• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV SIGNIFICAÇÕES DE PEDAGOGOS(AS) EGRESSOS(AS) ACERCA

4.1 Formação orgânica e práxica dos(as) pedagogos(as)-educadores(as) egressos(as)

A essência do processo de formação desencadeado no/pelo Projeto Paranoá passa pela construção do vínculo entre as pessoas que faziam parte de um grupo composto por professores(as) e estudantes da UnB, alfabetizadores(as), alfabetizandos(as) e dirigentes do movimento popular do Paranoá.

É importante ressaltar que o envolvimento dos(as) estudantes egressos(as) do Projeto Paranoá em seus percursos formativos tinha como base a proposição de ações e, simultaneamente, a reflexão das mesmas como estratégia de soluções dos problemas identificados no trabalho de alfabetização de jovens e adultos a partir de uma perspectiva de melhoria de condição de vida dos jovens, adultos e idosos que buscam o conhecimento para se sentirem reconhecidos enquanto sujeitos.

A vivência desse processo formativo foi fundamental para uma aprendizagem sólida e concreta desencadeada nos(as) pedagogos(as) que participavam do Projeto Paranoá. Então, para enfatizarmos o valor dessa experiência formativa, vejamos a seguinte afirmação de Buber (2008, p.85): “(...) quando falo de comunidade entendo algo que abrange toda a vida natural do homem, não excluindo nada dela.”

Esse autor remete ao sentido de comunidade, de união e de integração natural das pessoas. Assim, tanto para o(a) alfabetizando(a) quanto para o(a) pedagogo(a) em processo de constituição, a experiência do aprender repercute na totalidade de suas vidas: consigo mesmos, nas relações estabelecidas na família, no trabalho, nos locais onde vivem e em todas as relações sociais produzidas cotidianamente. Todo esse conjunto faz parte do aprendizado ao longo da vida.

A construção de vínculos, o encontro com o outro e o confronto inerente a esse processo de conhecer, ouvir e aceitar as diferenças de cada um são marcas desse percurso no/pelo Projeto Paranoá vivenciado pelos sujeitos desta pesquisa. Essa relação eu e outro, presente nessa formação, tem uma forte sintonia com uma concepção de educação que reconhece o ser humano em sua totalidade, em sua condição física, mental, social, afetiva e espiritual. Para explicitar esse pensamento, Buber (2008, p. 79) afirma:

Eu experiencio isto, sem cessar, somente na medida em que o faço. Destino. Exponho-me cada dia a fatalidade do erro, ao destino do “chegar ao limite de”. Isso significa responsabilidade. E se tomarmos o conceito em toda a sua realidade, responsabilidade significa sempre responsabilidade diante de alguém. Responsabilidade para consigo mesmo é uma ilusão.

Essa experiência formativa dos(as) pedagogos(as) egressos(as) do Projeto Paranoá implica numa aprendizagem que vai além da absorção e acúmulo de conhecimentos, conforme concebida pelo modelo de educação tradicional e hegemônico. Em contrapartida, o percurso formativo no/pelo Projeto Paranoá se dá pela inserção práxica, pelo permanente diálogo entre teoria e prática. Nesse movimento práxico, os conhecimentos são produzidos.

Nessa perspectiva de constituição de pedagogo(a)-educador(a), questiono: O que, como e para que saber, agir, pensar? Os sujeitos desta pesquisa, ao se posicionarem sobre a vivência no/pelo Projeto Paranoá, destacaram o quanto esse questionamento contribuiu para torná-los pessoas autônomas, responsáveis e propositivas frente à própria existência e à realidade em que vivem. Destaco abaixo, a fala de um entrevistado que reflete o sentido dinâmico e orgânico desse processo de formação.

Airan: acho que a maior contribuição do P.P nessa primeira parte da minha

trajetória profissional foi ter sido um espaço em que eu pude ver uma dimensão política maior na minha profissão, mas, sobretudo, dessa posição de poder exercitar a relação teoria e prática. A maioria das disciplinas da FE eram disciplinas comuns como qualquer outra, e que não tinham espaço de interação, de reflexão e de ação sobre a realidade. Então, o nosso espaço mais dinâmico de tentar exercitar aquilo que você aprendia nas disciplinas era o P.P. 6

Trazendo novamente Buber (2008, p.79), este afirma: “a verdadeira responsabilidade é sempre responsabilidade diante do outro. A autêntica responsabilidade repousa sempre sobre a realidade do Eu e Tu.”

A essência dessa perspectiva de formação e atuação vivenciada pelos(as) pedagogo(as) egressos(as) do Projeto Paranoá decorre de um vínculo relacional, da construção de um grupo que segue princípios e práticas de uma educação que acredita na transformação das pessoas e na responsabilidade de cada uma frente aos rumos da sociedade e do cotidiano, com humanidade e sensibilidade diante dos problemas do outro, principalmente dos(as) mais excluídos(as) de sua condição humana integral.

