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Quando embrenhamos nos estudos de cultura escolar ou nos estudos das culturas organizacionais escolares, emerge uma dúvida pouco discutida nos cursos de formação de

29 professores e que, quando colocada em pauta, raramente abre a possibilidade de questionar a sua veracidade ou a forma natural com a qual nos apropriamos destas ideias: como e/ou quais os instrumentos que as instituições escolares utilizam para manter comportamentos, rituais, valores, etc., desde a sua institucionalização? Ou mais precisamente: como a escola mantém a sua “forma escolar”?

Raros são os estudos que se lançaram no desafio desta análise, pois caracterizar ou até mesmo definir o que vem a ser a “forma escolar”, é um exercício muito complexo e ao mesmo tempo sutil, já que carecemos de detalhes importantes que estão obscuros no cotidiano escolar.

Vincent (2001) evidencia que a compreensão da forma escolar perpassa pelo movimento de “pesquisar o que faz a unidade de uma configuração histórica particular, surgida em determinadas formações sociais em certa época” e, ao mesmo tempo, compreender como estas se relacionam com as transformações do contexto.

Portanto, busca-se analisar, como estas unidades ou práticas vão sendo incorporadas e como seus sentidos e significados vão sendo construídos e mantidos, pela e na instituição escolar que sofre e transforma (ou deveria) o contexto no qual está inserida.

A leitura da definição de forma escolar presente no texto de Vincent (2001), evoca a discussão em torno da facilidade e mobilidade pelas quais tais praticas ou unidades disseminam-se por todas as organizações escolares, revestidas com diversas roupagens, mas com o mesmo propósito. Elas podem ser visualizadas, por exemplo, na disciplina imposta, na divisão do tempo escolar, etc.

Vincent (2001) enfatiza, que apesar de a forma escolar estar visível em alguns momentos e ser socializada, sua compreensão ou a apreensão de sua dinâmica, não serão tão

30 fáceis. O caráter complexo deste estudo está na perspicácia com que essas práticas são dissolvidas, ao mesmo tempo, em que permanecem vivas no cotidiano escolar.

Com base nestas averiguações, o autor propõe que as pesquisas se abram para as analises sócio- históricas, pois estas nos possibilitam refletir e compreender como as unidades que estão presentes na “forma escolar”, conseguiram resistir aos diversos empecilhos vivenciados historicamente pela escola e que nos “permitem definir essa forma, quer dizer perceber a unidade (a da forma)”, em outras palavras, nos permitem pensar na unidade e/ou praticas dentro de um conjunto amplo de saberes que a instituição escolar se apropria e (re)constrói de forma impositiva ou não para construir a sua cultura.

O estudo da forma escolar, consequentemente, conduz aos estudos a respeito da cultura escolar e nos força a sermos atentos aos detalhes mínimos, mas que podem nos auxiliar a compreender o nosso objeto de estudo: a escola.

Partilhando de intenções semelhantes às de Vincent (2001), Julia (2001) realiza a análise da cultura escolar enquanto objeto de estudo e tece em suas considerações finais diversos questionamentos que causam certo desconforto, mas que, ao mesmo tempo, possibilitam repensar a função da escola diante das inúmeras transformações em que a sociedade como um todo vem sofrendo.

Dentre os questionamentos realizados, em linhas gerais, destaco: o que sobra da escola, após a escola? E quais as reais transformações que ela traz para a vida dos indivíduos de uma sociedade que requer profissionais cada dia mais capacitados, mas que ao mesmo tempo possuem a mídia que oferece as informações em tempo real?

A leitura do texto, do referido pesquisador, possibilita inferir que as respostas a estes questionamentos e a muitos outros se encontram dentro da escola, e é com base nesse pressuposto que Julia (2001) critica as pesquisas “externalistas”, que traçam explicações e

31 buscam a origem do problema da escola, mas, ao mesmo tempo, negam as relações que dão “corpus”, “vida” à escola, ou seja, as relações internas.

Julia (2001, p.10) concebe a cultura escolar, como sendo um “conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de praticas que permitem a transmissão desses comportamentos e a incorporação desses comportamentos”.

Os conhecimentos a ensinar, as condutas a inculcar e a forma como a escola molda o comportamento dos sujeitos que passam pelos bancos da sala de aula são, para Julia (2001), resultantes da historia que a escola traz consigo e da relação que esta estabelece com os contextos nos quais ela está inserida, sendo assim, o seu estudo requer que o pesquisador capte “as relações conflituosas ou pacificas” da escola com a sociedade, pois esta instituição não é um local isolado, tão pouco se constitui e reconstitui sem as interferências do meio externo.

