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2.3 CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO EDUCACIONAL

2.3.1 Formação e a esfera produtiva

Segundo Catani, Dourado e Oliveira (2001), a reestruturação produtiva interfere diretamente na esfera da produção do conhecimento e na formação profissional. E como afirmam os autores:

Vivemos uma conjuntura histórica permeada por cenários complexos e contraditórios, especialmente no que tange às transformações no mundo do trabalho. Dentre os processos sociais e as polêmicas contemporâneas destacam-se, atualmente, aquelas envolvendo a problemática do conhecimento e da formação profissional face ao processo de reestruturação produtiva do capitalismo global (CATANI, DOURADO, & OLIVEIRA, 2001, p.68).

A reestruturação produtiva mencionada pelos autores trata-se da flexibilização possibilitada, inicialmente, pelo toyotismo. E como afirma Kuenzer (2016, p. 3), “a aprendizagem flexível surge como uma das expressões do projeto pedagógico da acumulação flexível” [...]. A autora explica que para uma formação flexível ser viabilizada, é necessário substituir a formação especializada, adquirida em cursos profissionalizantes (com foco em ocupações parciais, geralmente de curta duração), pela formação geral. Isso fará o trabalhador se adaptar à seguinte prerrogativa: “aprender ao longo da vida”. Nas palavras da autora: “se o trabalhador transitará, ao longo de sua trajetória laboral, por inúmeras ocupações e oportunidades de educação profissional, não há razão para investir em formação profissional especializada”51 (KUENZER, 2016, p.3). Desse modo, ao afirmar que o trabalho flexível exige a capacidade de trabalhar intelectualmente, o regime de acumulação

51

Entendemos que essa é uma das razões (como veremos na análise dos dados, no capítulo III) para que, especialmente os CT, tenham em suas matrizes curriculares, disciplinas do campo da psicologia. Esse também é um dos motivos dos IFs ofertarem educação em todos os níveis de ensino.

flexível legitima a ampliação da escolaridade básica e superior, seguida da capacitação profissional continuada, atendendo assim, às novas demandas do setor produtivo.

Duarte (2008, p.12) corrobora com a visão exposta dizendo que é evidente o caráter adaptativo da pedagogia do “aprender a aprender”. “Trata-se de preparar os indivíduos, formando neles as competências necessárias à condição de desempregado, deficiente, mãe solteira, etc.”. E, como afirma Kuenzer (2016), o discurso vigente acerca da necessidade de elevação dos níveis de conhecimento e capacidade de trabalhar intelectualmente, quando analisado à luz da lógica da acumulação flexível, revela a necessidade de ter disponível força de trabalho com qualificações desiguais e distintas que, articuladas em equipes, linhas, células, atendam a diferentes formas de contratação, subcontratação e acordos precários, que firmam os níveis desejados de produtividade.

Aspecto também vinculado à acumulação flexível e que ganhou espaço e atenção a partir da década de 1990 é a empregabilidade. Conforme aponta Gentili (2002), a empregabilidade pode ser definida como o eixo fundamental de um conjunto de políticas que, supostamente, deveriam diminuir a possibilidade de desemprego no final do século XX. No contexto neoliberal, a empregabilidade seria articuladora dos três elementos que permitiriam superar a crise do desemprego, mediante uma dinamização dos mercados de trabalho, a saber: “a redução dos encargos patronais, a flexibilização trabalhista e a formação profissional permanente” (idem, p. 52).

O autor aludido também indica que a empregabilidade exerce papel fundamental na construção e legitimação de um novo senso comum sobre o trabalho, sobre a educação, sobre o emprego e até mesmo sobre a própria individualidade. Isso porque, ela recupera a concepção individualista da teoria do capital humano. Logo, as possibilidades de inserção de um indivíduo no mercado dependem dele portar um conjunto de saberes, competências e credenciais que habilitam para a competição pelos empregos disponíveis. Nessa perspectiva, o indivíduo é um consumidor de conhecimentos que o habilitam a uma competição no mercado de trabalho.

Ante ao cenário descrito, percebe-se que aspectos econômicos e políticos (principalmente alterações nos moldes de produção), atravessam a educação, gerando impactos amplos na sociedade, especialmente na vida dos trabalhadores. O que vem se evidenciando nos últimos anos, portanto, é o quanto a esfera da produção está servindo de critério para as agendas e implementações no campo da educação.

Com base nestas exposições, fica explícita a relação histórica entre educação e a formação para o trabalho. Notamos, assim, que estas esferas são arenas de disputas e interesses, subjugadas às forças hegemônicas, que ditam os direcionamentos da educação, especialmente a formação dos trabalhadores, por meio de “pedagogias customizadas” e modismos. Tais pedagogias, como refere

Bianchetti (1998), tornam-se perigosas por serem/estarem submetidas às determinações imediatas do mercado, com a pretensa desculpa de atender ao consumidor/cliente.

Também, de acordo com esse autor, o que fica evidente é que se promove, em relação ao processo formativo, a mesma inversão a que foi submetido o processo de produção e comercialização de produtos e serviços nas e pelas empresas – em função das técnicas japonesas (toyotismo). Logo, ocorrem tentativas de transformar as instituições formais de ensino em mais um dos recursos do qual os empresários lançam mão para alcançar os seus imediatos, utilitários e particulares objetivos, haja vista a disseminação das chamadas universidades corporativas.

O que notamos, a partir destas explanações, é que a formação em geral, na atualidade, forjada pela aprendizagem flexível, carrega em si características de precarização, sendo conduzida pelos mais variados interesses, especialmente os econômicos e políticos. Sendo assim, para finalizar este capítulo e introduzir o subsequente, indagamos: a psicologia também se insere no contexto delineado? A psicologia contribui na formação de profissionais flexíveis e precarizados? Dito de outro modo, que papel cumpre as disciplinas do campo da psicologia nos cursos em que se fazem presentes? É com o objetivo de elucidar tais questionamentos que daremos seguimento ao estudo.

3 CAPÍTULO II - O ENSINO DE PSICOLOGIA

Estou sentado à beira da estrada, o condutor muda a roda. Não me agrada o lugar de onde venho. Não me agrada o lugar para onde vou. Por que olho a troca da roda com impaciência? (BERTOLD BRECHT, 1898-1956)