir...(...)

A música para essa quadrinha é muito fácil. Ajeite tudo ahi e vamos dar a vassourada nessa sujeira toda, pelo Brasil afóra!”.

(carta não assinada postada de Recife-PB, em 19 de dezembro de 1959) “A propaganda, quando não se entrega a um blefe mentiroso, quando é utilizada sadiamente, não é nada mais do que a explicação e a justificação de uma política. Em troca, ela obriga a política a se definir e a não se contradizer, o que é prestar-lhe um grande serviço.”

(Jean-Marie DOMENACH. La propagande politique, p. 83.) “Há um insistente movimento nesta Casa, em se tentar convencer uns ou influenciar o espírito de outros, com enfadonhos estribilhos particulares e repetidos nos editoriais da antiga imprensa situacionista, de que o Senhor Jânio Quadros teria sido eleito à margem dos partidos que o apoiaram e sem nenhuma interferência dêsses. Essa tese escapa à realidade dos números que aí estão (...)

A vitória de Jânio Quadros resultou de um esquema de fôrças partidárias, tendo pela frente um candidato eminentemente popular que galvanizou a opinião pública, alheia aos partidos, sensibilizaram profundamente nos grandes centros as massas indiferentes e irritadas com o elevado custo de vida. Foram essas bases partidárias, que movimentaram com o auxílio do povo, com as contribuições populares, uma poderosa máquina de propaganda suficientemente capaz de levar ao mais distante eleitor a palavra do nosso candidato”

(trecho de discurso do deputado Wilmar Guimarães na Câmara dos Deputados. ACD, 20. 10. 60, p. 456.) Conforme já indicado na introdução, é interessante lembrar que ainda gozam de muita força e aceitação interpretações de estudiosos que buscam explicar a ascensão política de JQ apenas através de seu personalismo. Numa das hipóteses levantadas, sugeri que a propaganda e a estrutura oficial incumbida de promovê-la, durante a campanha presidencial disputada por ele, pode ter alentado tal perspectiva, pois esses fatores eram por muitos considerados como responsáveis por criar e consolidar, artificialmente, sua força

política. Ora, de maneira a problematizar essas colocações, não seria o caso de investigarmos, de forma mais ampla, o que se entendia por propaganda e suas práticas no período, bem como as formas pelas quais a população interagia com elas?

2.1-Ritmos e sons na construção da imagem pública de Jânio Quadros

O termo propaganda, com freqüência, é associado à promoção de mercadorias ou lideranças políticas através de meios de comunicação de massa, tais como o rádio, a televisão, os jornais e as revistas. Esse sentido, muitas vezes, deixa de lado um de seus significados elementares, o de difusão ou propagação, que também inclui relações sociais face a face, com a ação de determinadas pessoas tentando convencer ou persuadir seus respectivos interlocutores acerca das vantagens de seus pontos de vista. Ao que tudo indica, é justamente essa amplitude do sentido do termo propaganda que escapa aos olhos da maioria daqueles que o suscitam para analisar a projeção política de JQ.

Por vezes, até mesmo este último e sua equipe incorporavam essa idéia, manifestando a crença de que seria possível triunfar politicamente por meio do privilégio de veículos midiáticos como divulgadores da imagem pública do líder. Por exemplo, entre a documentação pessoal de Castilho Cabral encontra-se um papel timbrado da Rádio Globo assinado por Sylvio Darcy e Walter Bruno, datado de 18 de fevereiro de 1960. Dirigido aos organizadores da campanha eleitoral de JQ - com autorização assinada por este último, inclusive -, lê-se nele a seguinte recomendação para a condução da propaganda do candidato pelo rádio:

"A luta pela sucessão presidencial baseia-se atualmente em fatores econômicos imponderáveis. Torna-se necessário escolher um ‘meio’ de divulgação sutil e indireto para atender aos interêsses profundos da ‘Campanha’ burlando os atritos e inconvenientes próprios das questões de ordem política, econômica ou mesmo comercial.

2°) --- Os meios de que dispomos nos obrigam a realizar uma Campanha sem ‘arriscá-la’. Isto se pode materializar únicamente na esfera profissional jornalística e publicitária avançada - divulgar sem saturar .... insinuar para convencer! (...)

