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Conforme já destacamos nas seções anteriores, o processo histórico de institucionalização das políticas públicas de Educação do Campo no Brasil traz a marca das contradições do modelo capitalista de produção e desenvolvimento, que a mais de meio século tem resultado no enfrentamento entre as classes dominantes e as classes trabalhadoras. Nesse contexto, o protagonismo dos movimentos sociais do campo vem se consolidando na esfera das políticas educacionais, tanto na luta pelo direito a educação, quanto na elaboração das políticas públicas e das concepções alternativas às concepções hegemônicas de educação, campo, agricultura, sociedade, etc..

Autores como Arroyo (2012a), Brito (2013), Molina (2015) e Caldart (2015) têm afirmado em suas análises que os desafios presentes na institucionalização das políticas de Formação de Educadores do Campo no Brasil encontram seu sentido nas tensões e contradições, tanto do processo de expansão do modelo capitalista de produção agrícola,

estruturado pelo agronegócio, quanto do processo de expansão da Educação Superior nos últimos vinte anos.

No que tange às contradições do processo de expansão da Educação Superior no Brasil, Bittencourt (2013, p. 41) afirma que a crescente privatização deste setor, decorrente da intervenção dos organismos multilaterais21, tem sido um dos principais desafios enfrentados na institucionalização das políticas públicas de Formação de Educadores do Campo. De acordo com a autora, com o avanço da lógica empresarial e da ideologia neoliberal na Educação Superior, as Universidades vêm perdendo seu caráter social – o que “aponta para a consolidação do sistema capitalista”. Com isso, houve uma intensificação das disputas entre os setores privados e os movimentos sociais, defensores da educação pública, democrática e emancipatória.

A esse respeito, Caldart (2015, p. 12) afirma que as contradições presentes nesse

contexto refletem os “objetivos do capital”, ou seja, apropriar-se da educação pública

(organização, conteúdo e forma) para garantir a formação de mão-de-obra necessária a

consolidação da lógica capitalista empresarial; “visando o aumento dos lucros das empresas, e compondo o velho conhecido exército industrial de reserva”. De acordo

com a autora, esta lógica, que ela afirma pertencer aos “reformadores empresariais da

educação”, apresenta os seguintes pilares:

avaliações externas em escala, que passam a incidir sobre objetivos e avaliações de cada escola; padronização (que é estreitamento) curricular a partir das exigências dos

testes (é o que hoje se busca fazer estabelecendo uma “base nacional comum”);

meritocracia, incluindo remuneração dos professores vinculada aos resultados dos testes dos estudantes; flexibilização (precarização) do trabalho dos profissionais da educação (para que possam ser demitidos mais facilmente caso saiam do padrão exigido); gestão empresarial das escolas, de preferência feita pelas próprias empresas, através de parcerias público-privadas, o que é uma forma de privatização da educação pública. A articulação destes conceitos e os mecanismos estabelecidos para sua operacionalidade exacerbam o controle ideológico sobre toda a estrutura educacional (CALDART, 2015, p. 13).

Conforme Molina (2015), a apropriação das políticas afirmativas tem sido uma das principais estratégias utilizadas pelos organismos multilaterais para consolidar sua presença e influência nas Universidades Públicas. Por meio dessas políticas, os

21 Segundo Brito (2013), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) são os dois

principais exemplos de organismos multilaterais que influenciam as reformas educacionais nos países subdesenvolvidos como o Brasil, desde a segunda metade do século XX.

organismos multilaterais buscam alcançar os seguintes objetivos: fortalecer a lógica empresarial na educação pública; ocultar os conflitos, as contradições e as intencionalidades por traz das propostas de reestruturação das Universidades; influenciar diretamente na organização universitária e nos parâmetros curriculares.

