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Formar o corpo, o espírito e a moral: a educação para a vida completa e a emergência

3 O LUGAR DA INSTRUÇÃO MORAL E RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO DAS

3.2 Formar o corpo, o espírito e a moral: a educação para a vida completa e a emergência

A religião e a moral – esses dous elementos indispensáveis para a formação do caracter podem ser infiltrados nos corações infantis da maneira mais simples. Um passeio à beira- mar, uma manhã de estio, uma flor que desabrocha, uma ave que canta, uma abelha que fabrica o mel, uma borboleta que esvoaça podem trazer à creança a idéia do autor dessas cousas que tanto enlevam e arrebatam sua imaginação pueril, e o professor terá ensejo de auxiliar-lhe o espírito de observação, infundindo-lhe ao mesmo tempo o amor às ciências naturaes 254.

A epígrafe acima corresponde a um trecho do artigo intitulado A educação moral das crianças na escola produzido por Francisca Clotilde Barbosa de Lima, professora da Escola Normal e colaboradora de vários periódicos na Província. O artigo foi publicado no dia 15 de fevereiro de 1887, na revista A Quinzena, órgão do Club Literário255, que teve como colaboradores outras figuras ligadas à educação na Província, como José de Barcellos, Justiniano de Serpa e Juvenal Galeno.

No artigo, Francisca Clotilde trava um debate especialmente em torno de duas questões: a religião e a moral. Defendendo que os ensinamentos da instrução moral e religiosa poderiam ser infiltrados nos corações infantis por meio da observação e do aguçamento dos sentidos, Clotilde traçou, portanto, pensamentos análogos e aproximações com as ideias de

254“A educação moral das crianças na escola”. A Quinzena, 15 de fevereiro de 1887, n. 3, p. 22.

255 De acordo com Gleudson Cardoso, o Clube Literário (1887-1889) foi agremiação literária que congregou boa

parte dos intelectuais abolicionistas na capital. Fonte: CARDOSO, Gleudson Passos. As repúblicas das letras

cearenses: literatura, imprensa e política (1873-1904). São Paulo: Dissertação (Mestrado em História Social).

Rui Barbosa256, Relator da Comissão de Instrução Pública da Corte, acerca dos métodos de ensino discutidos no início da década de 1880 no seu Parecer sobre a reforma da instrução pública primária.

Ao discutir em seu artigo assuntos referentes às ciências naturais, à instrução moral, intelectual e física apresentando a importância de desenvolver todas essas faculdades,

“fazendo com que o aluno tivesse um papel ativo nesse processo, intuindo e experimentando”257, Francisca Clotilde defendia uma formação do corpo e do espírito junto aos princípios da moral e da religião. Seria por meio do método de ensino “intuitivo” que as crianças aprenderiam não somente os princípios relacionados à moral e à religião, mas “o

amor às ciências naturais”, ou seja, ao mesmo tempo em que os professores instruiriam os

alunos no ensino moral e religioso por meio da observação das coisas que os rodeavam, como

os animais e as plantas, apresentando a ideia da “criação do mundo”, as ciências naturais

também seriam aplicadas. Clotilde, porém, considerava que a educação moral era a parte mais importante da “missão” da escola, porque formava o caráter, purificava os costumes, desenvolvia os bons impulsos do coração e tinha sobre a educação física e a intelectual uma incontestável superioridade258.

Havia, portanto, uma hierarquia de valores nos saberes a serem ensinados às crianças. Dessa forma, as apropriações de Francisca Clotilde acerca do tripé corpo, espírito e moral, tão discutido nos meios políticos na década de 1880 como conhecimentos que deveriam ser trabalhados em diálogo, identificavam a instrução moral e religiosa como mais necessária e mais importante que as outras disciplinas do programa de estudos da instrução pública primária.

