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2 DÉCADA DE 190: INÍCIO DA PRODUÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE ESPANHOL

2.5 ANTENOR NASCENTES

2.5.1 Formação secundária

Antenor Nascentes ingressou no Colégio Pedro II em 1897, na capital federal, com 11 anos de idade, sem prestar exame de admissão, pois havia sido aprovado nos exames finais da escola primária, conforme regime da época. Essas provas eram consideradas muito difíceis e poucas escolas inscreviam alunos. A banca examinadora foi constituída por Benedicto Raymundo da Silva (inspetor escolar) na presidência, a diretora da escola, Amélia Fernandes da Costa, e o professor Candido Baptista Antunes, designado pela Diretoria Geral da Instrução Pública (EXAMES..., 1896, p. 1).

Enquanto outras escolas inscreviam um ou dois alunos para o exame de admissão, quando enviavam, a escola dirigida pela professora Amélia inscreveu seis alunos naquele ano de 1896, e entre estes, estava o jovem Nascentes. Era uma avalição também para os diretores, que, nesse processo, podiam demonstrar sua capacidade de ensino ao conseguir aprovar alunos naquele exame. Era uma oportunidade para os diretores demonstrarem sua capacidade de gestor, de grande colaborador da educação e, assim, ganhar visibilidade e capital simbólico. No início da década de 1890, a professora Amélia já possuía prestígio e reconhecimento, porquanto não foi por acaso que ela foi um dos três professores públicos de ensino primário a viajarem pela Europa em 1891, subsidiados pelo governo, para estudarem os progressos pedagógicos de vários países e obterem aperfeiçoamento de habilidades

profissionais, com intenção de apropriarem-se de modelos de educação europeus considerados modelos (SCHUELER e GONDRA, 2010). Os outros dois professores foram: Luiz Augusto dos Reis e Manoel José Pereira Frazão. Como resultado de sua viagem, a professora Amélia apresentou relatório à Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da capital e o publicou pela Imprensa Nacional, em 1893, com o título “O ensino publico primario na Italia, França e Belgica escolas primarias e superiores, maternaes, profissionais, normaes, asylos e jardins infantis, museus pedagogicos, etc.”.

Curioso notar que o estabelecimento dirigido pela professora Amélia Fernandes da Costa era uma escola para meninas: 3ª Escola Feminina do 3º Distrito. Nos exames finais, foram aprovadas com distinção as alunas Amelia Ferreira Soares, Maria da Rocha, Elvira Antunes da Silva, Adelia Cardozo e Julieta Monteiro de Souza, bem como o aluno Antenor Nascentes. No jornal Gazeta da Tarde, de 29 de novembro de 1896, que informa sobre o exame final da escola, o editor escreve que “[...] Foram aprovadas com distinção:” seguido do nome de todas as alunas e o de Antenor Nascentes e, ao final do texto, relata que assistiram ao ato “diversas famílias das educandas” (EXAMES..., 1896, p. 1), como se todos que prestaram exames fossem meninas.

No exame final, em uma hora de avaliação, o aluno teria de responder a questões de Português, Geografia, História do Brasil, Lições de Coisas e, por fim, a prova mais difícil para os alunos, a Aritmética. Naquele exame, Nascentes, ainda criança, alcançava somente a parte inferior do quadro negro e, ao resolver uma questão de raiz cúbica, ficara nas pontas dos pés para que pudesse escrever o resultado. A banca, ao fundo, vendo aquela cena, pôs-se a rir, um riso contido, mas que Nascentes escutou sem entender o que estava acontecendo. Por um momento, atrapalhou sua concentração, voltando logo em seguida a seus cálculos e respostas. Ao final do exame, Nascentes saiu vitorioso com nota máxima e, então, conseguiu matrícula gratuita no Colégio Pedro II.

