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Formas paradigmáticas de ordenação psíquica patológica na velhice

CAPÍTULO 3: Qualidade de Vida na Velhice

3.5. Formas paradigmáticas de ordenação psíquica patológica na velhice

Durante a velhice, o equilíbrio dinâmico entre ganhos e perdas se torna menos positivo e o indivíduo começa a vivenciar um número maior de perdas do que as enfrentadas durante outras fases do ciclo vital (Baltes & Baltes, 1990). A forma como o idoso lida e enfrenta essas mudanças e perdas varia individualmente, e dependerá do seu percurso vital e ambiente psicossocial.

Essas perdas associadas a fatores como: falta de integração social, fragilidades pessoais, estressores crônicos, ausência de conquistas na vida e agentes provocadores podem ser

Capítulo 3: Qualidade de vida na velhice | 37 preponderantes para o aparecimento de psicopatologias (George, 1999; Erikson, 1982/1998). Igualmente, a carência de mecanismos de auto-regulação que auxiliam o sujeito a manter sua integridade psicológica pode dificultar a adaptação frente às mudanças decorrentes do envelhecimento (Freire, 2006). Esses mecanismos envolvem as estratégias de seleção, otimização e compensação que propiciam maior flexibilidade comportamental diante novas situações discutidos anteriormente.

Outro fator que pode contribuir para o surgimento de psicopatologias é o contexto social e as representações sociais nele presentes. Apesar de um início de mudança paradigmática do pensamento atual sobre a velhice estar ocorrendo, o idoso ainda é considerado como uma pessoa que existiu em um passado, realizou seu percurso psicossocial e espera o momento da morte para sair inteiramente da cena do mundo. Dessa forma, o velho é lançado no passado para revisitá-lo através das lembranças, mas sem possibilidade de articulação do presente e de se relançar adiante no futuro. Essa representação social produzida pela modernidade ocidental retira do sujeito idoso a possibilidade de elaboração de um projeto possível de futuro e traz efeitos simbólicos para o psiquismo (Birman, 1997).

Diante disso, Birman (1995) esboça três formas paradigmáticas de ordenação psíquica do idoso, ou seja, formas de lidar e manejar o impasse de sua situação: depressão, paranóia e mania. Esses termos não são utilizados dentro da descrição psiquiátrica de quadros clínicos, mas são compreendidos como estilos psíquicos diferenciados do sujeito se defrontar com a morte e a inexistência de um futuro possível. Dessa forma, esse autor propõe uma releitura das psicopatologias que surgem durante a velhice. Dentre os três estilos propostos, trataremos apenas da depressão por ser um dos focos desse trabalho.

Tendo em vista a maneira como o envelhecimento muitas vezes é compreendido no mundo ocidental em que vivemos, a ‘pessoa idosa’, como afirma Messy (1999), não existe. Essa ‘pessoa’, freqüentemente, é tratada como um amontoado de anos, com usos e costumes característicos, temperamento e defeitos próprios da idade em que se encontra. Além disso, “adquire um aspecto de bicho-papão do ego” (p. 25), um morto em vida, já que a morte é a única coisa que o velho deve aguardar. Assim, a depressão pode surgir quando a pessoa idosa revisita seu passado e, se não encontra a possibilidade de elaboração de um projeto possível para o futuro, perde a oportunidade de retificar erros e omissões e, conseqüentemente, de rearticular o presente. O psiquismo do sujeito se foca, então, apenas nas perdas e faltas de sua existência.

É evidente que, com o envelhecimento, o indivíduo se defronte com uma possibilidade mais real da morte, diminuição de suas perspectivas futuras, e mudanças no âmbito físico e

Capítulo 3: Qualidade de vida na velhice | 38 cognitivo. Além da diminuição e perda do vigor da juventude, o corpo do idoso perde os padrões de beleza e capacidade reprodutiva cultivados pela sociedade atual. Torna-se, então, inevitável a realização de um trabalho de luto. Se o ambiente social proporcionar possibilidades de substituição simbólica das perdas enfrentadas pelo idoso por ganhos em outras dimensões da existência, haverá oportunidade de elaboração psíquica (Py, 2004).

