• Nenhum resultado encontrado

Formas identitárias construídas no período de formação docente e no

5. MEMÓRIAS DE UMA PROFESSORA RURAL: FORMAS

5.2 Formas identitárias construídas no período de formação docente e no

Nóvoa (2000) aponta que o percurso construído para a identidade profissional é o que identifica a individualidade docente. É o modo de cada um ser professor. Este percurso identitário é delineado pelas concepções de educação que ele tem, pelas escolhas metodológicas, pelo seu estilo pessoal de pensar sobre sua profissão. Portanto, a relação com as diferentes esferas de atividade (família, escola, profissão, etc.), é uma questão essencial na construção da subjetividade. Dubar (2005, p. 136) aponta:

[...] Desse ponto de vista, a identidade nada mais é que o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições. [...]

Segundo Dubar (2005), a identidade da sociologia está ligada às diversas esferas das atividades do homem, as quais ele se depara durante sua vida e delas deve se tornar ator. É uma construção do mundo vivido, uma vez que esse mundo pode ser desconstruído e reconstruído ao longo da existência. Os processos de socialização que produzem as identidades não se reduzem a habitus25 de classe nem a esquemas culturais.

A professora Tereza apresenta uma identificação bem marcante com as “irmãs” da Escola Normal Ginasial Medianeira. Isto é possível perceber pelo seu relato abaixo e também por duas fotografias; uma da formatura da Escola Medianeira, que aparece a Irmã Diretora Valéria, e a outra com o seu grupo de alunos. Por meio dessas fotografias é possível perceber a identificação com as irmãs do colégio, pela postura, pelas roupas, pelo relato abaixo.

19/07/68 - Formei-me na Escola Normal Medianeira onde sai com muito entusiasmo e muitos objetivos para serem aplicados em meus pequenos alunos, os quais iriam dar seqüência ao meu trabalho como professora numa escola rural. (Relato autobiográfico escrito da Tereza, 2010)

A fotografia abaixo retrata a formatura no Magistério Ginasial da professora Tereza na Escola Medianeira.

Figura 23 - Formatura da Escola Normal Medianeira

Fonte: arquivo pessoal Tereza Leal, 1968.

25 Habitus, este termo é utilizado por Bourdieu (2005) o qual ele se refere que o habitus está ligado constituição de práticas nas quais e pelas quais os indivíduos reagem, adaptam-se e contribuem no fazer da história. Neste sentido, o conceito de habitus é recuperar a noção ativa dos sujeitos com os produtores da história social e das experiências acumuladas no curso de sua trajetória individual.

95

A fotografia, (figura 23), foi produzida em 19 de julho de 1968, é a foto da formatura na Escola Normal Ginasial Medianeira. Irmã Valéria a Diretora da Escola, o Deputado Moisés Velasques - Paraninfo Civil -, Padre Artêmio Sanches – Paraninfo Religioso - e o grupo de formandas.

Gritti (2003, p.110) aponta o empenho do Governo Federal e Estadual até o ano de 1958, no processo de expansão escolar:

[...] conforme dados da professora Ruth Ivoty Torres da Silva, então Técnica em Educação da SEC/RS, citados no artigo sobre “A educação rural no Rio Grande do Sul”, publicado na Revista do Ensino nesse ano. No artigo, a autora mostra que o estado contava com 441 escolas primárias rurais, duas escolas normais rurais oficiais e seis escolas normais rurais particulares, das quais uma era feminina; outra masculina e as demais, mistas. (grifo da autora)

A autora destaca, que só uma escola particular tinha clientela feminina. Com essa informação, é possível perceber que a escola a que se refere, é a mesma que a professora Tereza realizou o magistério regional rural de 1º Grau em Santa Maria/RS, a Escola Normal Ginasial Medianeira. Esta escola funcionava, na época, como magistério rural de 1º Grau e caracterizava-se como uma escola particular.

A respeito do grupo de referência destaca Dubar (2005, p. 183): “(...) A constituição de um “grupo de referência” no interior da profissão, representa a um só tempo uma antecipação das posições desejáveis e uma instância de legitimação de suas capacidades, constitui um mecanismo essencial da gestão dessa dualidade.” O referido grupo é o assumido por Tereza e é representado pelas irmãs do Colégio Medianeira, instituição em que a professora recebeu a formação de magistério de 1º Grau. A identificação com as irmãs é representada nos gestos e no compromisso com os alunos assumido frente a Deus. Esta afirmação está fundamenta na fotografia número 23 e, principalmente, nos relatos autobiográficos produzidos pela professora.