É relevante ressaltar que, apesar de o Colégio Pedro II ser público, a matrícula dos alunos não era gratuita. Ademais, além da matrícula, havia custos durante o ano letivo que a família do aluno deveria cobrir. Apesar da origem humilde, Nascentes conseguiu manter-se no colégio graças à professora Amélia Fernandes da Costa, diretora da escola primária por ele cursada, que custeou seus estudos secundários. Não se deve esquecer que os colégios secundários eram, naquela época, instituições destinadas à elite, com uma educação voltada para a formação qualificada, humanística e intelectualizada. A instrução voltada para as classes trabalhadoras era ministrada nas escolas profissionalizantes (de ofício, artífices ou aprendizes). Essas escolas eram voltadas mais para a prática de serviços mecânicos, não

necessitando de grande desenvolvimento intelectual, como já em 1856 dizia Abilio Cesar Borges, Diretor Geral dos Estudos da Província da Bahia, ao citar a importância do aprendizado de línguas clássicas para os alunos do ensino secundário, que estavam destinados a uma vocação pública:

As linguas occupam um logar eminente entre os elementos da educação nobre: (e aqui entendo por educação nobre, e entenderei onde quer que repetir a expressão, a de todo o educando que não é destinado á officios ou empregos mechanicos). Nem todos os individuos da sociedade precisam della; mas de certa altura para cima quasi todos – e porque não direi sem excepção, todos? (BAHIA, 1856, p. 39).

Como vemos, nem todas as pessoas tinham acesso a uma “educação nobre”. A maioria cursava as escolas de primeiras letras e depois poderia ingressar em cursos profissionalizantes para seguir um determinado ofício. Aqueles que, segundo Borges, se destinavam ou eram destinados desde o nascimento à vida pública (BAHIA, 1856) cursavam o ensino secundário.

No curso secundário, Nascentes pôde estudar com grandes nomes do magistério brasileiro, como os professores Vicente de Souza (1878-1920), de Latim; Said Ali (1861- 1953), de Alemão; e Fausto Barreto (1852-1908), de Português. Estudou os seis anos do ensino secundário, segundo ele próprio “[...] com os melhores professores da capital do país” (NASCENTES, 1952, p. 10). A excelência do curso, para a época, somada a sua aptidão para os estudos, o levou a duas conquistas logo após o término dos estudos: passou em primeira colocação em dois concursos públicos, praticante dos Correios e oficial da Secretaria de Justiça, além de lograr matricula gratuita na Faculdade de Ciências Jurídicas por seu destacado desempenho no ensino secundário, com notas máximas.

Durante o período em que esteve como discente do Colégio Pedro II, passaram pela diretoria do externato José Veríssimo Dias de Matos (1857-1916), diretor entre 1891 e 1898, e Francisco Carlos da Silva Cabrita, entre 1898 e 1903. Nesse período, o currículo passou por algumas alterações, moldando a formação de Nascentes que cursou, muito provavelmente, as disciplinas conforme quadro a seguir:

Quadro 2 – Distribuição das horas semanais das disciplinas cursadas por Nascentes. Disciplinas 1º ano (189 7)* 2º ano (189 8)** 3º ano (189 9)** 4º ano (190 0)** 5º ano (190 1)** * 6º ano (190 2)** * TOT AL Português 6 5 5 4 20 Francês 3 5 5 4 1 18 Inglês 1 1 2 Alemão 5 5 4 3 2 24 Latim 3 3 3 3 1 13 Grego 3 2 5 Matemáticas (Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria e Cálculos) 6 3 1 4 2 16 Física e Química 4 3 7 Geografia 3 3 2 2 1 11 Zoologia e Botânica 3 3 História Universal 2 3 5 História do Brasil 3 3 História Natural 2 5 7 Lógica 3 3 Desenho 2 2 2 1 7 Música 2 2 2 1 7 Ginástica 2 1 2 1 6 Literatura 2 2 TOTAL 24 29 29 30 24 26 162

Fonte: * Decreto nº. 1.652, de 15 de janeiro de 1894. ** Decreto nº. 2.857, de 30 de março de 1898. *** Decreto nº. 3.914, de 26 de janeiro de 1901.