4°) = Escolhemos a ‘Rádio Relógio Federal’. Indiscutivelmente é uma emissora ouvida por um público atento às mensagens rápidas. Público êste identificado fácilmente em tôdas as camadas sociais. Mesmo o público indiferente a vida radiofônica ‘ouve’ a ‘Rádio Relógio Federal’. --- (Funciona 24 horas, -- ininterruptamente --- em ondas curtas e médias.

5°) = Transmitiremos CEM NOTICIAS e CEM TEXTOS publicitários (após as notícias). Isto equivale a um total de 6 mil mensagens compreendendo notícias e textos, a serem divulgados em horários pre-determinados psicológicamente, dentro do esquema geral da ‘Campanha’. O noticiário será rigorosamente atualizado, dia e noite.(...) O noticiário explorará -- de preferência -- as falhas da administração atual e tôdas situações equívocas que sirvam aos

nossos objetivos políticos, de mo(do) a ‘marcar’ no espírito da opinião pública nacional a necessidade e oportunidade de reformar a política dirigente. (...)"138

Nesta orientação, aparece a idéia de se organizar a campanha janista no rádio de uma forma racionalizada; melhor dizendo, a organização radiofônica da campanha exposta no texto pretende selecionar cuidadosamente os temas, os veículos, os públicos e os modos de apresentação da publicidade do candidato. Fica explícita no texto a noção de que a repetição constante e meticulosa de propaganda eleitoral no rádio, com conteúdos apenas transmitidos sutilmente, seria capaz de suprimir o debate e persuadir muitas pessoas, o que é bem expresso na idéia de “marcar” o “espírito da opinião pública nacional”139. Em outros termos, esta última é tomada como passível de sofrer uma intervenção técnica e ser moldada de acordo com as pretendidas finalidades políticas.

Na verdade, a noção de opinião pública empregada na fonte acima remete a um sentido particular, desde que o referido conceito tem recebido muitos significados ao longo do tempo. Quando se fala de opinião pública, normalmente, fala-se de uma opinião resultante do debate público sobre a coisa pública. A concretização desse fenômeno é pensada a partir da existência de uma distinção entre Estado e sociedade civil, o que pressupõe uma sociedade articulada e organizada de modo a permitir a formação de opiniões não individuais. A constituição de um público organizado e interessado em controlar a política governamental seria favorecida por veículos de imprensa e associações dos mais variados tipos (partidos, clubes, salões). No caso anterior, talvez seja possível indicar alguns ecos dos prognósticos sobre o declínio ou desaparecimento da opinião pública em sociedades democráticas, tais como surgem no pensamento de Alexis de Tocqueville140. Na trilha dessa concepção, muitas análises, segundo Nicola Matteucci, indicam que teriam deixado de existir os lugares que facilitavam sua formação através do diálogo: os jornais transformaram-se em empresas especulativas; a televisão ocupou o lugar da sala de reuniões; as associações e partidos foram tomados por oligarquias; os demais

138 Arquivo pessoal Castilho Cabral, CPDOC-FGV, CCc 59. 04. 13, I - 41.

139 Essa concepção de propaganda indica estar em sintonia com uma tendência mais ampla da publicidade

política, conforme aponta Jean Domenach: “O progresso das técnicas logo arrasta a publicidade a um novo estágio: ela procura antes impressionar que convencer, sugerir antes que explicar. O slogan, a repetição, as imagens atraentes vencem, progressivamente, os anúncios sérios e demonstrativos: de informativa, a publicidade torna-se sugestiva. (...).” Cf. Jean-Marie DOMENACH. La Propagande Politique, p. 16.

espaços para a formação da opinião pública cederam espaço a potentes burocracias; e a distinção entre sociedade civil e Estado sofreu um embotamento devido à formação de uma classe dirigente capaz de manipular as opiniões contrárias às suas.

