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3.3 Breve panorama da avaliação externa no Brasil

3.3.2 A formação dos professores

No DF, a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (Eape), foi criada a partir da Lei 1619/97, para promover o aperfeiçoamento dos profissionais da educação. Desde 2015, após reestruturação pelo GDF, passou a chamar-se Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação, mantendo, no entanto, a mesma sigla. Sua função é “promover a formação continuada dos profissionais da Carreira Magistério Público e da Carreira Assistência à Educação do Distrito Federal” (DISTRITO FEDERAL, 2017, p. 1-2).

A formação continuada ocorre no próprio Eape, em polos regionais e em instituições parceiras por meio de: “cursos, congressos, conferências, seminários, simpósios, mesas-redondas, colóquios, fóruns, palestras, oficinas temáticas, projetos e outras ações similares de formação” (DISTRITO FEDERAL, 2017, p. 1-2).

Também é de atribuição do Eape, desenvolver processos seletivos para concessão de Bolsas de Estudo e Afastamento remunerado para estudos, direcionados aos servidores efetivos da SEEDF e validar cursos externos de instituições externas interessadas em ofertar cursos de formação continuada aos servidores. Especialmente nos anos iniciais, as formações inicial e continuada do professor são imprescindíveis na alfabetização e letramento não só da língua materna, mas também em relação à Matemática, quando as primeiras construções dos conceitos matemáticos são feitas.

O Eape, no cumprimento de suas atribuições, oferece formação continuada aos profissionais da Carreira Magistério Público do DF, nas modalidades presencial e/ou à distância com vistas à reelaboração dos saberes iniciais da formação bem como ao desenvolvimento de práticas educativas para a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens (DISTRITO FEDERAL, 2017).

No entanto, a oferta ainda não é extensiva a todos os professores da rede e, por isso, quando a demanda aumenta, os inscritos são selecionados a partir de sorteio ou ainda por ordem de inscrição, a exemplo do que ocorreu no último curso Pnaic,

oferecido pelo Eape em 2018, em parceria com a Coordenação de Formação Continuada de Professores (Cform). O antigo sistema de pontuação, para seleção dos cursistas, privilegiava os servidores com maior tempo na carreira magistério em prejuízo dos recém-nomeados. A prática vigente, apesar de ainda não ser a ideal, oportuniza formação àqueles com pouca ou nenhuma experiência em sala de aula.

Toda a sociedade beneficia-se com a formação continuada do professor pois ela favorece, conforme Sandes e Moreira (2018, p. 106), a formação de “sujeitos capazes de pensar, questionar, criar e ousar, munidos de um conhecimento que lhes foi outorgado”.

Em comunhão com os currículos, a Base Nacional Comum Curricular34- BNCC

(BRASIL, 2018) visa assegurar as aprendizagens mediante um conjunto de decisões, às quais inclui a criação e a manutenção de processos permanentes de formação dos professores cujo objetivo é o contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem em todas as áreas do conhecimento.

As formações inicial e continuada fomentam práticas educativas que colaboram com a melhoria da qualidade educacional do país e é imprescindível na alfabetização e letramento não só da língua materna, mas também em relação à Matemática, quando as primeiras construções dos conceitos matemáticos são feitas.

À vista disso, Albuquerque e Gontijo (2013, p. 79) enfatizam que:

Proporcionar uma formação que ofereça condições de apropriação de elementos que constituirão o saber docente é necessário para que, além de dominar o conhecimento matemático, por meio da construção desse conhecimento específico, o professor consiga transformá-lo em conhecimento matemático escolar.

A formação apropriada é uma das condições para o professor, conforme prevê a BNCC (BRASIL, 2018), assumir o comprometimento com o desenvolvimento do letramento tanto da língua materna quanto da Matemática.

Porém, o descompromisso com as políticas públicas educacionais no Brasil tem sido demonstrado em atitudes arbitrárias, a exemplo da recente extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Em substituição, foi criada a Secretaria de Alfabetização e nomeado Carlos Nadalim

34 A Base Nacional Comum Curricular é um documento com caráter normativo que estabelece o

conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver no decorre da Educação Básica, conforme previsto no Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2015a).

(2018) como secretário. Ele defende o ensino domiciliar em detrimento do investimento na formação inicial e continuada e considera que, no sistema educacional do Brasil, há “preocupação exagerada com a construção de uma sociedade igualitária, democrática e pluralista, em formar leitores críticos e conscientes” (NADALIM, 2018, online, s/p).