A experiência de inserção-contributiva-participativa-mútua7

(REIS, 2011), enquanto metodologia de pesquisa-ação do Projeto Paranoá, contribui para a formação do(a)

6 P.P: Projeto Paranoá.

pedagogo(a) no sentido de possibilitar uma abertura e flexibilidade ao ato de conhecer, saber e vivenciar. Essa vivência numa prática educativa ocorrente permite aos(às) pedagogos(as) em formação não apenas identificarem os problemas, mas, de forma conjunta, encaminharem propostas de intervenções que visem à resolução da situação-problema-desafio encontrada (REIS, 2000).

Para melhor explicitar essa característica metodológica do Projeto Paranoá, remeto à afirmação de um participante desta pesquisa:

Sílvio: aqui não é só ficar assistindo. Você tem que participar, fazer,

conversar, ajudar a organizar a aula e tudo. É a pesquisa-ação que o Renato fala. Você vai para fazer acontecer.

O Projeto Paranoá e o Movimento Estudantil, este representado pelo Centro Acadêmico de Pedagogia (CAPE) e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), ambos da UnB, foram enfatizados pelos sujeitos desta pesquisa como espaços formativos que os proporcionaram a inserção e a participação numa perspectiva dialética entre teoria e prática, além de trabalhar a dimensão política fundamental na formação de pedagogos(as).

Em conversa com os sujeitos de pesquisa sobre esse vivenciamento no Projeto Paranoá, o Movimento Estudantil sempre aparece em suas falas como forte contribuição nessa constituição orgânica do(a) pedagogo(a). Cito abaixo uma fala decorrente dessa questão sobre o processo de formação na FE-UnB:

Airan: no Movimento Estudantil e no Projeto Paranoá, todos passavam por

essas duas experiências, e era uma das nossas estratégias fazer com que a galera da Pedagogia tivesse espaço para fazer a relação teoria e prática. No currículo de Pedagogia da FE-UnB, a maioria das disciplinas curriculares fica apenas na teoria e não proporciona aos estudantes o desafio da criação e da resolução de problemas com o enfrentamento da realidade. Nessa perspectiva, a ausência de diálogo entre os sentidos reais e existenciais e os conhecimentos teóricos não fornece condições para uma formação que desenvolva vínculos pessoais e profissionais significativos e que integre a totalidade do ser.

Uma participante e colaboradora desta pesquisa se posiciona quanto à experiência formativa na FE-UnB ressaltando como as disciplinas curriculares do curso de Pedagogia eram dissociadas de sua inserção no Projeto Paranoá, entre outras atuações referentes à área educacional:

Cléssia: não tinha disciplinas específicas com o objetivo de se trabalhar a

prática ocorrente em nível da alfabetização e principalmente não formal. Não tinha nem um tipo de discussão nas disciplinas sobre isso, quando a gente fazia relação é por que nós que éramos alunos do curso e participávamos do projeto, nós fazíamos os trabalhos finais de disciplinas relacionados com a experiência do Projeto Paranoá. Então, a gente produzia muita coisa e os professores gostavam, apoiavam isso, mas não era o objetivo da disciplina, a gente é que colocava como proposta para a produção final da disciplina. A concepção de dualidade presente na sociedade impede a construção de um processo de aprendizagem em que o diálogo é a essência. Com a prática dialógica, as relações de confrontos e conflitos permitem aos seres humanos se desenvolverem enquanto sujeitos nas diversas relações sociais em que estão inseridos. Nesse sentido, cito a afirmação de Arroyo (2008 p. 23) ao se referir à constituição de educadores de jovens e adultos:

Normalmente nos cursos de Pedagogia, o conhecimento dos educandos não entra. A Pedagogia não sabe quase nada, nem sequer da infância que acompanha o ofício. Temos mais carga horária para discutir e estudar conteúdos, métodos, currículos, gestão, supervisão, do que para discutir e estudar a história e as vivências concretas da infância, da adolescência, com o que a Pedagogia e a docência vão trabalhar. Em relação à história e às vivências concretas da condição de jovens e adultos populares trabalhadores, as lacunas são ainda maiores.

Nesta pesquisa, essa inserção práxica no/pelo Projeto Paranoá é crucial para entender que o pensar-agir-sentir faz parte do processo de formação e atuação do(a) pedagogo(a). Uma fala de Silvio vem ao encontro desse pensamento quando responde à questão: Qual era a

relação entre as vivências nas disciplinas do curso de Pedagogia na FE-UnB e a experiência no Projeto Paranoá?

