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O processo de profissionalização do trabalho docente em Mato Grosso, no século XIX, merece ser investigado, já que sua formação foi perpassada pela transmissão de saberes que

influenciaram hábitos, atitudes, habilidades e valores, tanto do professorado como dos educandos.

Julia (2001), ao afirmar a importância de se avaliar o papel desempenhado pela profissionalização docente e os critérios de recrutamento dos professores, por meio do estudo da cultura escolar, assegura que:

Na análise histórica da cultura escolar, parece-me de fato fundamental estudar como e sobre quais critérios precisos foram recrutados os professores de cada nível escolar: quais são os saberes e o habitus requeridos de um futuro professor? (JULIA, 2001, p. 24) [grifo do autor].

Para se estudar o recrutamento e os habitus requeridos dos professores mato-grossenses faz-se necessário remeter ao processo de consolidação da Escola Normal enquanto instituição destinada à formação docente.

A origem da Escola Normal brasileira possui suas bases no movimento reformista protestante. No entanto, foi somente na Revolução Francesa que surgiu a idéia e a criação de uma Escola Normal pública e laica destinada à formação de professores para o ensino primário (SILVA, 2000, p.17).

As primeiras experiências dessa implantação ocorreram na tentativa de igualar o País às nações civilizadas. A primeira Escola Normal brasileira nasceu na cidade de Niterói, província do Rio de Janeiro, em 1835. Logo em seguida, pôde-se constatar “[...] uma seqüência de atos de criação dessas escolas em vários pontos do país: província de Minas Gerais (1835), Rio de Janeiro (1835), Bahia (1836), São Paulo (1846)” (VILLELA, 2003, p. 104).

Por um lado, a criação dessas escolas de formação a partir das décadas de 1830 e 1840, marcou uma nova etapa no processo de institucionalização da profissão docente, por terem sido instituídas com o intuito de aumentar quantitativa e qualitativamente o número de profissionais da educação. Por outro, apesar do pioneirismo brasileiro em implantar escolas de formação de professores, “[...] durante todo o século XIX esse tipo de formação se caracterizaria por um ritmo alternado de avanços e retrocessos, de infindáveis reformas, criações e extinções de escolas normais”. Em decorrência disso, a “[...] adesão dos professores a esse processo de estabilização não ocorre sem contradições. Se, de um lado, estão submetidos a um controle ideológico, de outro têm meios de produzir um discurso próprio e de se organizar como categoria profissional [...]” (VILLELA, 2003, p. 100-101).

Esses avanços e retrocessos no processo de profissionalização docente no País evidenciam os problemas estruturais da administração das províncias, que não possuíam

alicerces para criar e manter em funcionamento as escolas de formação de professores, como foi o caso da província de Mato Grosso.

A Escola Normal erigida no cenário educacional mato-grossense no século XIX sofreu avanços e retrocessos em seu processo de consolidação enquanto instituição destinada à formação do corpo docente da instrução primária local.

O pano de fundo do ensino primário brasileiro nessa época configurava-se com os interesses dos dirigentes políticos em construir o ideário de nacionalidade. Em Mato Grosso, para assegurar o recrutamento de professores na carreira do magistério e, ainda, para concretizar o ideal da implantação da Escola Normal, a Lei nº 8, de 5 de maio de 1837, autorizou o governo a contratar uma pessoa de outra localidade, com a devida capacitação que pudesse vir à Província para implantar e reger a instituição. Caso não se conhecesse alguém apto, haveria, então, a possibilidade do envio de uma pessoa para residir na corte, a fim de se instruir na Escola Normal da província do Rio de Janeiro.

No que diz respeito a tais autorizações de contratos, o Art. 6º dizia que:

[...] o Governo é autorizado desde já a contratar com um cidadão brasileiro a regência da cadeira pelo tempo que for conveniente, e com o vencimento de que se fará menção no título segundo, além da indenização da viagem caso tenha lugar; e quando nenhum apareça com reconhecida aptidão, poderá contratar com quem vá instruir-se na Escola Normal da Província do Rio de Janeiro, e venha reger a cadeira, tomando em todo o caso as necessárias cautelas para que não seja a Fazenda Pública lesada, ou a Província iludida (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 12).