Ainda que alguns desses fenômenos tenham ocorrido no Brasil, no decorrer do período em questão, parece-me difícil prosseguir com a idéia de que opiniões resultantes de discussões públicas sobre a coisa pública tenham deixado de existir entre os mais diversos setores da população. É inclusive seguindo algumas pistas encontradas na fonte acima que pretendo dar seqüência a esta investigação; mais precisamente em relação à proposta de se conduzir a propaganda eleitoral via rádio por meio da repetição e insinuação de idéias. Em outras palavras, caberia a seguinte questão: é possível identificar uma opinião pública no país, naquela época, partindo desses indícios?

Antes de prosseguirmos, já que o foco da análise recai sobre formas acústicas de comunicação, é preciso se ter uma idéia da importância do som nos embates políticos no Brasil das décadas de 1950 e 1960, para a promoção da liderança de JQ. Em carta de Ataléia-MG, em 18 de novembro de 1959, Sebastião Costa relata a JQ o seguinte: “Venho por meio desta manifestar solidariedade a Vossa candidatura a prezidencia da Repubica; nunca acompanhei V. S. com o voto por morar em outro Estado, mas acompanho-lhe pelo o rádio com todo entereço, desde a vossa campanha de prefeito, Governador, e do vosso candidato, senr Carvalho Pinto, hoje acho-me satisfeito de votar no meu candidato da minha preferência. Aqui não tem nenhum partido que vou apoia, só a UDN que já incaminhamos registro do diretorio municipal, aqui são PDD, PTB, e PR, em todos estes vejo apoio a vossa candidatura, na convenção da UDN, teve a maior sensação acompanhei até o fim, dezejo que manda-me propagandas, precizamos de vassora, pois nosso Estado parece o pior de todos (...)”. Antes de solicitar material de propaganda ao candidato, o remetente fornece pistas de como a figura de JQ pode ter sido promovida em lugares alheios aos seus primeiros redutos eleitorais por meio do rádio. Enquanto exemplo isolado, porém, a missiva acima mais indicia do que comprova a importância do rádio para a difusão e a consolidação da força política de JQ pelo país.

Ao lado das transmissões radiofônicas, a televisão começava a dar seus primeiros passos no Brasil desde o início da década de 1950. Um exemplo de contato com JQ ou, pelo menos, da obtenção de informações sobre ele através da dita tecnologia, pode ser

encontrado na carta da estudante secundária Márcia Muniz Pontes, de São Paulo-SP, em 25 de novembro de 1959. Ela pede então, em tom de angústia, para que o mesmo retome a candidatura à Presidência, interrompida por sua renúncia recente à disputa no pleito:

“É com lágrima nos olhos, que, hoje, ouvi pela T. V. Tupi canal 3, às 22: 30 hs., a palavra do D. D Snr Oscar Pedroso Horta, à respeito da retirada da V. candidatura.

Snr. Jânio Quadros, sendo eu uma humilde estudante secundária, venho, por intermédio destas palavras, dirigir-me à V. Excia., a fim de dizer-vos o quão extensiva é minha admiração por V. Excia.. Infelizmente eu, uma simples estudante não posso, de maneira alguma, me infiltrar na situação política do nosso país. (...)

Mas, ninguém pode impedir-me de sentir e de expor meus sentimentos à V. Excia.

Snr. Jânio Quadros, V. Excia. representa para nós estudantes, para nossos pais trabalhadores para nós brasileiros, a última, a derradeira, a única esperança. E nós, o povo, sentimos quase que morrer, assim repentinamente (...)

Snr. Jânio Quadros, é em nome da minha mocidade, da mocidade brasileira, que ansêia por um futuro melhor e mais farto que eu peço a V. Excia. o retorno da V. candidatura. (...)”

Nesta carta, a estudante demonstra seu apoio à candidatura de JQ associando-o à esperança de um futuro mais seguro. Ademais, para alguém acostumado a afirmar que “vê” ou “assiste” algo na TV – num ato que envolve mais de um sentido -, talvez cause estranheza a garota declarar que simplesmente “ouviu” pela televisão a notícia da renúncia. Como no exemplo anterior, contudo, o documento acima pode ser considerado apenas como uma possível pista da preeminência do som sobre outras formas de comunicação no período estudado. E, ainda que o dito texto não permita conclusões mais aprofundadas, permite ao menos o levantamento da suposição de que a tecnologia da televisão começava a ser assimilada pela população à sombra dos efeitos do rádio. Afinal, em 1960, em apenas 4,61% dos domicílios brasileiros havia televisores, concentrados especialmente na região sudeste141.