Sílvo: a gente vê que tinha um deslocamento disso aí. Sempre tem uma coisa

aqui muito acadêmica, uma coisa que tive muita dificuldade. Principalmente no primeiro e segundo semestres. Muito conteúdo e não tinha muita discussão. Aí você percebe que há um deslocamento entre as necessidades da sociedade, dos trabalhadores e o que a FE está fazendo. O que acontece no Projeto Paranoá é um negócio diferente, assim, bem distinto. Você vê que há integração. Há exatamente a extensão da FE. Lá não é só lugar que a gente faz pesquisa, não. As pessoas que participam aprendem com a comunidade e traz as pessoas para a universidade.

Sílvio continua: uma ou outra disciplina destoava disso tudo. Em Didática,

por exemplo... É até gozado que a maioria não gostava. Eu pensei que quando fiz a disciplina Didática eu iria aprender a dar aula, pensei que era um negócio técnico, não era isso não. A professora, a discussão era muito mais político-pedagógica do que aquela coisa técnica, era discussão mesmo, para você entender o que é educação. Essa foi outra experiência que destoa do padrão hegemônico da academia, que espera da FE academicista.

O acesso ao Projeto Paranoá pelos estudantes antes de 2003, ano que o projeto foi integrado à Proposta Acadêmica do curso de Pedagogia da FE-UnB, só era possível por meio do vínculo com o Decanato de Extensão, como bolsista ou como voluntário, e por disciplinas em que os professores possibilitam aos estudantes a participação no projeto. Percebe-se que a extensão, dessa forma, estava fragmentada do ensino e da pesquisa dentro da Proposta Acadêmica do curso e do processo de formação do estudante de Pedagogia.

A nova configuração da Proposta Acadêmica do curso de Pedagogia da FE-UnB, a partir de 2003, em que os Projetos Curriculares, como o Projeto Paranoá, são integrados à mesma, configura-se como um avanço no reconhecimento da Educação de Jovens e Adultos como campo de atuação do(a) pedagogo(a). Assim, as palavras de Arroyo (2008, p. 24) são pertinentes:

o foco para se definir uma política para a Educação de Jovens e Adultos e para a formação do educador da EJA deveriam ser um projeto de formação que colocasse a ênfase para os profissionais conhecessem bem quem são esses jovens e adultos, como se constroem como jovens e adultos e qual a história da construção dos jovens e adultos populares. Não é a história da construção de qualquer jovem, nem qualquer adulto. São jovens e adultos que têm uma trajetória muito específica, que vivenciam situações de opressões, exclusão, marginalização, condenados à sobrevivência, que buscam horizontes de liberdade e emancipação no trabalho e educação. Destaco abaixo a fala de um dos participantes desta pesquisa sobre o desafio que enfrentava para fazer essa integração entre ensino, pesquisa e extensão em seu processo formativo perpassado pelo Projeto Paranoá.

Hernany: Então, no segundo semestre do curso eu comecei a procurar

projetos que me inserisse, por coincidência estava com a disciplina que era Prática Educacional, que o professor Álvaro... E a época ele estava com parceria com o Renato, que dentro da disciplina a gente poderia acessar o Projeto Paranoá. Por que até então só era possível acessar os projetos por meio de projetos de extensão ou iniciação científica ou voluntariamente, mas não por dentro de disciplinas, por que até ali eram disciplinas muito teóricas, que só davam conta da leitura, enfim de trabalhos pontuais de campo, mas nada que tivesse uma perspectiva contínua.8

Hernany continua: Eu particularmente, o que fazia? No primeiro momento,

eu procurava integrar tudo por que na verdade era meu processo de formação e não só meu, e também dos colegas. Então eu tentava agarrar ao que era o mais essencial de tudo, o que no fundo era um compromisso político, compromisso humano de superação do capital pelo trabalho, e esse era o eixo da luta, era o que via no Paranoá, era o que eu identificava nas salas de aulas, no Movimento Estudantil, para mim eram uma coisa só. Não eram

8 O professor Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro, citado na fala de Hernany, é professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal.

coisas diferentes, eu poderia está em espaços diferentes, mas eu estava fazendo sempre a mesma coisa. E isso tinha uma ressonância no Projeto Paranoá e na FE inteira.

Sobre o sentido desse processo de formação em que o Projeto Paranoá se constitui enquanto espaço formativo para todos os atores participantes, estudantes e professores da FE- UnB, alfabetizadores e alfabetizandos(as) do movimento popular do Paranoá e do Itapoã, Reis (2011, p. 5) afirma:

Ser sujeito que professa troca de saberes que se dão numa rede infinita, humana, no drama, na trama das relações sociais do cotidiano. Em cada semestre letivo, sinto-me desafiado quando os estudantes e participantes do movimento popular ressignificam o conteúdo dos capítulos de minha tese. Escuto novamente múltiplas vozes, que se entrelaçam em uma roda de prosa, que se estendem muito mais além do que eu inicialmente dizia. O fio da prosa é trançado nesse coletivo de muitos sujeitos.