Na fotografia (figura 24), está reproduzida a imagem da turma de estágio da Tereza. É possível perceber que as roupas usadas pela professora Tereza, que se encontra mais a direita da fotografia, evidencia a maneira polida de suas vestes, o que faz lembrar o hábito utilizado pelas irmãs da Escola Medianeira.

Figura 24 - Turma de Estágio da professora Tereza

Fonte: Arquivo pessoal Tereza Leal, s/d.

Neste sentido, a identidade herdada não irá determinar como será a geração seguinte, mas se construirá, através das estratégias criadas pelos indivíduos que passaram por instituições diferentes. Sendo assim, se a família de origem era formada por professores, não quer dizer que as gerações seguintes terão a mesma profissão. A Tereza veio de família de poucos recursos materiais, e foi criada por seus padrinhos, que possuíam ótimas condições financeiras.

Me formei em 68 no Medianeira que naquele tempo era o normal regional, e daí lecionei aqui fora,. me criei em Santa Maria por uma família muito grande em Santa Maria. (Relatos autobiográficos oral da Tereza, 2010)

A identidade, que é construída na família, é também um aspecto importante a ser

considerado, pois é na infância que é herdada a identidade sexual, étnica é recebida dos pais ou das pessoas que são responsáveis pela educação do indivíduo. A Tereza trouxe consigo as heranças herdadas da sua família de origem, mas as concepções sobre o futuro e a orientação profissional, veio da família que a criou.

Segundo Dubar (2005), a identidade que é herdada da família, não é escolhida, é conferida aos indivíduos com base nos pertencimentos étnicos, políticos, religiosos, profissionais e culturais dos pais. Neste contexto, entra também o desempenho escolar. A escola elementar na condição de instituição primária, constitui um ponto decisivo para a primeira construção da identidade social. É dessa forma que aprendemos a ser o que somos. A

97

identidade herdada da família é a identidade visada, que é transmitida pela escola, que são desenvolvidas na infância e na adolescência. Portanto, servem de estratégias identitárias para toda a vida.

A professora Tereza relata que a família que a criou tinha uma situação econômico- financeira muito boa e, por esse motivo, deu-lhe suporte material e orientação para uma formação profissional. Na década de 60, a mulher deveria ser preparada para a função doméstica e o curso de corte e costura, era quase um pré-requisito para a sua formação. Na verdade, a professora até iniciou o curso, mas não tinha habilidade suficiente e nem interesse pela função. Então, foi questionada por seu pai de criação a respeito do motivo e do desinteresse, e ela argumentou que não era isso que queria e que gostaria de fazer o magistério, mas este era para quem tinha condições financeiras de fazê-lo.

Uma coisa que eu gostaria dizer é que filho de pobre não pode ser professor! Porque que filho de pobre não pode? Porque se tu tem vontade, vai estudar para ser professora e eu vou pagar, só que aí tem uma condição: tu não pode rodar! Porque eu sei que tu quer estudar no Medianeira e o Medianeira é colégio particular! E tu não pode rodar! ‘Nunca vou rodar, porque eu quero!’ Nunca rodei, sempre fui uma das primeiras e fui o segundo lugar do estado! (Relatos autobiográficos Oral da Tereza, 2010)

As dificuldades financeiras que a professora se refere dizem respeito à condição de que ela era de sua origem humilde e, por este motivo, não acreditava que pudesse realizar o magistério. Foi o seu padrinho (pai de criação), quem oportunizou a ela realização do curso de magistério. A origem familiar, de acordo com Dubar (2005), é a origem de todas as coletividades humanas, pois são nas relações estabelecidas na instituição familiar que se constroem os mecanismos que fundamentam as relações sociais futuras. A imbricação dessas três relações primitivas (filiação, aliança e consanguinidade), é o que constitui a origem de todas as coletividades humanas.

A professora Tereza segundo suas concepções na época, relata que “filho de pobre não pode ser professor”, pois ela vivenciava essa realidade. No entanto, esse processo de transformação social, que era o magistério, iria continuar auxiliando-a a ascender socialmente, pois nessa época, esse curso tinha uma imagem positiva perante a sociedade, pertencia a elite e dava status.

Segundo Dubar (2005), para que a ascensão social aconteça, é necessário uma ruptura em relação à socialização primária (que acontece na família), esta ruptura pode acontecer por meio do diálogo, que foi o que aconteceu na nova família da professora. Este diálogo deverá

modificar e reconstruir a realidade subjetiva, com a inclusão de uma “contradefinição da realidade”.

Ao fazer suas escolhas profissionais, as professoras estarão negociando formas identitárias, que estão articuladas aos saberes provenientes das experiências pessoais e profissionais. Neste sentido, Dubar (2005) aponta que os processos de continuidade e ruptura fazem parte do processo identitário e possibilitam aos indivíduos forjar sua própria identidade.