Indica ainda que esse “saber” presente nas escolas é resultante ora dos “dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação” (disciplina), ora são compostos de táticas, estratégias construídas por professores, alunos, etc., para apreender, transmitir o conhecimento produzido pela sociedade ou burlar a disciplina imposta pela escola.

A partir dessa indefinição que propicia a abertura de inúmeras possibilidades para se compreender a cultura escolar, Julia (2001) propõe que seu estudo seja com base em três pontos: “espaço escolar especifico, cursos graduados em níveis e corpo profissional específico”.

Ao tratar escola como lugar específico do conhecimento cientificamente produzido, Julia (2001) enfatiza a análise das normas e finalidades que a regem e afirma que “não existe estudo mais tradicional que o das normas que regem as escolas ou os colégios”,

32 isto porque, a possibilidade de acesso aos “textos reguladores e aos projetos pedagógicos” é maior do que o acesso às próprias realidades. Neste aspecto, Julia (2001, p.19) retoma a sua preocupação inicial e deixa claro que é a partir da análise da relação institucional histórica que a escola faz com o contexto no qual está inserida, que podemos apreender e compreender “o funcionamento real das finalidades atribuídas à escola”.

As finalidades atribuídas à escola, de certa forma balizam as diretrizes para que as escolas formem o seu corpo profissional especifico e, portanto, pressupõe-se que estas influenciem nos cursos de formação de professores. Faz-se necessário, desta forma, reconstituir a cada momento histórico as relações entre esses três elementos e como estes influenciam nas disciplinas escolares, ou seja, nos conteúdos selecionados para serem transmitidos em sala de aula, conhecimentos estes, que dão credibilidade à escola como lugar especifico da formação e da transmissão do conhecimento cientifico.

Julia (2001, p.33) salienta ainda, que as disciplinas escolares (e a própria organização escolar) não são determinadas apenas por diretrizes ou por normas, regras que a escola vem carregando desde a sua institucionalização, isto porque “a escola, os professores dispõem de uma ampla liberdade de manobra”, proporcionada por sua autonomia, pelas relações que ela estabelece com o meio. A escola não pode ser considerada como o “lugar da rotina e da coação e o professor não é o agente de uma didática que lhe seria imposta de fora”. A afirmativa de Julia (2001) de que a escola é dotada de uma “ampla liberdade de manobra”, possibilita-me inferir que para além de uma forma escolar e uma cultura escolar composta de regras, rituais, hábitos, etc., cada organização escolar é capaz de construir sua própria cultura interna, que lhe confere uma identidade própria diante do sistema escolar.

Preocupados com a mesma temática de Julia (2001), Silva Jr. e Ferreti (2004) apontam que a compreensão do modo de constituição da cultura escolar pressupõe a análise

33 da face institucional da escola, face essa constituída em decorrência da institucionalização da escola pelo Estado Moderno.

Os autores afirmam que esta institucionalização conferiu à escola, em sua “forma histórica, objetivos sociais que contribuíram para manutenção e regulação do pacto social” (SILVA JR. E FERRETI, 2004, p.49). Tal pacto seria mantido pelo Estado, com o objetivo de estabelecer normas e valores que propiciassem o desenvolvimento da sociedade e a igualdade de direito de todos.

Para Silva Jr. e Ferreti (2004, p.56), a figura do Estado como mantenedor do pacto social burguês conferiu a este a “origem histórica do institucional de qualquer instituição ou organização da sociedade”. O institucional, afirma os pesquisadores, deriva do caráter político do Estado, que objetiva “orientar as relações sociais, carregando consigo toda a sua densidade histórica, de sua produção pelo ser humano”.

Portanto, é no institucional que estão as “formas e a cultura organizativa que conformaram tais relações, que adquirirão materialidade por meio de processos de apropriação e objetivação”. A escola seria composta pela cultura escolar, resultante das relações estabelecidas entre sua face institucional, organizativa e pelo contexto. Com isso, a cultura escolar pode ser definida como sendo a “materialização da densidade histórica [...] que se faz na pratica escolar, que é por sua vez, a materialidade das relações escolares, portanto, única”. (SILVA JR. E FERRETI, 2004, p. 56).

Apesar de as ideias apresentadas por Julia (2001) e por Silva Jr. e Ferreti (2004) terem bases teóricas diferentes, tais pesquisadores chegam a um ponto comum: por mais que as escolas carreguem consigo uma forma escolar, cultura escolar e/ou sua face institucional, cada organização é capaz de conviver e manter estes aspectos históricos, mas, ao mesmo

34 tempo, construir novas formas de selecionar, organizar e avaliar os conteúdos, as práticas pedagógicas e a organização do espaço escolar.

E é com o objetivo de compreender como as escolas constroem seu modo especifico de se constituir, que os estudos de Administração escolar vêm desenvolvendo pesquisas que buscam compreender a cultura organizacional das escolas.

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