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3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NAS FORMAS DE TRATAMENTO DAS LÍNGUAS

3.1 Formas e usos dos pronomes de tratamento nas variedades do Espanhol

As formas de tratamento da Língua Espanhola variam, apresentando particularidades de uso, a depender da região geográfica, nível social do falante, sexo do locutor e/ou interlocutores, meio (oral ou escrito), relação entre os interlocutores, situação comunicativa, entre outros aspectos. Este é um tema complexo e de difícil generalização, portanto temos

consciência de que não conseguiríamos abordar de forma exaustiva toda a variação nos usos das formas de tratamento desta língua em apenas uma seção, tampouco seria o nosso objetivo. Logo, centramos esta seção na variação dos usos das formas de tratamento tú, vos, usted, vosotros e ustedes, perfazendo um panorama histórico de seus usos na Língua Espanhola, além de discorrer acerca dos diferentes sistemas de tratamento pronominais existentes nesta língua, com base na divisão proposta por Fontanella de Weinberg (1999). A modo de ilustração, quando possível, exemplificamos o uso destas formas em diferentes países hispânicos, com base nas peças teatrais que serão utilizadas na SD.

No tocante aos usos e evolução histórica das formas pronominais, conforme Calderón Campos (2010, p.236), no Espanhol medieval peninsular, as formas de tratamento existentes eram os pronomes “tú” e “vos”, para o trato no singular, e apenas o pronome “vos”, para o trato no plural. Este duplo uso do pronome “vos”, segundo Menéndez Pidal (1985, p. 251), foi herdado da Língua Latina, e possuía os seguintes matizes de uso: 1. tratamento de respeito e distanciamento do interlocutor; 2. usado para o tratamento no plural. Com o decorrer do tempo, ocorreram as seguintes mudanças: o “vos” de plural, transformou-se em “vosotros”, enquanto o “vos” com matiz de respeito e distanciamento, ampliou seu uso para o trato de confiança; também, o pronome “tú” teve seu uso restringido para o tratamento entre falantes de baixa classe social ou entre iguais com máxima intimidade. Deste modo, devido ao amplo uso do pronome “vos”, houve um progressivo desgaste desta forma, o que permitiu que surgissem outras formas de tratamento para designar respeito, por exemplo o “vuestra merced” acompanhado de verbos na terceira pessoa, o qual evoluiu ao pronome que conhecemos, atualmente, como “usted”.44 Sobre a aproximação da forma vos ao pronome tú, Calderón Campos (2010, p.235-236) afirma o seguinte:

Em um primeiro momento, até aproximadamente meados do XVI, vos e vuestra merced eram quase sinônimos e se empregavam como mecanismos distanciadores. Mas, a partir da segunda metade do século XVI, o único recurso aceitável socialmente para marcar distância era o tratamento indireto de merced, e o vos foi progressivamente aproximando-se da esfera do tú. Desde aproximadamente 1560 até o século XIX, a história do vos é a de uma hibridização com tú, especialmente perceptível no aspecto semântico (vos que se usa com o valor de aproximação de tú) e pronominal, [...]. (tradução nossa) 45

44 De acordo com Gomez Torrego (2005, p.107), as formas “usted/ustedes”, do ponto de vista sintático pertencem à terceira pessoa e fazem concordância com verbos em terceira pessoa, no entanto, no ato comunicativo estas formas pertencem a segunda pessoa, pois se referem ao interlocutor.

45Citação original: “En un primer momento, hasta aproximadamente mediados del XVI, vos y vuestra merced

eran casi sinónimos y se empleaban como mecanismos distanciadores. Pero a partir de la segunda mitad del XVI, el único recurso aceptable socialmente para marcar distancia era el tratamiento indirecto de merced, con lo que vos fue progresivamente acercándose a la esfera del tú. Desde aproximadamente 1560 hasta el siglo XIX, la historia de vos es la de una hibridación con tú, especialmente perceptible en el aspecto semántico (vos que se emplea con el valor de cercanía de tú) y pronominal, (…)” (CALDERÓN CAMPOS, 2010, p. 235-236)

Desta maneira, a partir das mudanças supracitadas, no paradigma pronominal Espanhol peninsular, na visão de Carricaburo (1997), houve a seguinte reorganização: o pronome “tú” era utilizado em contextos de confiança e intimidade; o pronome “vos” era utilizado somente para o tratamento em plural (evoluindo à forma vosotros), limitando-se a contextos de confiança; e o “vuestra merced/vuestras mercedes” era utilizado como tratamento de respeito. Com a expansão territorial Espanhola à América, as mudanças no sistema de tratamento pronominal não foram homogêneas, gerando a grande variação diatópica existente atualmente, refletida na diversidade de tuteo, ustedeo e voseo presente na hispano-américa. O tuteo, de acordo com Calderón Campos (2010, p. 225), refere-se ao uso do pronome tú acompanhado por seu paradigma verbal e pronominal, já o ustedeo consiste no uso do usted em situações de confiança e intimidade, por exemplo, em contextos familiares, isto é, o uso não convencional do pronome usted como marcador de distância ou respeito.

