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1.5. Continuidade e mudança da forma urbana

1.5.2. Forma e tamanho

A metamorfose da malha urbana é também uma consequência da expansão e do crescimento das cidades. O facto de não podermos aumentar o tamanho de um objecto indefinidamente sem alterar a sua forma é uma consequência do modo como o espaço organiza as coisas à nossa volta. Já Galileu tinha demonstrado a impossibilidade de aumentar o tamanho de estruturas para grandes dimensões quer se trate dum artefacto ou de uma forma produzida pela natureza. É impossível construir um edifício mais do que determinado tamanho e esperar que ele se mantenha em pé, da mesma forma que é impossível a natureza produzir árvores de tal tamanho sem que os seus ramos se quebrem devido ao peso. Assim, o aumento do tamanho tem de ser acompanhado pelo emprego dum material mais resistente, uma modificação na estrutura ou pela alteração da forma do objecto.

Esta fraqueza deve-se ao facto dum objecto maior ter mais volume em relação à sua superfície do que um objecto mais pequeno. “Nas formas vivas, um organismo

grande pesa mais e gera mais calor do que um pequeno. Estas funções dependem do volume ou massa dos seus tecidos. O organismo grande é também mais fraco e tem mais dificuldade em dissipar o calor e assimilar comida e oxigénio. Estas funções dependem da área da superfície” (Stevens, 1974,19). Assim se comportam as nossas

cidades ao formarem microclimas. Por um lado, um certo tamanho e densidade, como acontece nas cidades tradicionais do mediterrâneo, pode melhorar o clima da cidade face ao geral do lugar. Por outro lado, a formação das chamadas ilhas calor, um problema ambiental associado ao grande tamanho das cidades e à impermeabilização

excessiva dos solos, pode dificultar o conforto bioclimático e gerar outros problemas ambientais associados à poluição que tem a ver com o metabolismo das cidades.

Como corolário, podemos definir que, para que as coisas mantenham o seu funcionamento, uma diferença no tamanho, deve ser acompanhada duma diferença da forma, sendo que nalguns casos, o organismo até se divide ou multiplica para se manter no tamanho certo, como é o caso da célula que se mantém dentro dum determinado tamanho limite. Na natureza, cada tamanho tem a sua forma ideal. Um rato não poderia crescer até ao tamanho de um elefante, porque a sua estrutura não aguentaria o peso. Na natureza todas as formas estão optimizadas. Digamos que ela teve muito tempo para fazer isso. Passaram cerca 3,5 biliões de anos desde o aparecimento dos primeiros organismos na terra, sendo que ao longo da evolução das espécies, cada forma ganhou o tamanho certo para a estrutura e forma certas.

Digamos então que para uma cidade funcionar bem, ela deverá ter um tamanho certo para a estrutura e a forma que tem, pelo que a partir de determinado limite se deve desdobrar em novas unidades, como de resto aconteceu no planeamento das cidades jardim. E sobretudo, o que importa sublinhar, é o facto de que ao longo do seu crescimento ela vai mudando a sua forma para melhor acomodar o todo, ou seja para funcionar melhor. Tal como um organismo vivo, ela não altera a sua dimensão pela simples extensão, dilatação ou adição indefinida das partes, mas reorganiza a sua forma à medida que muda de dimensão.

No entanto, esta dimensão do crescimento acompanhado duma mudança da forma é uma situação que tem sido pouco explorada nos vários modelos de planeamento. E isso deve-se sobretudo ao facto, da nossa visão sobre a forma da cidade ser estática. Aqui residirá porventura, a razão principal para o insucesso dos modelos de planeamento. Tendemos a ver a forma urbana como algo estático – geométrico, talvez porque pensamos que isso nos possibilita fazer previsões com maior precisão.

A questão da escala e do tamanho de uma cidade é pois mais um aspecto que vem contribuir para a dificuldade na definição dos conceitos de cidade orgânica e de cidade planeada. A uma escala, a cidade pode parecer ordenada em termos de geometria pura, enquanto a outra escala pode parecer não ter uma ordem planeada e ser o produto duma multiplicidade de decisões. A cidade de Lisboa e respectiva área metropolitana é um exemplo por excelência do que se acaba de dizer. Até ao início do Século XX, a

cidade como um todo teve praticamente um crescimento orgânico à excepção da Baixa Pombalina. Nessa altura o Plano Geral de Melhoramentos de Lisboa, 1903, de Ressano Garcia introduziu uma nova ordem na cidade, quer através da regularização da malha urbana existente, quer através do planeamento de novas áreas de expansão através da quadrícula. Mas na região metropolitana e especialmente a partir dos anos 60, os desenvolvimentos nos eixos Lisboa – Loures, Lisboa – Sintra e Lisboa – Vila Franca de Xira não seguiram nenhum desenho formal e à escala da região. Estes têm até um padrão orgânico como tantas outras estruturas da natureza. Mas se fizermos um zoom ao longo dos diversos desenvolvimentos desses eixos não será difícil encontrar uma geometria reticulada aplicada aos loteamentos e aos polígonos que contrastam, pela sua rigidez, com as estruturas naturais por forma a viabilizar o máximo de lotes.

Assim se mudarmos a escala de observação, o geométrico aparece por dentro do orgânico e vice-versa, de tal forma que os assentamentos humanos não escapam às leis da natureza simplesmente porque os constrangimentos do espaço assim o ditam, como podemos ver mais à frente no Capítulo 2.

A maior diferença entre as cidades do passado e as nossas cidades actuais são a sua escala e tamanho e consequentemente a sua forma. O planeamento baseado na geometria pura não é mais suficiente para planear essa realidade – precisamos pois de conhecer quais os padrões e as propriedades das formas orgânicas e quais as suas leis de formação para as podermos aplicar.