Essa dinâmica de troca de saberes como prática educativa se fundamenta em princípios de uma educação que acredita na emancipação humana e que contribui para a transformação subjetiva e social das pessoas excluídas e marginalizadas em âmbito social, político, físico e afetivo. Dentro do espaço acadêmico, há sempre uma luta para esses princípios de Educação Popular serem aceitos e reconhecidos como produção de conhecimento.

Esse papel social, político e humano na constituição de pedagogos(as) que o Projeto Paranoá reconhece e tem como base é o que dá significado ao trabalho e à totalidade das relações entre eu e o outro, na percepção dos(as) pedagogos(as) egressos(as) do Projeto Paranoá. Com ênfase ao aprendizado desencadeado nos atores envolvidos nessa metodologia trabalhada no/pelo Projeto Paranoá, que Renato Hilário dos Reis denomina de inserção- contributiva-participativa-mútua, faço referência às palavras de Julieta Borges Lemes, participante da pesquisa:

Julieta: Eu confesso que fui conhecendo, assim, acho que dentro do meu

interior... Lá eu tinha muita essa vontade de ajudar o próximo, e lá no Projeto Paranoá eu fui encontrando isso... Eu cheguei com essa postura que eu não sabia nada, que eu estava chegando na universidade e que eu... Nossa Senhora, os professores doutores, né?! Eu tinha muito isso... Só que no Projeto Paranoá eu via muito os estudantes sendo coordenados pelo Renato

numa perspectiva de muita autonomia, de engajamento. Então, eu já

comecei já pisando nesse chão no primeiro semestre de Pedagogia, isso me ajudou muito no curso por que eu fazia algumas disciplinas no Minhocão mesmo e, às vezes, a gente se sentia silenciada, uma coisa assim do aluno ficar quieto e ouvir o professor. E na Pedagogia e no Projeto Paranoá, mas

também outros professores da Pedagogia, eles oportunizaram a gente falar, a gente se colocar e isso foi muito importante para mim. (grifo meu)

Julieta continua: Chegou um momento no meu curso que foi o Projeto

Paranoá, que me deu sustentação para continuar. O curso foi ficando muito teórico e muito cansativo. Tendo o sentido do Projeto Paranoá de você ter um alfabetizando, de você criar laços ali para ajudar as pessoas, isso foi importante para eu dar sentido ao curso.

Destaco, nesta pesquisa, as significações dos(as) pedagogos(as) egressos(as) desse percurso formativo perpassado por essa concepção de educação, a qual a dimensão subjetiva torna-se a base essencial para a constituição do sujeito, conforme Reis (2011, p.71) enfatiza:

Esse falar leva ao domínio da fala, da oralidade, à descoberta do poder falar e que esse poder falar significa ter poder. Poder de expor-se, confrontar-se e confrontar, transformar e ser transformado. Influenciar e ser influenciado. Tomar decisões e exercer decisões. De silenciamento e em silenciamento, ele pode desenvolver um processo de dessilenciamento em que a verbalização e os gestos que o acompanham indicam uma ruptura de antes silêncio opressor.

Por fim, toda essa rede formativa vivenciada pelos(as) pedagogos(as) egressos(as) do Projeto Paranoá não é fragmentada e isolada da vida das pessoas que convivem com eles no trabalho de alfabetização de jovens e adultos. Os sujeitos desta pesquisa revelam que a participação no Projeto contribui para as suas trajetórias profissionais e pessoais, no sentido de permanecerem numa linha de projeto de vida, de comprometimento com a causa social e humana das excluídas e dos excluídos.

Ao refletir sobre a repercussão do Projeto Paranoá nas trajetórias pessoais e profissionais dos(as) pedagogos(as) egressos(as) sujeitos deste estudo, percebo que, a partir desse movimento formativo, outros vínculos são construídos decorrentes das inserções desses mesmos atores sociais em outros espaços. Com base numa perspectiva grasmciniana de construção de redes sociais, Reis (2011, p. 232) ressalta:

Gente do Paranoá que chega à universidade. Gente da universidade agora no Paranoá e em outras cidades. A rede se estende e se amplia. Nessa troca e nessa história em desenvolvimento, uma forma diferente de ensinar-aprender e aprender-ensinar mútuos, e o acontecer do desenvolvimento dos sujeitos a partir e na prática de seu cotidiano.

4.2 O encontro mensal Mantendo a caminhada, do Genpex, como espaço de construção