Por sua vez, Ramírez (2011, p. 22) afirma que o voseo trata-se do uso do vos como segunda pessoa pronominal do singular, no lugar do tú. Além disso, o autor destaca a existência de, pelo menos, três tipos de voseo, a saber: 1. pronominal-verbal (vos tenés); 2. apenas pronominal (vos tienes); 3. somente verbal (tú tenés); os quais apresentam-se em vários países hispano-americanos, em co-existência ou não com as outras formas de tratamento. Por exemplo, no Chile e no Uruguai, há a coexistência entre as formas vos, tú e usted, ocorrendo mesclas entre o paradigma tuteante e voseante para o tratamento informal e o usted utiliza-se para trato formal ou de respeito. Já na Argentina, há o uso do voseo completo generalizado para trato informal, de intimidade ou entre iguais e o uso do usted para trato de formalidade, respeito ou distanciamento (CALDERÓN CAMPOS, 2010, p. 234).

Diante desta variação nos usos das formas de tratamento, Fontanella de Weinberg (1999) ressalta que o sistema de tratamento pronominal é um dos aspectos mais complexos da morfossintaxe Espanhola. Ademais, o estudo das formas de tratamento se torna mais complexo se observarmos, também, as possíveis combinações com as suas formas verbais. Fato que a autora exemplifica através do uso da forma pronominal vosotros, utilizada na maior parte da península Espanhola, e ausente tanto no Espanhol canário quanto no americano, nos quais se dá o uso do ustedes como trato para segunda pessoa do plural. Ainda, destaca o uso do pronome vos, que é utilizado em grande parte da América e ausente em Canarias e na Península Espanhola, tratando-se de uma das características mais marcantes do Espanhol americano e com diversas possibilidades de combinações verbais. Diante deste contexto, a autora propõe a seguinte divisão dos sistemas de tratamento pronominais existentes na Língua

Espanhola:

Quadro 5 – Divisão do sistema de tratamento pronominal das variedades da Língua Espanhola

Relação entre interlocutore

s

Sistema I Sistema II Sistema III Sistema IV

Sing. Plural Sing. Plural

Singular Plural

Sing. Plural IIIa IIIb IIIa e IIIb

Intimidade Tú Vosotros Tú Ustedes Tú ~vos Tú Ustedes Vos Uste- des Confiança Vos

Formalidade Usted Ustedes Usted Usted Usted

Exemplos de países

Espanha Porto Rico Colombia, Uruguai, Chile Argentina, Paraguai Fonte:Fontanella de Weinberg (1999).

De acordo com Fontanella de Weinberg (1999), o sistema pronominal I é característico da maior parte da Espanha. Nele, há duas formas para tratamento no sigular, tú para confiança e usted para formalidade, além de duas formas correspondentes no plural, vosotros(as) para trato informal e ustedes para relações mais formais; ademais, cada uma destas formas possuem paradigma verbal próprio. Segundo a autora, este é o único sistema de tratamento pronominal do mundo hispânico em que existe a oposição confiança/formalidade nas formas de tratamento no plural (vosotros(as)/ustedes). Vejamos alguns exemplos de uso destes pronomes em uma peça Espanhola, de Jacinto Benavente:

(1) María: ¿Y tu marido y los chicos?

Emilia: Buenos, todos buenos. Fernando muy ocupado. Ya vendrá conmigo á saludar á tu hermano político... ¿Tú apenas le conocías, verdad? […]

(2) Emilia: ¡Un tío rico y solterón! ¿Pero vosotros en qué pensáis? No tenéis decoro si no le obsequiáis con una docena de sobrinos... si no queréis molestaros, en casa hay cuatro y allí no hay dinero ni herencias en perspectiva... ¡Bueno anda todo!

María: Manuel es joven y figúrate si le faltarán proporciones. […] (EL NIDO AJENO, JACINTO BENAVENTE, 1894, p. 8)

Nesta peça, as personagens María e Emília são amigas e utilizam formas de tratamento de intimidade, tú e vosotros. Sobre o uso da forma vosotros, atualmente, na região de Andaluzia, conforme Calderón Campos (2010, p. 229), esta forma desapareceu como trato informal em plural, persistindo, no entanto, suas formas verbais, as quais, coloquialmente, mesclam-se com o pronome ustedes, originando construções híbridas, tal como ustedes tenéis. Ainda, o autor afirma que nas ilhas Canarias, é possível ocorrer a alternância entre as formas pronominais ustedes e vosotros para o tratamento informal no plural, nas áreas rurais em La Gomera, El Hierro e La Palma.

destaca que, em Madri e na maioria das zonas urbanas, houve um avanço nas formas de tratamento simétrica informal (tú-tú) e simétrica de deferência (usted-usted). Ademais, a autora afirma que, dentre estes usos simétricos, o primeiro se impôs sobre o segundo, sendo o tuteo quase exclusivo no âmbito familiar, entre jovens ou entre pessoas de uma mesma profissão ou atividade. Por sua vez, no que tange ao uso do usted, a autora indica que, entre os jovens, o uso do usted é pautado pela maior idade do interlocutor, conhecimento prévio ou nível social, este último, geralmente, em filhos de operários.