A depressão no idoso possui manifestações, muitas vezes, diferentes das verificadas em adultos jovens. Além da tristeza, desânimo e apatia, queixas somáticas e déficits cognitivos também são freqüentes (Stoppe Junior & Louzã Netto, 1996). Portanto, deve-se levar em consideração diversos aspectos para se fazer um diagnóstico de depressão. Além dos fatores presentes em sua vida atual, como as alterações comportamentais, é importante atentar para situações vividas ao longo de sua vida. Mudanças normativas ligadas ao processo de desenvolvimento assim como as não-normativas causadas por fatos inesperados devem ser analisados (Linhares, 2002; Baltes, Staudinger & Lindenberger, 1999).

Goldfarb (2004) propõe a classificação das formas de envelhecimento em vias elaborativas e vias regressivas. As vias elaborativas permitem a instalação de nova posição subjetiva do indivíduo frente ao envelhecimento através da reordenação de seu psiquismo e adaptação frente às mudanças. Essas vias têm como fundamento a sublimação através da arte, religião, projetos possíveis, serenidade. As formas regressivas englobam os estilos psíquicos propostos por Birman (1995) e um quarto estilo proposto pela autora, o demencial.

Este seria uma forma de articulação psíquica através da qual foge-se da depressão e recusa-se o passado através do esquecimento de tudo o que for ligado à dor da perda e da sensação de finitude (Goldfarb, 2001, 2004). Aposentadoria, perda de alguns papéis sociais e de pessoas próximas, isolamento, ausência de lugar no ambiente social e na família, sentimento de finitude podem ser vivenciadas como perdas insuportáveis. Juntamente com outros aspectos presentes na história de vida, podem contribuir para o desencadeamento de um processo demencial como tentativa de driblar a angústia e o terror frente ao que provoca a dor (Messy, 1999).

Apesar da importância em se levar em consideração os aspectos individuais e da trajetória de vida para compreender o desenvolvimento da demência na velhice, não podemos desconsiderar aspectos neurológicos dessa enfermidade psíquica. Seu diagnóstico baseia-se no declínio cognitivo persistente, com comprometimentos na linguagem, praxias, gnosias, funções executivas e memória, independente de alterações na consciência e que interferem nas relações e atividades do indivíduo (Nitrini, 2006).

Capítulo 3: Qualidade de vida na velhice | 39 distúrbios metabólicos, tóxicos ou carenciais; lesões estruturais do Sistema Nervoso Central decorrentes de vários fatores como doença vascular cerebral, hidrocefalia, entre outros; doenças degenerativas primárias no Sistema Nervoso Central, como Doença de Alzheimer, degenerações fronto-temporais e demência com corpos de Lewy (Machado, 2006).

Além dos sintomas já apresentados, outros também são comuns nas demências decorrentes de doenças degenerativas. Alterações comportamentais como desinibição social, ausência de autocrítica e dificuldade em falar de si mesmo são sintomas marcantes nessas demências. Pesquisas têm demonstrado que concomitantemente ao tratamento farmacológico, o acompanhamento psicoterapêutico tem obtido resultados quanto ao retardamento e estagnação de alguns dos sintomas presentes (Messy, 1999; Goldfarb, 2004; Nitrini, 2006).

Portanto, é importante e essencial tentar encontrar um equilíbrio quanto à análise que se faz das demências e sua etiologia. O olhar multidisciplinar e uma postura que reflita sensatez e ausência de austeridade contribuem para que se possa intervir e auxiliar de forma mais eficaz o idoso que sofre.

A partir das reflexões feitas nos Capítulos 1, 2 e 3, algumas entrevistas foram realizadas com idosos com o propósito de compreender suas trajetórias. Além disso, outros instrumentos de pesquisa foram utilizados. Aspectos relacionados à metodologia de coleta e análise dos dados obtidos, assim como a apresentação e discussão dos dados serão apresentadas nos próximos capítulos.

CAPÍTULO 4