Na tentativa de realizar o que fora legalmente proposto, o governo de Mato Grosso, no ano de 1838, enviou a Niterói o professor Joaquim Felicíssimo de Almeida Louzada, com a finalidade de propiciar-lhe uma adequada formação profissional, de modo que, em seu regresso, pudesse reger a Escola Normal em Cuiabá.

Essa disposição foi descrita no relatório proferido pelo Presidente Estêvão Ribeiro de Rezende, enviado à Assembléia Legislativa Provincial em 1º de março de 1840:

No último Relatório comuniquei o que então ocorria sobre o aproveitamento do cidadão Joaquim Felicíssimo de Almeida Louzada, que, por contrato com o Governo, foi instruir-se na Escola Normal da cidade de Niterói para vir reger uma outra nesta Capital: tenho, pois, agora a acrescentar que, havendo-me ele participado dever ultimar os seus estudos em princípios do corrente ano e regressar para esta Província em abril [...] mandei-lhe dar um tempo no Rio de Janeiro a ajuda de custo, que lhe garantiu o contrato celebrado para as despesas da sua viagem (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1840).

Com a volta do Professor Louzada, pretendia-se, então, implantar a Escola Normal. No entanto, não foi o que ocorreu. A carência de profissionais habilitados para atuar nos diversos setores públicos e administrativos da província de Mato Grosso fez com que o referido professor, por seu prestígio e formação, passasse a responder pela Secretaria do Governo da Província, deixando de lado o antigo projeto.

Mesmo sem contar com a administração de Louzada, a Escola Normal de Cuiabá foi instalada em 1840. Contudo, foi extinta quatro anos depois por não haver quadro de professores capacitados para o exercício do cargo, por falta de espaço físico adequado ao seu o funcionamento e pela precariedade de verbas provinciais para a manutenção da instituição.

Essa extinção foi descrita pelo Presidente da Província Ricardo José Gomes Jardim, da seguinte forma:

Lei Provincial de 5 de maio de 1837, que regulou o modo de inspeção sobre as escolas e a habilitação, concurso, preferência, provimento e demissão dos professores. Muitas das cadeiras criadas de primeiras letras estão vagas e quase nenhuma das providas é freqüentada por grande número de discípulos, o que tudo explica-se pelos diminutos ordenados marcados aos professores, e pela falência de pessoas versadas nas matérias que eles devem ensinar e cabe aqui participar-vos que a Escola Normal estabelecida nesta cidade com o fim de acautelar este obstáculo, habilitando candidatos ao professorado das escolas públicas, deixou de existir no dia 9 de novembro do ano passado próximo, em que se findara o prazo contratado pelo respectivo professor que, por doente e desgostoso do pequeno número de discípulos aplicados, não desejou continuar, como aliás lhe seria facultado de ulterior deliberação Vossa (MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1845).

Na falta dessa escola de formação de professores, a instrução pública na Província enfrentou obstáculos ainda maiores para subsistir. Segundo Jardim, os principais problemas consistiam “[...] principalmente, na falta de pessoas dedicadas e habilitadas para o ensino primário, na insuficiência dos ordenados marcados para os mestres [...]”, que não podiam ser pagos pontualmente (MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1846).

O Presidente sucessor Joaquim José de Oliveira declarou que a deficiência dos cofres provinciais fazia com que a instrução pública não tivesse “[...] apresentado desenvolvimento algum por falta de mestres [...]”, devido aos “[...] mesquinhos ordenados” e aos “[...] pagamentos sempre atrasados” (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1848). Observa-se que a falta de recrutamento necessário ao exercício da profissão era acompanhada de baixos salários e precárias condições de trabalho faziam com que pessoas sem habilitação na área de educação fossem designadas para o cargo de professor.

Em 1874 foi sancionada a Lei n° 13 que autorizava a criação do Curso Normal na província de Mato Grosso, na tentativa de resolver ou pelo menos amenizar a falta de habilitação no magistério.

Segundo o Presidente da Província, o Brigadeiro Alexandre Manuel Albino de Carvalho:

Escola Normal: Acha-se instalada nesta Capital desde o dia 3 de fevereiro último, a Escola Normal criada pela Lei Provincial nº 13, de 9 de julho de 1874, a qual funciona no edifício provincial sito à rua Coronel Peixoto, e para esse fim destinado (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1875).