No que diz respeito ao sistema pronominal II, nota-se que as formas de tratamento no singular coincidem com o sistema pronominal I, embora, para o tratamento no plural haja apenas uma forma, nesse caso, o ustedes. Segundo Fontanella de Weimberg (1999), fazem parte deste sistema: algumas regiões da península Espanhola, tal como Andalucía e Canárias, com a especificidade que destacamos anteriormente, a maior parte do território colombiano e venezolano e uma pequena parte do território fronterizo do Uruguai. Também, podemos acrescentar a este sistema, a maior parte de Cuba, México, Peru e Porto Rico. Neste último, o tuteo abarca todas as categorias sociais, sendo possível seu uso mesmo nas esferas em que seria esperado o pronome usted. Ainda, neste país, as formas verbais tuteantes podem ocorrer com ou sem –s final, por exemplo, ¿Qué tú dice(s)?; ¿Cómo tú está(s)? (RAMÍREZ, 2011, p.18)

De acordo com Carricaburo (1997, p. 22), há duas pautas gerais que influenciam o uso de tú ou usted em Porto Rico: o sexo do locutor e interlocutor e a idade. Segundo a autora, neste país os homens que iniciam o tuteo em uma situação comunicativa e o utilizam com mais frequência que as mulheres em todas as categorias sociais, além disso, as mulheres se tutean mais entre si do que os homens. No âmbito familiar porto-riquenho, os homens tutean mais às mulheres que a outros homens. Já no que se refere à idade, os mais velhos utilizam um tuteo não recíproco com os mais novos (tú-usted). Ademais, Calderón Campos (2010, p.234) destaca que o tratamento utilizado para pessoas desconhecidas em Porto Rico é o usted e este pronome, também, pode ser utilizado para tratamento em situações de enfado ou raiva. Vejamos os exemplos abaixo. No exemplo 3, a personagem Sandoval, noivo de Amélia, utiliza a forma de tratamento tú ao dirigir-se a ela. Já no exemplo 4, Amélia o trata por usted, talvez pela situação de enfado, ao adverter Sandoval para que trate bem a sua irmã. Ainda, no exemplo 5, Arturo, irmão de Nepa, tutea a sua irmã e esta o trata de forma recíproca.

(3) SANDOVAL.--Pues, hija, en un rapto de buen humor te digo que todo está bien, que seguiremos tan amigos como antes..., pero que si he de serte franco... ¿Cómo te lo diré? ¡Nada! Que entre un combate con toda la familia Regúlez, y la

amenaza de matrimonio que tú tienes suspendida sobre mi cabeza... ¡prefiero el combate! […]

(4) AMELIA.— […] Vamos, Sandoval... ¿qué hace ahí como un pánfilo? Aquí la tiene... ¡y cuidadito cómo me la trata usted!

(5) ARTURO.--Nepa, no te consiento que le faltes al respeto a papá.

NEPA.--Él no nos respeta tampoco ni a mamá ni a mí, porque somos mujeres. Además, yo no doy mi respeto gratis, como das tú el tuyo. Lo cambio por otro respeto igual hacia mí... ¡pero no lo regalo! (EL HÉROE GALOPANTE, NEMESIO C. CANALES, 1923)

No tocante ao sistema de tratamento pronominal III, Fontanella de Weinberg (1999) o subdivide em IIIa e IIIb, segundo os usos de vos, tú e usted. O sistema IIIa é o mais difundido nas regiões que coexistem o voseo e o tuteo, apresentando uma alternância bastante generalizada de formas, além da forma ustedes para trato no plural. Segundo a autora, o que influencia a escolha entre um pronome ou outro, neste sistema, é a preferencia dos falantes mais cultos e em estilo mais cuidado pelo uso de tú, enquanto, com maior frequência, os falantes de menor nível sociocultural e em estilos mais informais prefiram o uso do vos. A autora, também, chama a atenção para a falta de autonomia do voseo, neste sistema, posto que pode haver as seguintes combinações entre as formas de tuteo e voseo pronominais e verbais:

A) Tú + verbos em segunda pessoa de singular: Tú podrías acompañar a los viejos en un paseo;

B) Tú + verbo em segunda pessoa do plural: Tú no tenís por qué andarme poniendo mal con tu jefe.

