• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 01 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO

2.1. Formação de professores: caminhos de uma trajetória sem fim

Falar de maneira geral sobre formação docente remete-me a Comenius no século XVII, no entanto a constituição da questão “formação de professores” só veio estabelecer-se com uma resposta institucional no século XIX quando após a Revolução Francesa foi colocado o problema da instrução popular. No nosso país, a questão do preparo dos professores “emerge de forma explícita após a independência, quando se cogita da organização popular” (SAVIANI, 2009, p. 143). Embora isso não signifique que o fenômeno da formação de professores tenha surgido apenas nesse instante. Saviani (2009) afirma que havia escolas “tipificadas pelas universidades instituídas” (p. 148) desde o século XI e pelos colégios de humanidades que se expandiram a partir do século XVII. Dessa forma, a formação docente tem sido campo de debate e vertentes sendo atravessada por vários dilemas. Um desses dilemas, de acordo com Saviani (2009) é o fato de algumas disciplinas de licenciatura se concentrarem apenas nos conteúdos específicos, sem se preocupar com as formas a eles correspondentes. Nesse caso, existe uma dissociação do (in)dissociável do ato docente. Essa discussão eu trago mais à frente quando nos capítulos da análise encontro justamente esse dilema na formação dos sujeitos de pesquisa.

Após essa pequena introdução histórica sobre a formação docente ainda fica a pergunta: afinal, o que é formação? De acordo com Batista (apud FAZENDA 2001) formação implica no “[...] reconhecimento das trajetórias próprias dos homens e

38 mulheres, bem como exige a contextualização histórica dessas trajetórias, assumindo a provisoriedade de propostos de formação de determinada sociedade” (p. 10). Dessa forma é “algo inacabado, com lacunas, mas profundamente comprometido com a maneira de olhar, explicar e intervir no mundo” (p.11). Sabemos que a formação não é um processo estático. Pelo contrário, é um processo que ocorre na dinâmica do desenvolvimento pessoal/profissional, sendo afetado pelo contexto histórico em que este se desenvolve (NAGEL 2007). No livro Formação de Professores e Campos do Conhecimento, uma das autoras explica que

Pensar e escrever sobre educação é atividade milenar entre os homens, assim como já é secular pensar e escrever sobre professores e sua formação para realizar atividades educativas das crianças e jovens. Com tudo o que já se disse e escreveu sobre o grande temam foco, eixo de reflexão, campo investigativo – não importa muito como se denomine – a verdade é que cada vez mais nos deparamos com a capacidade humana de gerar novos pensamentos e focalizar o professor e sua formação em aspectos pouco explorados ou por novas vertentes analíticas (MARIN, 2004, p. 9).

Aproprio-me de diversos aspectos de duas vertentes que não excludentes, mas possuem suas especificidades: uma vertente analítica subsidiada nos fundamentos da Pedagogia Histórica-Crítica (SAVIANI, 2008; DELLA FONTE, 2003; MAZZEU, 2011; NAGEL, 2007); e a perspectiva analítica que defende a compreensão da prática pedagógica do professor como mobilizadora de seus saberes profissionais (MONTEIRO, 2001; FIORENTINI, 2001; PIMENTA, 2002; ABBDALA, 2006; LELIS, 2001).

Pimenta (2001) constata que existe uma distância entre o processo de formação inicial dos professores e a realidade encontrada nas escolas, chamando atenção para um aspecto muito importante e que diz respeito à relação entre a teoria estudada na Universidade e a prática que é desenvolvida em sala de aula. De acordo com a autora, a formação docente não é construída por acumulação de conteúdos somente, ou de conhecimento e de técnicas que venham a ser desenvolvidas, mas através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de uma (re)construção permanente da identidade pessoal (PIMENTA, 2002). Essa dicotomia entre situações de formação e situações de trabalho expressa insatisfação dos cursos de Licenciatura. O que deveria mobilizar as Universidades a uma avaliação de seus cursos de formação de professores no sentido de privilegiar, em seus currículos, a dimensão prática do ensino, não como espaço isolado, porém como elemento articulador da formação docente (FELÍCIO &

39 OLIVEIRA, 2008). Pimenta (2001) observa ainda que a construção da aprendizagem docente por parte dos futuros professores não é um conhecimento que “se adquire olhando, contemplando, ficando ali diante do objeto; exige que se instrumentalize o olhar com as teorias, estudos (p. 120).

Nesse contexto, as pesquisas sobre os saberes docentes na formação docente surge como marca intelectual da produção internacional (NUNES, 2001). De acordo com Nóvoa (1995) essa nova abordagem se contrapõe aos estudos anteriores que acabaram por reduzir, de certa forma, a profissão docente a um conjunto de competências e habilidades, promovendo uma crise de identidade docente em decorrência da separação entre o “eu profissional” e o “eu pessoal”. O autor explica que esse movimento surge “num universo pedagógico, num amálgama de vontades de produzir um outro tipo de conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do quotidiano dos professores” (NÓVOA, 1995, p. 19). Sendo assim, essa perspectiva de análise da formação dos professores, ocorre a partir da valorização desses, numa busca de identificar os saberes implícitos na prática docente. Dessa forma, “é preciso investir positivamente os saberes de que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceptual” (NÓVOA, 1992, p. 27). A seguir, apresento um texto de Fiorentini et al, (1998), onde ele nos mostra como que essas pesquisas cresceram

as pesquisas sobre ensino e formação de professores passaram a priorizar o estudo de aspectos políticos e pedagógicos amplos. Os saberes escolares, os saberes docentes tácitos e implícitos e as crenças epistemológicas, como destaca Linhares (1996), seriam muito pouco valorizados e raramente problematizados ou investigados tanto pela pesquisa acadêmica educacional como pelos programas de formação de professores. Embora, neste período, as práticas pedagógicas de sala de aula e os saberes docentes tenham começado a ser investigados, as pesquisas não tinham o intuito de explicitá- los e/ou valorizá-los como formas válidas ou legítimas de saber (FIORENTINI et al., 1998 p. 314).

