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4. FORMAÇÃO HUMANA NA EDUCAÇÃO FÍSICA E A QUESTÃO

4.4. A formação humana e as bases filosóficas

Saviani (1983), seguindo a perspectiva da Filosofia da Educação61

“enquanto concepção razoavelmente articulada à luz da qual se interpreta e/ou se busca imprimir determinado rumo ao processo educativo” (p. 22), classifica as diferentes correntes da educação em quatro concepções fundamentais: Concepção “humanista” tradicional, Concepção “humanista” moderna, Concepção analítica e Concepção dialética.

A concepção “humanista” tradicional tem como pressuposto uma visão essencialista de homem, ou seja, o homem possui uma essência imutável e, por isso, a educação tem que se conformar e submeter-se à ela, qualquer tipo de mudança é considerada nada mais que acidental. Essa concepção apresenta duas vertentes, uma religiosa e outra leiga. Vale destacar dessa segunda que é, “centrada na idéia de ‘natureza humana’ e elaborada pelos pensadores modernos como expressão da ascensão da burguesia62 e instrumento de consolidação de

sua hegemonia” (SAVIANI, 1983, p. 25). Além disso, foi dessa vertente que surgiu a construção dos “sistemas públicos de ensino” caracterizados por valores como laicidade, obrigatoriedade e gratuidade. A educação é centrada no educador, no conhecimento e predominou até 1930.

A “humanista” moderna diverge da tradicional ao centrar sua visão de homem na existência. Então, nesse caso, a existência não está mais submetida à essência, mas essa precede a essência. O homem é considerado completo desde o seu nascimento e inacabado até morrer (contrariamente à tradicional, onde o homem se torna completo quando atinge sua fase adulta antes, enquanto criança, é dado como um ser imaturo, incompleto). A educação, então, passa a se centrar não mais no educador, mas sim, no educando. Após alguns anos de equilíbrio entre as concepções “humanistas”, tradicional e moderna, no período de 1930 a 1945, a “humanista” moderna passa a predominar por volta dos anos de 1945 a 1960.

61 Ver mais no Texto: “Tendências e correntes da educação brasileira” de Demerval Saviani. 62 “Por burguesia entendemos a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de

produção social e empregadores do trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos operários assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, reduzem-se a vender a força de trabalho para poderem viver” (MARX e ENGELS, 1981).

Na concepção analítica ou tecnicista não é apontado como pressuposto explícito uma visão própria de homem. Ela se caracteriza por colocar como tarefa principal a realização de uma análise lógica da linguagem educacional e, essa enquanto uma linguagem comum (não “científica”) o método mais propício à realização dessa tarefa seria o da análise informal ou lógica informal. A análise informal estabelece que “o significado de uma palavra só pode ser determinado em função do contexto em que é utilizada” (SAVIANI, 1983, p. 26), porém esse contexto não se trata do contexto histórico, mas simplesmente do seu contexto lingüístico, pois essa análise “julga não ser necessário ultrapassar o âmbito da linguagem corrente para se compreender o significado das palavras” (SAVIANI, 1983, p. 27). De 1960 a 1968, se tem uma crise da tendência “humanista” moderna e o início de uma articulação da tendência tecnicista.

Chegamos, então, à concepção dialética de Filosofia da Educação que, assim como a concepção analítica, não tem como pressuposto uma visão de homem. O que importa nessa concepção é o homem concreto, ou seja, o homem como “síntese de múltiplas determinações”, o homem enquanto conjunto das relações sociais. A concepção dialética propõe que a função da Filosofia da Educação é apontar os problemas educacionais e que esses não podem ser compreendidos sem considerar seu contexto histórico, marcado principalmente pela luta de classes. Assume, do mesmo modo que a concepção “humanista” moderna o dinamismo da realidade, porém não de forma subjetiva (metafísica), onde cabe ao homem apenas admitir sua existência, mas “o movimento segue leis objetivas que não só podem como devem ser conhecidas pelo homem. Encarando a realidade como essencialmente dinâmica, não vê necessidade de negar o movimento para admitir o caráter essencial da realidade (concepção “humanista” tradicional) nem de negar a essência para admitir o caráter dinâmico da realidade (concepção “humanista” moderna)” (SAVIANI, 1983, p. 27).

Esse caráter dinâmico da realidade pode ser explicado, por exemplo, quando Lukács coloca que por um lado “a realidade objetiva é um todo coerente em que cada elemento está, de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidade objetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas” (LUKÁCS, 1967, p. 240) e,

essa relação ocorre tanto de forma recíproca entre o todo e as partes, como pela contraposição das partes entre si. Assim, determinada forma de sociedade sob influência de suas constantes e inerentes contradições acaba construindo sua própria negação a ponto de, nesse sentido, acarretar na construção dentro dela de meios necessários para a superação rumo à uma nova forma de sociedade. Entretanto, diante desses aspectos, Saviani (1983) coloca que “o papel da educação será colocar-se a serviço da nova formação social63 em gestação no

seio da velha formação até então dominante” (p. 27 – 8).

Ressaltamos que, apesar de colocarmos os períodos da história onde cada uma das concepções é predominante não quer dizer que, nesses períodos em que as outras não predominem, elas não existam. Como exemplo disso, podemos apontar a predominância da concepção tecnicista na educação física em pleno século XXI. Concepção essa que não se preocupa com os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem, mas apenas com os índices, números, estatísticas, resultados, processo esse totalmente descontextualizado com a realidade social concreta.

E é nesse sentido que, ocorre a redução da área da educação física apenas aos conhecimentos das ciências biológicas/saúde, pelos grupos hegemônicos. Acarretando uma formação que não leva em consideração a totalidade tanto dos conhecimentos da educação física quanto sua relação com o contexto sócio-histórico em que ela se encontra. Isso se deve, como já vimos, em uma opção política de classe que não pauta a transformação da sociedade, mas sua manutenção e reprodução e, no máximo, a tentativa de dar a essa organização social uma maquiagem mais humana.

Mas não podemos incorrer no equívoco de, ao pautar a superação da visão reducionista da educação física nas ciências biológicas, considerar que essa deve se encaixar somente nas ciências humanas e sociais, pois devemos considerar que o ser social possui um caráter biológico e que, esse apesar de mutável socialmente, não pode ser explicado apenas pelo viés social. Afinal, quando tratamos o conhecimento apenas por uma via, mesmo essa considerando a realidade concreta, não se pode dar conta de garantir o todo.

Afirmamos aqui, então, o impasse colocado sobre a questão de onde se encaixa a educação física no campo da ciência, onde não vemos a perspectiva mecânica e estanque dessa escolha, pois a educação física com toda sua gama de conhecimentos da cultura corporal, não pode se restringir à apenas uma ciência-mãe para suas elaborações, assim, essa necessita da sua articulação tanto com as ciências humanas e sociais, quanto com as ciências biológicas/saúde, entre outras.