Portanto, em fevereiro de 1875, o Curso Normal passou a funcionar em prédio próprio. Nesse período, o currículo foi organizado prevendo três anos de duração. As disciplinas escolares que o compunham eram Gramática da Língua Nacional, Pedagogia, Matemáticas Elementares, Geografia e História. O corpo discente era formado por alunos ouvintes e alunos mestres. O quadro de professores era composto por Antônio Catilina da Silva, Dormevil José dos Santos Malhado, José Estevão Corrêa e José Roberto da Cunha Bacelar (SILVA, 2000, p. 22).

De acordo com os relatórios de presidentes e inspetores provinciais, o Curso Normal

gerava expectativas de melhoria para o ensino na região mato-grossense. Isso porque os

dirigentes locais justificavam, constantemente, que a precariedade da instrução pública estava

intrinsecamente ligada à falta de uma escola que habilitasse os profissionais da educação.

Segundo o General Hermes Ernesto da Fonseca:

Enquanto a Escola Normal não der número suficiente de professores habilitados, e que estes se resignam a aceitar o magistério nos confins da Província é de necessidade aceitar-se quem possa ensinar o que sabe: ensine-se ao menos a ler, escrever e fazer as quatro operações ordinárias da aritmética, embora sem preceito; antes isto do que deixar analfabeta a geração que se está desenvolvendo (MATO GROSSO, Presidência da Província, Fala, 1877).

Dessa forma, enquanto a instrução pública de Mato Grosso não contasse com professores habilitados, os dirigentes da Província deveriam continuar aceitando, para o exercício do magistério, pessoas que soubessem ao menos os rudimentos da leitura, da escrita e do cálculo.

No ano de 1879, o governo local fez novo investimento para a consolidação do Curso Normal em Cuiabá, criando o Liceu Cuiabano, em 3 de dezembro de 1879. Inaugurado no dia 7 de março de 1880, esse estabelecimento de ensino foi a primeira instituição pública secundária da província de Mato Grosso (SIQUEIRA, 2000, p.185).

No momento de fundação, o Liceu Cuiabano agregou dois cursos de humanidades, a saber:

O Curso Normal, que se restringe à gramática da língua nacional, filosofia e literatura pátria, pedagogia e metodologia, matemática elementar, geografia geral e história do Brasil; e o Curso chamado de Línguas e Ciências preparatórias, que abrange, além das disciplinas que constituem o curso Normal, com exceção de pedagogia e metodologia, as seguintes matérias: latim, francês, inglês, filosofia racional e moral, retórica, e história universal. O primeiro destes dois cursos tem por fim preparar professores e professoras para o magistério do ensino primário; o segundo habilitar os aspirantes à matrícula nos cursos superiores do País (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1880).

O fortalecimento do Curso Normal, por meio da junção dos cursos Normal e de Línguas Preparatórias, coincidiu com a implantação do ensino misto no cenário mato-grossense. Esse foi o momento em que “[...] foi dada preferência, na regência das escolas mistas às mulheres”. Contudo, “[...] durante todo o Império, à mulher coube transitar apenas no espaço do ensino primário, sendo que o secundário era território masculino por excelência” (SIQUEIRA, 2000, p. 146).

Figura 7: Liceu Cuiabano Fonte: Freitas (1914)

Assim, a presença feminina, tão rara no ensino público da década de 70, multiplicou-se na de 80, numa demonstração de que esse trabalho docente era representado por uma extensão do papel doméstico de filha, mãe e esposa, atribuindo à professora um status de ser dessexuada e maternal (SIQUEIRA, 2000, p. 160).

O papel e o status designados à mulher para esse ofício podem ser verificados nas falas dos dirigentes da época. Segundo o Presidente da Província João José Pedrosa:

Melhor seria, por certo, que as escolas mistas pudessem ser regidas por senhoras, de preferência aos homens.