Dessa forma, segundo o autor, as pesquisas passaram de uma valorização quase que exclusiva do conhecimento (isto é, dos saberes específicos) que o professor tinha da sua disciplina (1960) para uma valorização dos aspectos didáticos-metodológicos relacionados às tecnologias de ensino (1970). A seguir nos anos 1980, o discurso muda e é dominado pela dimensão social, política e ideológica da prática pedagógica. Nesse sentido, a idealização de um modelo teórico que orientasse a formação inicial do professor conduziria a uma análise negativa da prática pedagógica e dos saberes

40 docentes. Sendo assim, ao (re)pensar a formação dos professores a partir da prática pedagógica, Pimenta (1999) identifica o aparecimento dos saberes como um dos aspectos considerados na formação da identidade docente do professor. A autora parte da premissa de que essa identidade é construída a partir da

significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias (PIMENTA, 1999, p. 19).

De acordo com Tardif et al,

quanto mais um saber é desenvolvido, formalizado, sistematizado, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais se revela longo e complexo o processo de aprendizagem que exige, por sua vez, uma formalização e uma sistematização adequada (1991, p. 219).

Sendo assim, é possível classificar/tipificar os diferentes saberes. A princípio preciso reconhecer a pluralidade e heterogeneidade do saber docente, destacando a importância dos saberes da experiência que

surgem como núcleo vital do saber docente, a partir do qual o(a)s professor(a)s tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Nesse sentido os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, “polidos” e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido (TARDIF, 1991, p. 234).

Em primeiro lugar, devemos considerar que Tardif et al (1991) nos mostram que “a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos já constituídos, (pois) sua prática integra diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações” (p. 218). Dessa forma, para dar conta dos objetivos traçados, os professores se utilizam: dos saberes das disciplinas, dos saberes curriculares, dos saberes da formação profissional e dos saberes da experiência. Desse modo, essa mescla de saberes constitui de acordo com os autores, o que possivelmente é necessário para saber ensinar. Para Tardif (2006), os saberes das disciplinas são os saberes específicos, relacionados aos diversos campos do

41 conhecimento; os saberes curriculares correspondem aos objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a escola categoriza e apresenta os saberes sociais; os saberes da formação profissional são aqueles que são transmitidos na Universidade e geralmente passam a ser incorporados na prática docente; já os saberes da experiência perpassam o saber-ser e o saber-fazer do docente, com traços de sua personalidade e uma retradução dos outros saberes nesse.

Já Pimenta (1999) apresenta uma outra forma de identificar esses tipos de saberes. Ela os tipifica em três

da experiência, que seria aquele aprendido pelo professor desde quando aluno, com os professores significativos etc., assim como o que é produzido na prática num processo de reflexão e troca com os colegas; do conhecimento, que abrange a revisão da função da escola na transmissão dos conhecimentos e as suas especialidades num contexto contemporâneo; e dos saberes pedagógicos, aquele que abrange a questão do conhecimento juntamente com o saber da experiência e dos conteúdos específicos e que será construído a partir das necessidades pedagógicas reais(PIMENTA apud NUNES, 2001, p. 34, grifo meu).

De todo modo, como se pode perceber, tanto a tipificação de Pimenta (1999) quanto de Tardif (2006) estão interligados e perpassam os mesmos aportes teóricos. Por esta razão, nessa dissertação uso de vários aspectos dos saberes docentes tratados por esses dois pesquisadores que estão relacionados com a aprendizagem docente. Para tanto, recorro a Tardif et al (1991), quando consideram os diversos tipos de saberes como integradores da prática docente, sendo a diferença a relação que o professor estabelece com cada um deles:

Com os saberes das disciplinas curriculares e de formação profissional mantém uma “relação de exterioridade”, ou alienação, porque já os recebe determinados em seu conteúdo e forma (...) Portanto esses conhecimentos não lhes pertencem, nem são definidos ou selecionados por eles. (...) Não obstante, com os saberes da experiência o professorado mantém uma “relação de interioridade”. E por meio dos saberes da experiência, os docentes se apropriam dos saberes das disciplinas, dos saberes curriculares e profissionais (TARDIF, et al., 1991, p. 8).

Dessa forma, é possível nos questionarmos: quais saberes devem ser construídos e qual o papel dos focos de aprendizagem docente nesse processo? A construção dos

42 saberes da experiência, do conhecimento e dos saberes pedagógicos é sem dúvida essenciais para a formação do professor. Tais saberes carregam consigo pressupostos teóricos e práticos de desenvolvimento profissional. No caso dos FAD, eles se mostram como alternativa para poder identificar esses saberes durante o processo de construção da prática pedagógica do professor e de sua identidade. O que é abordado com mais detalhes no capítulo três. Sendo assim, tais saberes sinalizam contribuir para a formação da identidade do professor, bem como do desenvolvimento de uma prática pedagógica reflexiva.