Em 1882, Rui Barbosa, Relator da Comissão de Instrução Pública do Império, juntamente com os deputados Thomaz do Bomfim Espinola e Ulusses Maobado Pereira Vianna, produziu um projeto de reforma como resultado do estudo que a Câmara dos Deputados teve que fazer acerca do Decreto nº. 7. 247, de 19 de abril de 1879, expedido pelo ministro do Império do Gabinete presidido pelo visconde de Sinimbu, Carlos Leôncio de

256 Rui Barbosa (1849-1923) formou-se em Direito, pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1870. Exerceu

diversas atividades profissionais ao longo de sua carreira, sendo advogado, político, parlamentar, jurista, jornalista e, também, durante um curto período, professor de um Curso de Alfabetização de Adultos. Foi candidato à presidência da República em 1909 e 1919, contudo não obteve êxito nessas eleições. Ocupou o cargo de vice-presidente do país no Governo de Deodoro da Fonseca entre o período de Dezembro de 1889 à Agosto de 1890. Fonte: MACHADO, Maria Cristina Gomes; MORMUL, Najla Mehanna e MÉLO, Cristiane Silva. Rui Barbosa e a educação: as lições de coisas e o ensino da cultura moral e cívica. Educação Unisinos, Vol. 18, n. 3, set/dez de 2014.

257 GOMES, Angela de Castro. A escola republicana: entre luzes e sombras. In: GOMES, Angela de Castro; PANDOLFI, Dulce Chaves; ALBERTI, Verena. A República no Brasil. Rio de Janeiro: CPDOC, 2002, p. 399. 258“A educação moral das crianças na escola”. A Quinzena, 15 de fevereiro de 1887, n. 3, p. 21.

Carvalho259. “O decreto continha disposições de atribuições do legislativo e, por isso, estatuía em seu preâmbulo que as mesmas não seriam executadas antes da aprovação daquele poder”, a qual foi submetida260.

Na segunda metade do século XIX, Rui Barbosa se envolvera nas discussões que ocuparam grande espaço na pauta dos debates políticos no país, como a imigração, as mudanças nas formas de trabalho, a abolição da escravatura, a transição do regime monárquico para o republicano e as transformações almejadas para o ensino público com a necessidade de implantação de reformas no programa escolar da instrução pública primária, que o tornasse competente às exigências que se apresentavam na estrutura econômico-social do país. Desse modo, foi produzido em 1883 sob sua colaboração o Parecer acerca da Reforma do Ensino Primário. Neste documento, os deputados colocaram em pauta vários assuntos e discutiram, sobretudo, acerca dos métodos e do programa escolar, defendendo claramente o método de ensino “intuitivo” e uma ampliação do programa oficial de estudos que atentasse para as ciências físicas e naturais, para a língua materna, a matemática, a história, a geografia, a educação física, a música, o desenho, o canto, a cultura moral, a cívica e os rudimentos de economia política. Sobre o ensino “intuitivo” o Parecer sentenciou o seguinte:

Habituemo-nos, quanto ser possa, a formar a ciência, nos moços, não extraindo-as dos livros, mas da contemplação do céu e da terra; Isto é, ensinando-os a perceberem, e escrutarem diretamente as coisas. Os objetos da instrução natural sejam coisas sólidas, reais, úteis, capazes de atuar nos sentidos e na imaginação: obtem-se este resultado, aproximando as coisas aos sentidos, tornando-as visíveis aos olhos, audíveis ao ouvido, saborosas ao paladar, sensíveis ao tato. Pelos sentidos há de principiar a instrução.261

No Parecer, a ciência e o “método intuitivo” foram exaltados como caminho para a modernização do currículo escolar. Este método também conhecido como “Lições de Coisas” fundamentava-se, sobretudo, nas ideias de Pestalozzi e Froebel e estava pautado na construção do conhecimento por meio da observação e do aguçamento dos sentidos262. A abordagem do ensino através da intuição estruturava-se a partir da observação do particular para o geral, do conhecido para o desconhecido. Por isso, defendia-se ser essencial romper

259 BARBOSA, Rui. Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução

Pública. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Vol X, Tomo I, p. XII (Prefácio),

1947. 260 Ibid.

261 BARBOSA, Rui. Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução

Pública. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Vol X, Tomo II, p. 202, 1947.

