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3 MEMÓRIA COLETIVA: ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DIANTE DAS

5.2 Formas de acesso e uso aos recursos pesqueiros

Castro (2004) descreve o processo de acesso e uso dos recursos naturais que são regidos por regras e o caracteriza como manejo. O contexto em que se concebe um sistema com regras de uso, em que as populações humanas passam a fazer uso dos recursos baseados em condições determinadas na coletividade, se constitui em função de alguma particularidade local, tais como a restrição do recurso, o número de pessoas que acessam ou mesmo o quantitativo extraído.

Desse modo, enfatiza as peculiaridades que envolvem os sistemas de manejo, haja vista que o conhecimento das populações sobre os recursos naturais envolve questões que vão além do domínio das técnicas de acesso e uso, outras questões como interesse econômico individual, apropriação, atuação de agentes externos em outras atividades refletem na reprodução dos recursos pesqueiros, por exemplo.

Dentre estes, se destacam o desmatamento que altera as condições climáticas e pluviais, o assoreamento, os empreendimentos energéticos que se instalam e atingem diferentes níveis políticos, econômicos e culturais e findam trazendo diversos conflitos12. Por essa razão, afirma ser o manejo uma questão social, pela sua estrutura organizacional (CASTRO, 2004), o que pode se evidenciar no território da pesca constituído pelos sujeitos, no lago artificial de Tucuruí.

A transformação artificial de parte do curso do rio em lago findou rompendo com toda sua estrutura natural. Os locais de captura dos recursos pesqueiros, definidos pelo conhecimento sobre as espécies, o ambiente, como por exemplo, o lugar mais fundo, o sombreado, onde há água mais ou menos corrente, entre outros. Representa o domínio sobre as práticas de acesso e captura dos recursos pesqueiros, que uma vez rompido, a vida fica ameaçada, no mínimo desorientada, restando a memória como fonte de reorientação social.

Furtado (2004) discorre sobre a vida peculiar que envolve a atividade da pesca, destaca a importância do saber nativo, ressaltando a necessidade de um maior aprofundamento na compreensão dessa atividade que não pode ser plasmada

12 O entendimento e o uso do conceito de conflito se orientam pelo concebido por Simmel como ação desencadeadora de mudanças sociais. Considera essencial para as mudanças nas relações sociais, todavia pode também ser concebido como ação desencadeadora, marcada pela ação da negatividade.

simplesmente por uma atividade econômica, deve se referir a uma tradição à medida que o saber perpetua as gerações. Após a criação do lago, houve proliferação do tucunaré que possui um valor comercial. Todavia, ocorre uma classificação de acordo com o tamanho do peixe para estabelecer o custo. A Figura 18 ilustra os diferentes tamanhos.

Esta classificação no comércio de acordo com o tamanho:  Furiba, o que mede até 30 centímetros;

 Sarandage, quando superior a 30 centímetros e peso a baixo de 1 quilograma;

 Médio, corresponde ao de tamanho superior a 1 quilo e inferior a 2 quilogramas;

 Bocudo, a partir de 2 quilogramas.

O de tamanho médio e o bocudo possuem valor comercial, principalmente o último. O tucunaré é o de maior valor comercial, e outras espécies são chamadas de “peixe branco”, nestes se incluem pescada, piau, curimata, beré, entre outros. A Figura 19 ilustra o que chamam de peixe branco.

Figura 18 – Tucunaré de diversos tamanhos e valores no mercado

Figura 19 – Peixe branco

Embora o valor seja bem inferior ao do tucunaré, as demais espécies obtêm uma produção muito superior, pois a captura se dá por meio de redes e, assim retiram grande quantidade diariamente para ser comercializada nos principais portos dentro do lago, que são os que foram realizados os trabalhos de campo (Onze, Santa Rosa e Polo Pesqueiro).

É importante destacar o comércio que a própria pesca envolve. É comum as pessoas que não pescam, responderem que vivem da pesca por estar relacionada a alguma atividade, de venda ou produção de insumos para a pesca. A maior dificuldade reside na aquisição do gelo que, mediante a extensão do lago, se torna muito custoso o acesso. A distância e o consumo de combustível findam onerando as despesas. Todavia, as comunidades que possuem geleira exercem outra dinâmica no mercado da pesca, por atrair maior número de pescadores para o desembarque e compra de insumos como gelo e gasolina. Das três localidades, a área do estudo, no Porto do Onze em Tucuruí, a geleira é gerida por uma cooperativa e fornece em grande quantidade e, diariamente para pescadores de todo o lago. É vendido em saca de 60 quilos e se paga para o carregador levar da geleira até o barco, como ilustrado na Figura 20.

Figura 20 – Embarque de gelo no Porto Onze, Tucuruí (PA)

Fonte: Trabalho de campo (2014)

Quem tem embarcação realiza a compra e revende nas localidades, o que onera o custo do peixe para o pescador que vende a preço menor, reduzindo consideravelmente sua margem de lucro.

A comunidade de Santa Rosa ainda não possui geleira, mas como fica próxima à de Porto Novo, realiza a compra lá. Polo Pesqueiro estava construindo a sua geleira e até o final do trabalho de campo já se encontrava em funcionamento, pois era esperado com muito otimismo pelos pescadores e moradores locais, vista como garantia de segurança na produção do peixe.

Uma rede de produção funciona em torno da atividade da pesca. O comércio de artes, de combustível, de gelo, de alimentos além da prestação de serviços na produção e concerto de redes, de barcos se somam à atividade pesqueira.

As Figuras 21 e 22 evidenciam a produção e a venda de remo, bem como o paneiro para depósito do peixe, ambos produzidos por moradores de forma completamente artesanal e com matéria-prima do próprio lago.

Figura 21 – Produção de remo por morador do lago

Figura 22 – Paneiro para armazenamento de peixe

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Para a produção do remo se utiliza madeira das árvores que foram inundadas no lago. Sua retirada consiste na atividade realizada por muitos moradores que o fazem no período da seca e comercializam para múltiplos usos, desde a construção de casas à produção de lenha, como se observa na Figura 23.

Diante da destruição do ambiente, observa-se que práticas e saberes permanecem, mesmo que com certo grau de deterioração em função da estrição aos recursos. Reaproveitam a madeira submersa, o que requer um grande esforço para sua retirada, e além da contradição entre proibição ou não. Como já fora mencionado, a Eletronorte tem interesse na retirada, haja vista que, assim, extingue a memória desse acontecimento tão danoso.

Figura 23 – Madeira retirada do lago, inundada há 30 anos

Fonte: Trabalho de campo (2015).

Diversas madeiras de lei foram submersas e, mesmo depois de 30 anos, se encontram em boas condições. Embora haja um enorme conflito quanto à retirada dessas árvores mortas, pois, para os pescadores elas servem de amparo para o alimento e sombra do tucunaré, impede e dificulta o arrastão pelo uso da malhadeira que finda espantando os peixes.

Atualmente, já não há tanta resistência quanto à retirada dessas árvores por conta da pesca de mergulho. A pesca de mergulho é uma prática de captura muito danosa para o ecossistema aquático, consiste no mergulho durante a noite para matar o tucunaré grande durante reprodução e este fica no entorno das árvores com seus filhotes e durante a reprodução não come e assim não pode ser capturado. O pescador mergulha e mata, o que faz com que todos os filhotes também não sobrevivam.