Um elemento que confere maior fundamento ao valor atribuído ao som como meio privilegiado de comunicação, então, diz respeito à condição de analfabetismo da maioria da população brasileira. Requisito para o exercício do voto, segundo a Constituição de 1946, a alfabetização era um atributo que permitiu a 16% da população votar na eleição presidencial de 1945. Em 1962, os eleitores passaram a representar 24% dos brasileiros142. Portanto, quando se pensa na importância de formas acústicas de comunicação no período

141 Cf. Esther HAMBURGUER. “Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano” in: História da

Vida Privada no Brasil, vol. 4, p. 448.

142 Cf. Dulce Chaves PANDOLFI. “Voto e participação política nas diversas repúblicas do Brasil” in: A

estudado, além da presença das tecnologias do rádio e da televisão, é preciso levar em consideração um grande contingente de pessoas que se pautavam, privilegiadamente, por formas orais de comunicação. Uma indagação que pode surgir disso é o que essas características podem ter significado para a discussão pública de idéias.

Para que uma resposta a essa questão seja ensaiada, talvez as cartas populares dirigidas a JQ possibilitem a consideração do papel do som em sua projeção política. As características e os efeitos da comunicação sonora na mente humana já foram objetos de extensa análise entre autores como Eric A. Havelock e Walter Ong143. Ambos sustentam que a consciência humana tem sido alterada ao longo do tempo, por intermédio, notadamente, de tecnologias como a escrita e a imprensa. Um dos aspectos que mais se destacam em seus trabalhos é o estudo de formas de consciência relacionadas à oralidade e os efeitos de novas tecnologias sobre as mesmas. Os autores salientam as dificuldades do pesquisador em identificar a oralidade no passado, uma vez que sua principal fonte de investigação é textual. Segundo eles, é possível deduzir traços de comunicação oral através da sintaxe e o modo como certos textos são construídos. Trata-se, antes, de sugerir a presença dela em textos do que demonstrá-la, cabalmente, através de “fatos” ao modo de narrativas históricas convencionais144. Nesse sentido, a referida correspondência pode ser um campo fértil para a interrogação acerca das tensões entre modos de composição oral e os efeitos da escrita.

Claro que a oralidade abordada no presente estudo não se refere ao que Walter Ong classifica como “oralidade primária”, a qual se refere a uma cultura totalmente intocada

143 Sobre esse assunto, destaco os três livros adiante: Eric A. HAVELOCK. A revolução da escrita na Grécia

e suas conseqüências culturais; Eric A. HAVELOCK. The muse learns to write: reflections on orality and

literacy from antiquity to the present; Walter ONG. Orality & Literacy: the technologizing of the word.

144Sobre o estatuto epistemológico desse tipo de investigação, E. Havelock adverte o seguinte ao sustentar a

importância dos modos de composição oral em determinados textos gregos: “É óbvio que é impossível provar esta tese por métodos positivistas: a linguagem oral não produz fósseis.” Cf. A revolução da escrita na

Grécia..., p. 14. Mesmo que analisando os efeitos da imprensa, em seus primórdios, na Europa sobre elites letradas, Elizabeth Eisenstein traz um complemento interessante à perspectiva de E. Havelock: “Historiadores que têm de ir além do túmulo para reconstruir formas passadas de consciência estão especialmente em desvantagem para lidar com essas questões. Teorias sobre mudanças com fases irregulares que afetam processos, atitudes e expectativas de aprendizagem não se prestam, de forma alguma, a formulações simples e diretas que possam ser facilmente testadas ou integradas em narrativas históricas convencionais.”. Cf. The

printing revolution in early modern Europe, p. 5. Esses autores, provavelmente, não se envolveram no debate acerca da presença da ficção em textos históricos, candente entre determinados círculos acadêmicos e jornalísticos em anos recentes. Contudo, levando em consideração tal discussão, as posições anteriormente destacadas apontam que seus trabalhos abrem caminho para a investigação de práticas e formas de consciência ancoradas num passado que realmente existiu.