262

SOUZA, Rosa Fátima de. Inovação educacional no século XIX: A construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos Cedes, ano XX, n. 51, novembro/2000, p. 12.

com o método vigente, fundamentado no verbalismo e na repetição com uma retórica baseada em nomes, fatos e datas. O ensino primário deveria desenvolver “habilidades intelectuais básicas nas crianças, bem como uma certa apreensão elementar do conhecimento da natureza que habilitasse o futuro trabalhador a adaptar-se à sociedade moderna”263. O processo de ensino, portanto, deveria seguir “as leis que presidiam o próprio conhecimento científico, isto é, a observação e a experimentação”264.

Para a comissão encarregada de estudar o Decreto nº. 7. 247, de 19 de abril de 1879, expedido por Leôncio de Carvalho, o “ensino das coisas” e o da “palavra” deveriam andar de mãos dadas265. Não se tratava mais de repetir para memorizar, de recitar as lições. Para Rui Barbosa, os professores deveriam em seu trabalho e, de acordo com as necessidades e dificuldades dos alunos, recorrer à imaginação, ao raciocínio, ao juízo, à reflexão, à memória e aos sentidos266.

Segundo Angela de Castro Gomes, foi na última década do Império que surgiu no Brasil um interesse crescente pelo “método intuitivo”, em que os alunos seriam instruídos por meio da percepção sensorial, da educação dos sentidos, exercitando a observação do que estava próximo e do que era concreto, a partir do qual se acreditava estar reformulando radicalmente o processo de ensino até então vigente no mundo ocidental267.

Nos debates acerca da necessidade de reformar a Instrução Pública na Província do Ceará, seja nos meios políticos ou letrados, não foram raros os argumentos que consideravam o “método intuitivo” e a Instrução Moral e Religiosa fundamental na educação das crianças, insistindo na defesa de que tal matéria era mais importante e necessária em sua formação que as demais disciplinas que compunham o programa escolar da Instrução Pública Primária. Tal insistência não é de se estranhar quando estes debates associavam a indisciplina do povo e o aumento do índice de violência à falta de instrução moral e religiosa. Pesar a culpa da imagem de atraso e ignorância que julgavam encontrar na Província sobre as classes populares constituiu iniciativa frequente dos discursos que procuravam inserir a Província nos rumos do progresso e da civilização.

Na segunda metade do século XIX, com os conflitos entre a Igreja e o Estado Imperial e o debate acerca da abolição da escravatura, da imigração e das relações de

263 SOUZA, Rosa Fátima de. Inovação educacional no século XIX: A construção do currículo da escola primária

no Brasil. Cadernos Cedes, ano XX, n. 51, novembro/2000, p. 21. 264 Ibid.

265 Ibid., p. 203 266

BARBOSA, Rui. Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução

Pública. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Vol X, Tomo II, p. 210, 1947.

267 GOMES, Angela de Castro. A escola republicana: entre luzes e sombras. In: GOMES, Angela de Castro;

produção, novas preocupações vão ganhando relevância e contornos nos debates políticos e intelectuais. A própria formação garantida pela instrução primária ganharia novas atribuições na medida em que estava inserida nas mudanças da estrutura social e econômica, marcada pela urbanização e desenvolvimento da industrialização. Para as autoridades responsáveis pela Instrução Pública, os sujeitos formados no ensino primário teriam que ter ciência do exercício de seu papel e darem sua contribuição à nova ordem social, econômica e política que procuravam construir para o país, integrando-o a ordem civilizatória dos países ditos avançados. Nesse ínterim, a Instrução Pública Primária constituiu tema com cadeira cativa nos debates na imprensa, na Assembleia Provincial e na Câmara dos Deputados.

Os diversos temas que envolveram a educação nas últimas décadas do século XIX foram “objeto de reflexão política e pedagógica”268. Só entre 1870 e 1886 foram apresentados a Câmara dos Deputados sete projetos que propunham reformas na Instrução Pública, foram eles: Projeto de Paulino José Soares de Souza (1870), o de Antônio Cândido Cunha Leitão (1873), o de João Alfredo Corrêa de Oliveira (1874), o Decreto n. 7.247 de Leôncio de Carvalho (1879), Os Pareces/Projeto de Rui Barbosa (1882-1883), o de Almeida de Oliveira (1882) e o de Barão de Mamoré (1886)269.