No que tange, em particular, à política de Formação de Educadores do Campo, Molina e Rocha (2015, p. 238) afirmam que uma das consequências para essa política é a descaracterização de suas concepções e especificidades; entre elas o da participação dos movimentos sociais na elaboração das políticas públicas. De acordo com as autoras, a diminuição da participação dos Movimentos na elaboração dessas políticas tem resultado na incorporação de concepções hegemônicas nas mesmas, inclusive aquelas defendidas pelo agronegócio – como exemplo da concepção de “formação profissional

do modelo industrial”, tem-se o Pronatec Campo.

Segundo Molina (2015), o acesso dos movimentos sociais do campo às Licenciaturas em Educação do Campo também correm o risco de se descaracterizarem. Para a autora (2015), isso ocorre devido à dificuldade destes cursos em resistir às exigências feitas pelas Universidades para que o acesso às vagas seja feito por meio do padrão convencional de vestibular; excluindo os critérios específicos de vinculação dos ingressantes ao campo e aos movimentos sociais.

Sobre a institucionalização das Licenciaturas em Educação do Campo, Arroyo (2012b, p. 361) afirma que uma das dificuldades consiste em adequar os projetos político-pedagógicos destes cursos ao sistema de gestão pedagógica e administrativa das Universidades; o que pode vir a descaracterizar as suas especificidades. Segundo o autor, um dos motivos pelo qual isso pode vir a ocorrer é a forte presença da lógica convencional de formação nas Universidades, que ainda reproduz o que ele chama de

“protótipo único de educador”, ou seja, aquele docente/educador formatado para desenvolver processos formativos padrões, “independente da diversidade de coletivos humanos”.

A partir da análise deste e dos outros autores, podemos constatar que, ao mesmo tempo em que o protagonismo dos movimentos sociais é uma das características mais significativas do acesso das populações do campo a educação e, em particular, a Educação Superior, também é um dos principais motivos pelo qual se acirram as

tensões políticas de reconhecimento dos Movimentos Sociais como autores nas

Universidades, no MEC e nos órgãos de formulação e análise de políticas do Estado”

(ARROYO, 2012b, p. 362).

Dessa forma, os cursos de Formação de Educadores do Campo vão constituindo suas práticas e concepções na materialidade das tensões, dos conflitos e das contradições entre lógicas hegemônicas e contra hegemônicas de educação e sociedade. E é nesse mesmo cenário que os movimentos sociais do campo vêm buscando, na organização das políticas de educação, o atendimento aos seus direitos humanos,

sobretudo o direito a uma formação ampla e diversificada, “que trabalhe todas as dimensões da vida” (CALDART, 2015, p. 12).

Finalizando, cabe ressaltar que da revisão teórica apresentada nesse capitulo, sobre os novos embates presentes nas políticas de Formação de Educadores do Campo em esfera nacional, emergiram as seguintes questões orientadoras da continuidade do estudo: Qual a especificidade dos processos de constituição das Licenciaturas em Educação do Campo nos diferentes lugares do território nacional? Quais as dificuldades e desafios enfrentados nos diferentes contextos? Quais as conquistas e os avanços? Motivados por estas questões que, no próximo capítulo, analisamos o processo de constituição da LICENA na UFV, destacando as tensões, os conflitos e as contradições deste processo. Considerando que os cursos de Licenciatura em Educação do Campo, em nossa sociedade, foram se constituindo em diferentes contextos históricos, políticos e sociais, torna-se importante e necessário uma melhor compreensão sobre as especificidades dos processos de constituição destes cursos.

CAPÍTULO 3

A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA: UM CAMPO DAS CONTRADIÇÕES

Os objetivos do presente capítulo foram analisar e descrever os antecedentes históricos da Educação do Campo na UFV, o processo histórico de constituição da Licenciatura em Educação do Campo (LICENA) no contexto específico da Instituição, de maneira a evidenciar as contradições, tensões e conflitos que estiveram presentes na relação da UFV com a Educação do Campo e, em particular, com a LICENA.

3.1. OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA

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