pela escrita ou imprensa. Diz respeito, na verdade, à “oralidade secundária”, que, apesar do contato com estas últimas, se refere a uma oralidade sustentada por tecnologias como o rádio, a televisão, o telefone e outros dispositivos eletrônicos145. Apesar dessa diferenciação, o autor indica como as formas de consciência nessas duas situações apresentam muitas semelhanças, de modo que o estudo de uma pode iluminar a compreensão da outra. W. Ong chama a atenção para a questão da memorização de informações num ambiente social que não registra seus pensamentos através da escrita. Lembrar e reter formulações laboriosamente construídas, em tais circunstâncias, exige a recorrência a padrões mnemônicos marcados profundamente pelo ritmo, o qual pode aparecer sob a forma de repetições, antíteses, aliterações e assonâncias, epítetos, provérbios, fórmulas e padrões temáticos. Desse modo, as informações podem ser retidas com maior facilidade, bem como vir com maior prontidão à mente quando solicitadas146. É com essas questões em vista que procurarei apontar a existência de marcantes traços de oralidade em muitos dos documentos analisados.

Alguns indícios de composição oral podem ser logo encontrados em algumas das próprias falas de JQ. É o que se pode depreender de um trecho de seu discurso proferido na ocasião da campanha eleitoral em Sete Lagoas-MG, em 27 de abril de 1960:

“Não me agrada a Pátria como eu a vejo neste instante. A inflação devora o salário do pobre. Enquanto alguns enriquecem, juntando fortunas imensas, os trabalhadores se fazem cada vez mais aflitos, cada vez mais necessitados. Não me agrada saber que em cada dez dos meus patrícios seis não lêem e não escrevem. Não me agrada saber que 20 milhões de nossos irmãos nunca compraram um par de sandálias para os pés desnudos. Não me agrada saber que os institutos de aposentadoria são um furto, colocando os seus dirigentes a mão no bolso dos trabalhadores, todos os meses, nos descontos compulsórios das folhas de pagamento, sem que eles possam receber sequer a assistência médica e hospitalar a que têm direito. Não me agrada saber que a agricultura está completamente abandonada, sem financiamento, sem assistência técnica, sem sementes, sem transportes rápidos, sem armazéns e silos, enquanto o governo pretende resolver o problema do abastecimento através das COFAPs, COAPs, COMAPs.”147

O conteúdo desta fala expressa alguns pontos da plataforma do então postulante à Presidência da República. É curioso notar ainda o modo de construção da mesma, estruturada por meio de uma série de antíteses e justaposições de frases, as quais são precedidas, repetidamente, pela fórmula expressiva “não me agrada”. Conforme exposto

145 Walter ONG. op. cit., p. 11. 146 Ibid., p. 34.

anteriormente, todos esses elementos são recursos rítmicos comuns na linguagem oral, caracterizada por um nível analítico relativamente baixo quando comparada à linguagem mais familiarizada com a escrita.

Um dos mais célebres e citados discursos de JQ, apresentado por ocasião de sua escolha como candidato pela União Democrática Nacional, no final do ano de 1959, é tecido de forma semelhante ao exemplo acima. Eis um trecho dele:

“Não creio nas concessões demagógicas. Não creio na mentira das promessas. Não creio nos sufrágios da fraude. Não creio nos desmaios da Autoridade. Não creio na desordem administrativa. Não creio nas intolerâncias das filosofias e das condições. Não creio nas ditaduras de qualquer tendência. Não creio na providência das espórtulas constrangedoras. Não creio no latifúndio anti-social. Não creio na distorção da liberdade que se demuda em licença. Não creio, enfim, no que se vê ao nosso alcance e à nossa roda, como se fora democracia, quando é a sua caricatura, a sua cárie! (...) Creio, sim, no império da Constituição. Creio na nobreza da Magistratura Suprema. Creio na autenticidade das Casas

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