Vê-se, portanto, que “os ventos que sopravam na Europa deslocavam-se pelo

mundo todo”270, fazendo com que as elites políticas e ilustradas se apresentassem nesse movimento como impelidas a direcionar os rumos que deveriam ser tomados para inserir o país no patamar das nações civilizadas. Nesse sentido, as mudanças a serem empreendias e os ideais de progresso e civilização a serem perseguidos ganharam lugar nas suas ações políticas para o campo da educação, traduzindo-se, dentre outras iniciativas, na produção de projetos e reformas para a legislação educacional.

Nos deteremos na investigação do Decreto nº. 7. 247, de 19 de abril de 1879, de Leôncio de Carvalho e no Parecer de Rui Barbosa relativo à Reforma da Instrução Pública Primária de 1883.

268

SOUZA, Rosa Fátima de. Inovação educacional no século XIX: A construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos Cedes, ano XX, n. 51, novembro/2000, p. 11.

269 É preciso assinalar que apesar de vários projetos terem sido apresentados a Câmara dos Deputados nenhum

deles foi implementado e muitas vezes nem sequer discutido. Para mais informações ver: MACHADO, Maria Cristina Gomes. O Decreto de Leôncio de Carvalho e os Pareceres de Rui Barbosa em debate: a criação da escola para o povo no Brasil no século XIX. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.).

Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol. II – Século XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 92.

270 MACHADO, Maria Cristina Gomes. O projeto de Rui Barbosa: o papel da educação na modernização da

sociedade. Tese (Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, São Paulo, 1999, p. 32.

O Decreto de Carvalho, Ministro dos Negócios do Império, apresentava disposições que deveriam ser observadas nos regulamentos da instrução primária e secundária no Município da Corte, nos regulamentos dos exames de preparatórios nas províncias, nos estatutos das Faculdades de Direito e de Medicina, nos regulamentos das escolas politênicas, enfatizando que seriam cumpridas de imediato as determinações que não trouxessem aumento de despesas271. As disposições estabeleciam a coeducação, a frequência obrigatória para a faixa etária de 7 a 14 anos, a liberdade de ensino como forma de incentivar a criação de estabelecimentos escolares e o caráter facultativo do ensino religioso. No Art. 4 do Decreto, as disciplinas que deveriam compor o programa escolar da Instrução Primária de Primeiro Grau eram as seguintes: Escrita, Leitura, Noções essenciais de gramática, Princípios elementares de aritmética, Sistema de pesos e medidas, Noções de história e geografia do Brasil, Instrução moral, Instrução religiosa, Elementos de desenho linear, Rudimentos de música, Ginástica e Costura simples para as meninas. Já na Instrução Primária de Segundo Grau os alunos continuariam na instrução das referidas matérias, incluindo os Princípios elementares de álgebra e geometria, Noções de física, Química e História natural, com explicação de suas principais aplicações à indústria e aos usos da vida, Noções gerais dos deveres do homem e do cidadão, com explicação sucinta da organização política do Império, Noções de lavoura e horticultura, Noções de economia social (para os meninos), Noções de economia doméstica (para as meninas), Prática manual de ofícios (para os meninos) e Trabalhos de agulhas (para as meninas)272.

Vê-se que Leôncio de Carvalho apresentou novas questões em seu decreto, estabelecendo, além da liberdade de ensino e da coeducação dos sexos, a não obrigatoriedade da instrução religiosa aos alunos não católicos, devendo por isso ser ministrada em dias determinados da semana e sempre antes ou depois das horas destinadas ao ensino das outras disciplinas273.

As políticas de reforma e inovação educacional já vinham desde os primeiros anos da segunda metade do século XIX ganhando maior força com a emergência dos debates em torno da renovação dos currículos, dos métodos de ensino, da obrigatoriedade escolar e da secularização do programa de estudos da instrução pública. Estas questões estavam em

271 MACHADO, Maria Cristina Gomes. O Decreto de Leôncio de Carvalho e os Pareceres de Rui Barbosa em

debate: a criação da escola para o povo no Brasil no século XIX. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria

Helena Camara (Org.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol. II – Século XIX. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2005, p. 94.