A mulher tem o instinto da educação, como observa Gréard (Rapport sur l’enseignement primaire), estuda melhor os temperamentos e as inclinações das crianças: como filha, como irmã, como esposa, como mãe,

principalmente, ela está habituada à abnegação, ao sacrifício. Sua constância, impregnada de ternura, cativa às crianças (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1879).

Nota-se, por esse discurso, que já havia no momento calorosa discussão concernente à co-educação, uma vez que a feminilização do magistério primário estava em voga.

De acordo com Siqueira (2000, p. 191), esse processo coincidiu “[...] com a introdução de competentes e vigorosos discursos favoráveis à co-educação[...]”. Durante o século XIX e, principalmente, a partir de 1870, foi se construindo a idéia de que “[...] a mulher tinha ‘naturalmente’ e por seu maternalismo, vocação para o magistério”.

Dessa maneira, o Curso Normal ficou incorporado ao Curso de Línguas e Ciências Preparatórias, até 1889 e com o advento da Reforma Souza Bandeira, no mesmo ano, ganhou independência com a criação do Externato Feminino, que tinha o objetivo de formar professores primários. O quadro de professores desse Externato era o mesmo que o do Liceu, embora não recebessem nenhuma remuneração pela carga horária extra de trabalho (Silva, 2000, p. 24).

Conforme Siqueira (2000, p. 191), o “[...] antigo Curso Normal transfomar-se-ia no Externato do Sexo Feminino [...]”, tornando-se uma instituição destinada, excepcionalmente, à formação de professoras:

As matérias ministradas no Externato Feminino eram: Gramática Portuguesa, Aritmética e Geografia Plana, Pedagogia, Francês, noções de História Natural, Religião, Música Desenho e Ginástica. Nesse mesmo período, as escolas primárias de Cuiabá deveriam servir de modelo para as demais no interior. Durante o período da manhã, deveriam cursar a escola primária as crianças de até 9 anos, sendo que o da tarde, era dedicado à preparação das mestras (SIQUEIRA, 2000, p. 191).

Já em 1892, o antigo Curso Normal foi transferido para o prédio do Liceu. Após dois anos, o Presidente Joaquim Murtinho declarou uma nova separação, que interrompeu terminantemente o funcionamento do Curso. Assim, o ideal de consolidação da Escola Normal de Mato Grosso só se tornou possível na primeira década do século XX, com a criação da Escola Normal Pedro Celestino, construída em prédio próprio na cidade de Cuiabá. Mas como se explica a permanência dos professores leigos junto às escolas primárias ao longo de todo o século XIX? Quais saberes eram deles requeridos? Que práticas desenvolviam nas escolas?

Embora não possuísse formação institucionalizada, a maior parte dos professores leigos ingressava na carreira do magistério inventando novas maneiras de fazer o trabalho pedagógico.

Os discursos políticos e administrativos da Província sempre evidenciaram a “falta” ou as “falhas” na prática docente. Nos relatórios – a exemplo da fala do Presidente da Província, o Capitão de Fragata Augusto Leverger –, muitos dirigentes afirmavam que alguns professores mal sabiam aquilo que deveriam ensinar (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1851).

Apesar dessas críticas, esses documentos também exprimiam o porquê da permanência desses profissionais leigos na Instrução Pública de Mato Grosso, pois, no mesmo relatório, o Presidente da Província admitiu que seria melhor para os alunos receberem a pouca instrução transmitida pelos docentes do que viverem na “ignorância absoluta” (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1851).

Portanto, é notório que, diante da falta de profissionais devidamente recrutados para

atuar nas escolas primárias, a administração pública não podia exigir desempenho maior por

parte do professorado. De acordo com o Presidente da Província:

Os atuais Professores Públicos, com mui poucas exceções, não têm todos os conhecimentos necessários para o Magistério; exigi-los, porém, desde já para o provimento das Cadeiras que forem vagando, seria o mesmo que deixá-las sem concorrentes, e a mocidade privada do Ensino Primário, sempre útil, ainda quando dado imperfeitamente (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1862).

Os editais de concursos para cadeiras de primeiras letras eram fixados pela Assembléia Legislativa e pela Presidência da Instrução Pública, porém muitas delas deixaram de ser providas por falta de professores, pois os poucos que atuavam ainda sofriam com a falta de pagamento.