Em consonância com esse discurso, assistimos o desmantelamento das Universidades públicas, tendo em vista a retirada de recursos financeiros, bem como as ameaças de extinção dos cursos de filosofia e sociologia, revelando a incoerência de um governo doutrinado por um autointitulado “filósofo”, sem qualquer formação acadêmica. Essa tentativa de desqualificar a constituição integral do indivíduo: crítico, reflexivo e ciente de seus direitos e deveres, encontra justificativa no atual cenário político, pois “nenhuma ‘ordem’ opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a dizer: Por quê”? (FREIRE, 2013, p. 106, grifo do autor). Outrossim, seria uma ingenuidade esperar que as classes dominantes investissem numa educação libertadora de forma que as classes dominadas, percebendo as injustiças sociais, se manifestassem contra seus opressores (FREIRE, 1981).

Não obstante, compondo o conjunto de medidas para a “educação”, proposto pelo recém nomeado governo do Distrito Federal, está a retirada de direitos da comunidade escolar, a começar pelo projeto de lei nº 123/2019, encaminhado à Câmara, cuja concepção limita a concessão do passe aos estudantes do Distrito Federal. O benefício do Passe Livre Estudantil é essencial à garantia do direito à educação, previsto em nossa Carta Magna de 1988 (Art. 205). Sua restrição pode contribuir para aumentar, ainda mais, os índices de evasão escolar.

Aliado do governo federal que, a partir do Decreto nº 9.665, de 2 de janeiro de 2019, criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-militares, o governador Ibaneis Rocha iniciou a militarização das escolas públicas do DF. Ao argumentar diminuição da violência e melhora no desempenho escolar com a militarização, ele maquia os reais problemas da educação que, há muito, carece de investimento.

Os colégios militares, além de receberem maiores recursos financeiros, pré- selecionam seus estudantes com exames de admissão que incluem provas escritas com caráter eliminatório e classificatório, entrevistas, testes psicopedagógicos e atestado de aptidão física, de caráter eliminatório. Assim, têm poder de vetar o acesso aos estudantes “indesejáveis” e selecionam os mais “aptos” para a apresentação de melhores resultados.

A militarização das escolas públicas fere as leis de Gestão Democrática e a própria Constituição Federal (1988) que garante educação pública, gratuita e de qualidade a todos os brasileiros, com igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, conforme mencionado anteriormente. Destarte, a implementação desse modelo educacional, cujo tratamento se aproxima da abordagem sócio-educativa-prisional, impõe um poder disciplinar que “em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (FOUCAULT, 2014, p. 167, grifo do autor). Nessa perspectiva, privilegia-se a educação para a obediência em detrimento do educar para a criatividade, para a resolução de problemas da vida real.

Ademais, a anulação das individualidades com a imposição de cortes e penteados de cabelos e uso de fardamento, fortalece o discurso neoliberal de que todos são iguais e que o sucesso na aprendizagem é só uma questão de mérito. Assim, a responsabilidade pelo fracasso recai exclusivamente sobre o estudante, uma vez que “a todos foram dadas as mesmas oportunidades”. Não basta proporcionar igualdade de acesso se todo o resto permanece inalterado (FERNANDES, 2009), por isso, sem equidade não há igualdade de oportunidades.

A polícia deve estar do lado de fora da escola, garantindo proteção à sociedade e, especialmente ao estudante, um trajeto seguro. Historicamente, negros e pobres são os mais atingidos pela polícia durante a repressão aos desvios de conduta. E na escola, essa repressão será estabelecida na forma de suspensão, expulsão? Desse modo, percebe-se a fomentação da violência, ao invés de seu combate. No entanto, a maior violência se consolida na contínua violação dos direitos humanos, refletida na desigualdade e na injustiça social.

Segundo a Unesco (2010) é preciso cultivar a cultura da paz na escola. Portanto,

[...] falar em cultura de paz é falar dos valores essenciais à vida democrática. Valores como igualdade, respeito aos direitos humanos, respeito à diversidade cultural, justiça, liberdade, tolerância, diálogo, reconciliação, solidariedade, desenvolvimento e justiça social (BRASIL, 2010, p.12).

À vista disso, o combate à violência e a melhoria na qualidade da educação dependem do investimento na educação que perpassa pela melhoria da formação inicial dos professores, pelo auxílio a estados e municípios na implementação da

BNCC e pela continuidade da avaliação da qualidade da educação com devolutivas que auxiliem as redes de ensino a perceber suas potencialidades e fragilidades.

Destarte, a formação de estudantes com autonomia de pensamento depende, em grande parte, da formação de professores críticos e com liberdade para manifestar-se, encorajados à expressão de ideias divergentes. Assim também, nos anos iniciais, percebe-se o intrínseco relacionamento entre a língua materna e a linguagem matemática, pois se para aprender a escrever, a criança se apoia na fala, “na aprendizagem da Matemática, a expressão oral também desempenha um papel fundamental” (BRASIL, 2001, p. 64) na comunicação escrita de resultados que podem estar representados a partir de elementos da língua-mãe ou a partir do uso de símbolos matemáticos.

