• Nenhum resultado encontrado

3 ARTE E SEU ENSINO NA FORMAÇÃO DOCENTE

3.3 FORMAÇÃO DOCENTE E ENSINO DA ARTE

Torna-se cada vez mais claro e compreensível o momento em que as discussões e medidas tomadas em relação à formação docente, como resultado das políticas educacionais no âmbito das políticas públicas, estão envoltas e expressam as contradições próprias da sociedade. De acordo com Shiroma, Moraes e Evangelista (2000),

O processo educativo forma as aptidões e comportamentos que lhes são necessários [...]. Adapta-se aos modos de formação técnica e comportamental adequados à produção e reprodução das formas particulares de organização do trabalho e da vida. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 9)

O estudo de Cruz (2011), a partir das entrevistas com os “pedagogos primordiais”, evidencia que no processo de formação em Pedagogia

[...] principalmente para aqueles que a cursaram nas décadas de 40 e 50, favoreceu uma sólida formação teórica, condição necessária, na visão dos entrevistados, para o processo do pensar, refletir, pesquisar e construir conhecimentos sobre a educação. (CRUZ, 2011, p. 71)

Segundo Cruz (2011, p. 71), os entrevistados consideram que tiveram a oportunidade de “estudar em profundidade” disciplinas de cunho predominantemente teórico, ficando a prática restrita às disciplinas de Metodologia e Didática, “predominando a ênfase na „teoria‟ com pouca prática.” Porém, historicamente, até a criação do Curso de Pedagogia, em 1939, o professor era formado no Curso Normal, com ênfase na dimensão prática, onde estava a força do Curso, na compreensão dos normalistas. A prática era o mote para o qual convergiam os estudos da fundamentação (CRUZ, 2011).

82

Cruz (2011) destaca que, desde o início do Curso, a ênfase estava no conhecimento teórico, na perspectiva de formar o “pensador em educação”, e o pensar se dava a partir dos clássicos da educação. Na medida em que esses alunos passam a serem professores, as principais mudanças que os pedagogos primordiais observam, segundo Cruz, são:

a) perda da densidade teórica; b) papel secundarizado do estudo dos clássicos em educação; c) dificuldade de construção de sínteses sobre o que é e como se elabora a Pedagogia a partir das diferentes disciplinas estudadas; d) baixo capital cultural dos alunos, dificultando o estudo teórico. (CRUZ, 2011, p. 125)

Sujeitos comprometidos e preocupados com a formação humana dividem espaço com os que insistentemente tentam fazer-se entender que estão efetivamente envolvidos e comprometidos com uma formação consistente, enquanto sua práxis demonstra o contrário. São elucidativos o movimento educacional e os documentos do Manifesto de 1932 que, conforme Gatti (2010), demonstram sinais de retrocesso. Para a autora, “no que se refere à formação dos professores, patinamos dentro do modelo instaurado no início do século XX e regredimos no referente ao aprofundamento dos conhecimentos e de sua formação cultural.” (GATTI, 2014, 202). Depois de quase um século, apesar de ter sido aprovada na LDB, a formação dos professores em nível superior e as políticas educacionais “não ofereceram condições para que essa formação fosse de tamanho suficiente para atender a todas as escolas de modo integrado.” (GATTI, 2014, p. 202).

Especificamente em se tratando do professor de Artes, em conformidade com o Projeto de Lei nº 7.032-B, de 2010, que altera os parágrafos 2º e 6º da LDB nº 9.394/96, é instituído como obrigatório no ensino de Artes, Música, Artes Plásticas e Artes Cênicas. Considerando as DCNs para o Curso de Pedagogia, compreende-se que o acadêmico estará, entre outras atribuições, habilitado para desenvolver, enquanto docente da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, todas as atividades das quatro linguagens em Arte. Desse modo, o que a legislação promove é a formação de um professor polivalente.

Entretanto, é necessário questionar se é possível o professor pedagogo ter conhecimento acerca das quatro linguagens em Arte, na medida em que sua formação é deficitária. Assim, torna-se necessário e fundamental a qualidade da formação pessoal do professor, segundo Iavelberg (2008).