Dessa forma, os critérios de seleção dos concursos pautavam-se em avaliar e considerar mais o grau de moralidade e de idoneidade dos candidatos do que seu nível de instrução. No que diz respeito a esses requisitos, o Inspetor Joaquim Gaudie Ley afirmou que se os professores existentes em sua maioria não tivessem habilitações, ao menos, considerava-os “[...] todos idôneos pelo lado da moralidade e dedicação aos seus deveres” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1866).

Nessa fala, nota-se que a valorização da idoneidade, da moralidade e do cumprimento dos deveres perante o Estado evidencia que os professores, enquanto servidores públicos, deveriam ser agentes do ideário do Estado, pois, conforme Mattos (1987, p. 269) [grifo do autor], criar “[...] a carreira do magistério era, antes de tudo, tornar o professor primário um poderoso agente do Estado”.

Portanto, os critérios que prevaleciam na aprovação dos candidatos ao professorado público de Mato Grosso, no século XIX, eram de ordem moral e religiosa. E, apesar de não receberem recrutamento em instituição especializa, os professores deveriam ser formados pelo Estado ao longo da carreira do magistério. Mas como acontecia essa formação?

Pressupõe-se que o recrutamento ofertado ao professores baseava-se quase que totalmente, para não dizer de forma integral, em orientações morais difundidas pela Igreja e pelo Estado, as quais eram explicitadas no corpo normativo da instrução pública que regia o funcionamento das escolas de primeiras letras.

As orientações estabeleciam que, além de ministrar o ensino religioso em sala, os professores também teriam a responsabilidade de acompanhar seus alunos à Igreja em feriados e dias santos. Assim, esses agentes do Estado, que atuavam junto à população, poderiam inculcar no alunado preceitos morais e de civilidade, para moldar comportamentos e exercer o controle social pretendido.

Esses direcionamentos morais articulavam-se com os conteúdos de ensino de cada disciplina escolar. No que diz respeito ao ensino da leitura e da escrita, havia um incentivo para que fosse empreendido, prioritariamente, por textos legislativos e/ou de cunho religioso, pois, ao mesmo tempo em que os alunos fossem instruídos nas letras, eles também seriam educados, de modo a conhecer seus direitos e cumprir os deveres sem contrariar os preceitos do Estado.

Acredita-se que os conhecimentos didático-pedagógicos e o domínio dos conteúdos de cada matéria de ensino por parte dos professores eram baseados em suas experiências sociais, culturais e religiosas. E de acordo com a documentação pesquisada é possível identificar pelo menos dois tipos de professores leigos que atuavam na instrução primária.

Havia um grupo de profissionais que, apesar de possuir um conjunto de culturas – familiar, social, política, religiosa e até mesmo profissional –, não sabiam ou não conseguiam transmitir minimamente os saberes, nem operacionalizar as práticas que deveriam ser desenvolvidas no cotidiano escolar. Pressupõe-se que esses não tinham adquirido os conteúdos básicos a serem ensinados aos alunos, pois segundo o Inspetor Joaquim Gaudie Ley, dois terços dos professores não possuíam habilitação necessária ao exercício do magistério, uma vez que lhes faltavam vocação e indispensável instrução para “[...] ensinar ao menos ler e escrever corretamente”. Contudo, mesmo sabendo dessas inabilidades, convinha ao governo local mantê-los nos cargos para que houvesse instrução. (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1867).

Existia também um grupo de professores leigos que ensinava o que sabia e do modo como lhe convinha. Ao analisar a práticas desencadeadas na Província no ano de 1874, o Inspetor Pe. Ernesto Camilo Barreto afirmou que cada professor ensinava “[...] pelo modo porque aprendeu, e cada um aprendeu pelo que mais lhe convém” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).

Conjectura-se que os professores mencionados por Barreto construíam, ao longo de sua vida profissional, uma formação alicerçada em um conjunto de culturas que fazia parte do seu cotidiano, desde a vivência familiar até sua cultura profissional que, por sua vez, compunha a cultura escolar. A fala de Barreto é rica em sentidos, uma vez que ajuda a pensar a configuração da cultura escolar mato-grossense, bem como a invenção e a subversão que o