272 BARBOSA, Rui. Reforma do Ensino Secundário e Superior. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ministério

da Educação e Saúde, 1942, Vol IX, Tomo I, p. 275-277.

273 BARBOSA, Rui. Reforma do Ensino Secundário e Superior. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ministério

circulação a nível internacional e ganharam espaços no cenário político e letrado do país por meio da produção e tradução de livros destinados a instrução, de artigos em periódicos, das viagens de estudos feitas a outros países para colher informações acerca do ensino público, dos congressos e exposições internacionais, “verdadeiras vitrines mundiais”274 na qual os países apresentavam suas implementações e progresso na educação, servindo, ao mesmo tempo, como referenciais do que há de “desenvolvido” e “civilizado” no campo educacional.

Na Província do Ceará, na segunda metade do século XIX, as viagens pedagógicas feitas por José de Barcelos e Amaro Cavalcanti a Europa e aos Estados Unidos, respectivamente, se inscreveram neste movimento de observação das experiências estrangeiras a fim de que pudessem ser colocadas em prática no território brasileiro. O tema da educação nesse momento ocupou grande espaço nas reuniões dos grêmios literários, dos artigos em jornais e revistas e nas contendas no espaço da imprensa entre jornais que defendiam diferentes mudanças para o campo educacional na Província. Essas vozes fizeram

da educação um “grande espetáculo”275, que na prática traduziu-se, primeiramente, na série de leis e decretos que foram produzidos referentes ao ensino público, bem como nas conferências e exposições pedagógicas. Tais iniciativas fizeram parte dos anseios das elites política e letrada em transformar a escola em uma instituição capaz de criar os sujeitos necessários a manutenção da ordem e do status quo. É na escola, portanto, que se depositará a esperança em um porvir brilhante.

Nos meios políticos e intelectuais nesse momento, os debates sobre conteúdo, método, currículo e a crença no poder da escola como antídoto da desordem e espaço de construção do progresso estavam intimamente relacionado às mudanças que se desejavam

para o país por meio da construção de um “homem novo”, sem vícios e laborioso. Esses

debates não estavam apartados das transformações no espaço urbano, do desenvolvimento industrial, bem como das próprias mudanças que se operavam na estrutura política e econômica do país. Desse modo, dois anos após o Decreto de Leôncio de Carvalho, a Comissão da Instrução Pública formada pelos deputados Rui Barbosa, Thomaz do Bomfim Espinola e Ulusses Maobado Pereira Vianna, em análise ao referido Decreto, produziu um projeto de reforma composto por duas partes: Reforma do Ensino Secundário e Superior; e

274 SANTOS, Fábio Alves dos. Rui Barbosa e o ensino no Pedro II: um discurso pedagógico no Brasil

oitocentista 1880-1885. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.

275 BASTOS, Maria Helena Camara. A educação como espetáculo. In STEPHANOU, Maria, BASTOS, Maria

Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, v.II: século XIX, 2005, p. 116.

Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da instrução Pública, em 1882 e 1883, respectivamente.

No Parecer acerca da “Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução Pública” o ensino primário deveria ser laico, gratuito, obrigatório e baseado no “princípio do ensino integral”, ou seja, na educação do corpo, do espírito e da moral. Na prática, este princípio significava o desenvolvimento da maneira mais completa possível de todas as faculdades físicas, morais e intelectuais. Isso se concretizaria com a introdução de novas disciplinas no programa escolar. Este princípio foi elaborado e difundido a partir da obra de Spencer, Educação Intellectual, Moral e Physica, publicada em 1861.

O apelo de Spencer à correspondência entre a lei da evolução biológica (lei do desenvolvimento orgânico) e o progresso social possibilitou a naturalização da evolução da sociedade e a compreensão da ciência como o conhecimento mais relevante, o conhecimento útil com aplicação no trabalho, na arte e na vida diária. Nesta concepção, corpo e espírito são indissociáveis. O princípio da educação integral expressava essa compreensão unificada pela qual a educação seguia as leis da natureza e a ciência revelava-se como o melhor meio para a disciplina intelectual e a disciplina moral. 276

Os modelos educacionais dos países ditos avançados inspiraram os projetos das