É relevante notar que mais de 50% da carga horária total do curso foram voltados para o estudo de seis línguas (português, francês, inglês, alemão, latim e grego), com destaque para o alemão, cuja língua Nascente saiu do secundário falando (PEDRO BLOCH, [19--?].). Mas essa diversidade de línguas cursadas por Nascentes é fruto de uma reforma educacional? Certamente, que não, visto que ele passou por três reformas com objetivos distintos.

O regulamento de 1894, assinado pelo ministro Cassiano do Nascimento, tinha um caráter científico, com o ensino das línguas ocupando 43,78% do total do currículo. Tomando como critério o número de horas semanais, as línguas estavam assim ordenadas: Português, 17 horas; Francês e Latim, 13 horas cada; Alemão, 12 horas; Inglês, 10 horas e Grego, 9 horas.

A reforma do ministro Amaro Cavalcante, em 1898, aprovou novo regulamento para o Colégio Pedro II, dividindo o ensino secundário em dois cursos. Um com seis anos, propedêutico ou realista, e outro com sete anos, clássico ou humanista. O curso clássico,

cursado por Nascente lhe permitiu estudar, no segundo, terceiro e quarto anos, as seguintes línguas: Português, Francês, Alemão (em detrimento do Inglês, uma vez que era facultativo a escolha do aluno entre a língua germânica e a língua saxônica) e Latim. A oferta desse curso que Nascentes se matriculou marcou o retorno de um currículo mais humanista que fora substituído em 1890, pelo ministro Benjamin Constant, por um currículo de caráter científico, “[...] mais aos moldes do positivismo comtiano – escola filosófica da qual o ministro era adepto [...]” (OLIVEIRA, 1999, 56). Com um total de duzentas horas, o currículo do curso clássico reservava um total de noventa e seis horas para o ensino das línguas, ou seja, 48% do total.

No curso propedêutico, o aluno estudaria Português, Francês e Inglês ou Alemão com carga horária de 24 horas cada. No curso clássico, o Português se manteria nas 24 horas totais do curso, a língua francesa teria um acréscimo de 1 hora, a língua inglesa ou alemã, acréscimo de 2 horas, além do estudo do Latim, 12 horas, e do Grego com 9 horas.

Nos últimos dois anos do curso de Nascentes, o currículo esteve organizado sob nova reforma educacional, desta vez, promovida pelo ministro Epitácio Pessoa. O Colégio Pedro II volta a ter somente um curso com duração de seis anos.

As disciplinas de ciências exatas e biológicas tiveram um espaço reduzido na formação de Nascentes com pouco mais de 20% do total da carga horária e as disciplinas voltadas para o desenvolvimento artístico e disciplinar (música, desenho e ginástica) somaram 20 horas no total, ou seja, pouco mais de 12%. As disciplinas de Geografia e História somaram um total de 19 horas.

Nesse caso em que os alunos têm, no decorrer dos seus estudos, alterações no currículo, não há como relacionar a sua formação com a intencionalidade de uma reforma ou legislador. A análise dos planos de estudos estabelecidos pelos decretos supracitados (ver APÊNDICE A) demonstra que a língua alemã só ultrapassaria em horas a língua portuguesa caso o aluno optasse pelo curso clássico, no currículo existente de 1898 a 1900, com um acréscimo de um ano para término do ensino secundário, ou seja, o aluno terminaria o curso após sete anos de estudos. Mas como vimos no Quadro 1, Nascentes terminou o curso em seis anos e a língua alemã superou a língua portuguesa em quatro horas no total do curso.

Dessa forma, o ensino secundário cursado por Nascentes foi marcado por um currículo clássico, voltado para a formação de um homem letrado no estudo das línguas modernas e clássicas, que lhe deu a base para a carreira como erudito, polígrafo e filólogo.