Em consonância com a aprendizagem da leitura e da escrita, a aprendizagem matemática deve ocorrer de forma a considerar a realidade e as vivências dos estudantes. O Letramento em Matemática é, portanto, o domínio da linguagem e dos registros matemáticos, também designado numeramento. Segundo definição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o letramento matemático

[...] é a capacidade de formular, empregar e interpretar a matemática em uma série de contextos, o que inclui raciocinar matematicamente e utilizar conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticos para descrever, explicar e prever fenômenos. Isso ajuda os indivíduos a reconhecer o papel que a matemática desempenha no mundo e faz com que cidadãos construtivos, engajados e reflexivos possam fazer julgamentos bem fundamentados e tomar as decisões necessárias (BRASIL, 2016, p. 138).

Esse conhecimento torna-se imprescindível em circunstâncias que demandam combinação de “respostas numéricas e interpretativas, de tal modo que práticas de leitura, escrita e as práticas de numeramento são interdependentes” (GAL,1998, apud FERNANDES; JUNIOR, 2015, p. 127).

Nadalim (2018) afirma que o método fônico resolverá os problemas da alfabetização no Brasil, apoiado em uma experiência com 141 estudantes da Educação Infantil ao 5º ano de uma pequena escola em Londrina – PR, administrada por sua família. Além disso, considera que o “letramento é o vilão da alfabetização” (NADALIM, 2018, online) e desvaloriza a prevalência do construtivismo nas diretrizes do Ministério da Educação bem como as competências gerais da Educação Básica, garantidas na BNCC (BRASIL, 2018), conforme termos da LDB (BRASIL, 1996).

É grave a tentativa de desconstrução da concepção de educação integral, preconizados nos documentos que regulamentam o currículo da Educação Básica, especialmente, porque ferem as bases teóricas da Pedagogia Histórico-crítica e da Psicologia Histórico-Cultural que fundamentam o Currículo em Movimento do Distrito Federal e corroboram os pressupostos consolidados nas Diretrizes de Avaliação Educacional.

A formação do professor é uma questão urgente a ser discutida pelo Ministério da Educação, conforme evidencia Soares (2018, s/p).

A formação do alfabetizador no Brasil é absolutamente inadequada. Digo mais: ela não existe. Professores, nos cursos de Pedagogia não discutem os fundamentos da alfabetização, não discutem como a criança aprende e, portanto, como se deve ensinar.

Doutora em Educação e referência em alfabetização e letramento, Magda Soares já publicou mais de 40 títulos, é pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) e há 11 anos está envolvida com a aprendizagem da língua escrita em toda uma rede pública, com sucessos significativos na alfabetização.

Ora, não basta o estudante decodificar letras e números sem compreender ou aplicar na sua vida diária. Destarte, Soares (2004) adverte que é preciso distinguir alfabetização de letramento, mas reitera a importância da prática de alfabetizar letrando, a partir da consciência fonológica e com base em textos reais, significativos para a criança porque “a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento” (SOARES, 2004, p. 97).

As atuais diretrizes do Ministério da Educação valorizam os achados científicos da alfabetização de crianças, a exemplo da pesquisa de Emília Ferreiro e outros estudiosos. Ferreiro (2001) aponta que o estudante deve ser sujeito da aprendizagem, construtor de seu conhecimento, tendo o professor como importante mediador, auxiliando o discente a ir além dos códigos de leitura e escrita e a compreender o significado da aprendizagem para usá-la no cotidiano de forma a atender às exigências da própria sociedade.

A referida autora preconiza que não são métodos, testes ou novos materiais que alfabetizam, mas a própria criança é quem constrói de forma original, a compreensão do sistema de escrita, a partir das hipóteses que elabora porque é “um

sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu” (FERREIRO, 2001, p. 41).

Ademais, o tipo de prática pedagógica adotado faz toda a diferença para o estudante nessa construção: se uma prática limitada, autoritária, onde o estudante é passivo e apenas recebe um conhecimento pronto, acabado ou uma prática para a independência e participação ativa.

Consentaneamente, é possível conceituar alfabetização como sendo um processo de apropriação do sistema de escrita que permite ao indivíduo ler e escrever com autonomia. Por sua vez, o letramento vai além do ensino dos códigos de leitura e escrita com grande importância para a conquista da cidadania. Inicia-se na convivência com as diferentes manifestações da escrita na sociedade, prolongando- se por toda a vida. É a apropriação da leitura e da escrita e de suas práticas sociais de forma significativa.