83

A formação cultural é imprescindível, porque a aprendizagem ocorre a partir da assimilação ativa do aprendiz sobre os objetos do conhecimento, cuja fonte principal é a produção sócio-histórica de conhecimento nas distintas culturas, ou seja, na produção cultural contemporânea e histórica nos âmbitos regional, nacional e internacional. (IAVELBERG, 2008, p. 55)

A defesa da importância da formação cultural do professor no aprimoramento e na ampliação, visando uma formação intelectual do educador, é defesa de vários autores. Essa formação ocorre em vários espaços,31 pois, “[...] as diferentes práticas culturais vivenciadas pelos professores fora da escola também constituem os saberes docentes.” (CASTRO; MANO; PEREIRA, 2011, p. 539). Marx (2006), em seu tempo, alerta a respeito das consequências ao trabalhador que não tem acesso aos bens culturais e que, portanto, se revela em um sujeito insensível, sem fruição, cheio de carências humanas.

[...] quanto menos cada um comer, beber, comprar livros, for ao teatro ou ao baile, ao bar, quanto menos cada um pensar, amar, teorizar, cantar, pintar, poetar, etc., mais economizará, maior será a sua riqueza, que nem traça e nem ferrugem corroerão o seu capital. Quanto menos cada um for, quanto menos cada um pensar a sua vida, mais terá, e maior será a sua vida alienada. (MARX, 2006, p. 152)

Duarte (2010b) recorre a Gramsci para definir o trabalho intelectual que, por sua vez, se dá pela forma como o trabalho se insere na totalidade das relações sociais.

O que torna alguém um intelectual não é o fato de realizar uma atividade na qual predominem aspectos intelectuais, mas o fato de que esse indivíduo desempenhe na sociedade a função de intelectual, ou seja, trata-se de sua posição na divisão social do trabalho. (DUARTE, 2010b, p. 62)

A partir das diferentes concepções do ensino da Arte, como técnica, expressão e conhecimento, apreende-se que essa última perspectiva contribui de forma mais ampla e comprometida com a formação humana. Portanto, mesmo com

31 No dia 07 de dezembro de 2018, a turma do 4º período do Curso de Pedagogia, matriculada na

disciplina de Arte e Educação, Campus de Miracema/UFT, realizou uma visita técnica aos principais espaços de cultura da cidade de Palmas/TO. No relatório final da atividade de campo, descreveram o seguinte: “Os museus são importantes espaços de preservação da memória cultural de um povo, e responsáveis por seu patrimônio material e imaterial. Assim, apoiar a cultura é continuar promovendo o desenvolvimento cultural, inclusive dos patrimônios seja, histórico, geográfico, arqueológico, artístico e científico do Brasil, bem como a produção intelectual do povo brasileiro, que é o nosso principal patrimônio. Portanto, os museus, os memoriais, as exposições de arte, dentre outros, são a radiografia da história da nossa gente.” E, para as discentes, a atividade de campo propiciou “a compreensão sobre a importância dela [a arte] para o desenvolvimento humano, sendo ela um elemento contribuinte da formação humana, além de estimular a apreciação e a prática desta.” (GUIDA; SILVA, 2018, p. 7).

84

toda pressão que há na legislação, na literatura e nos debates acerca da ênfase e valorização de se aprender a partir da reflexão sobre a prática e dos relatos de experiência, é imprescindível adotar a proposta de Lanier (1999) sobre a necessidade dos programas de Arte-Educação trabalhar com: “[...] arte como meio de clarificar os modos pelos quais o mundo social, econômico e político atua e como isso pode ser incrementado. Isso significa, naturalmente, a arte a serviço da responsabilidade social.” (LANIER, 1999, p. 44-45).

Portanto, essa formação do pedagogo em Arte, necessariamente precisa ocorrer em nível superior, densa e construída a partir de um aparato científico, artístico e cultural e da assumência do poder público para com suas responsabilidades no campo da educação em geral, o que não ocorre em nossa sociedade.

85

4 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE E ENSINO DA ARTE: PROCESSO DE