C) Vos + verbo em segunda pessoa do singular: El que no sepa comportarse no será admitido la próxima vez, ya sabes vos.

D) Vos + verbo em segunda pessoa do plural: Y vos, huevón, todavia te reís. ¡Tremenda gracia! (FONTANELLA DE WEINBERG, 1999, p. 1405)

Alguns países que fazem parte do sistema de tratamento pronominal IIIa, são: grande parte da Bolívia, o sul do Peru, parte do Equador, algumas regiões colombianas, o oeste venozuelano, a fronteira de Panamá e Costa Rica, o estado mexicano de Chiapas e Chile. Sobre este último, Torrejón (2010) destaca que há o uso do vos com as formas verbais derivadas da 2a pessoa de plural para dirigir-se a um interlocutor único, a saber: vos andái, vos comís, vos vivís. Também, há o voseo misto pronominal, com o uso do vos com as formas verbais de 2a pessoa do singular (vos andas, vos comes, vos vives). O autor ressalta, ainda, que no país existe o uso normativo de tú e tuteo que, também, origina uma terceira forma de voseo, o misto verbal, no qual se utiliza a forma tú com as formas voseantes (tú andái, tú comís, tú vivís). Por sua vez, o uso do usted, neste país, conserva o valor de respeito e distância, além do seu uso em situações de carinho ou de repulsa. Ainda, Carricaburo (1997) afirma que na escola e no mundo profissional, neste país, as relações são rigorosamente estratificadas e estão marcadas pela assimetria no trato entre inferiores e superiores, assim, quem está no pólo do

poder pode utilizar o tú ou o vos, enquanto quem está no polo de inferioridade utiliza o pronome usted.

Também, sobre o voseo chileno, Torrejón (2010) afirma que, nos séculos XVI e XVII, o vos possuía conotação tanto de distancia como de solidariedade, até que o uso da forma vuestra merced se impôs como marcador de respeito, convertendo o vos como marca de intimidade entre iguais e distancia entre inferiores. No século XVIII, consolida-se o tuteo nas classes cultas e, a partir do século XIX, há uma estigmatização do voseo como uso popular das clases baixas e rurais. Esta estigmatização do voseo se mantem até a entrada do século XX, com o voseo como uso popular e rural e o tuteo para as classes média e alta. No entanto, conforme Torrejón (2010), a partir da década de 70 do século XX, houve uma tendência aos usos pronominais informais, com o surgimento do voseo culto das classes médias e altas (tú hablái, tú comíh).

Sobre o uso de tratamento pronominal chileno, Calderón Campos (2010) esclarece que o voseo verbal (tú llegái, tú comí) é frequente entre os jovens urbanos, cultos e em situações informais. E, em menor medida, há o voseo completo (vo(s) llegái(s), vo(s) comí(s)) com conotações rurais, de incultura e de informalidade. Assim, a norma culta chilena, segundo o autor, compõe-se da seguinte forma: tú estái (confiança, intimidade) – tú estás (solidariedade intermédia) – usted está (máxima formalidade). Observemos, no exemplo 6, que Rebeca, moradora de ambiente rural e escolarizada, dirige-se a J. Antônio com um voseo verbal misto; enquanto, no exemplo 7, J. Antonio trata a Rebeca com um voseo completo, indicando, por exemplo, a situação de intimidade e sua origem rural. Já no exemplo 8, esta personagem reporta-se a Marta, irmã de Rebeca e que vive na capital, com a forma de tratamento de respeito, neste caso, podendo indicar, também, enfado.

(6) REBECA.- ¿Y tú creís que tienen corazón las flores? [A J. ANTONIO] (7) J. ANTONIO.-¿Y vos tenís corazón? [A REBECA]

(8) J. ANTONIO – Yo señorita, he de decirle que en realidad me molestó que usted

se burlara de mí, tal vez yo soy poco fino en mi trato, pero… [A MARTA] (PUEBLECITO, ARMANDO MOOK, 1917)

No que tange ao sistema de tratamento pronominal IIIb, Fontanella de Weinberg (1999) destaca que, nele, encontram-se três níveis de formalidade expressos pelas formas de tratamento, a saber: vos (íntimo) – tú (confiança) – usted (de uso formal). Para a autora, um país que caracteriza este sistema é o Uruguai, no qual há o uso do voseo completo (vos cantás) entre pessoas íntimas ou familiares, enquanto o voseo verbal (tú cantás) é utilizado em relações em que há confiança, mas não intimidade, tal como, entre conhecidos, companheiros de trabalho, professores e estudantes universitários, etc. Por outra parte, o usted conserva o

seu uso de respeito e caráter formal. Sobre o uso das formas de tratamento no Uruguai, Calderón Campos (2010), também, destaca o paradigma pronominal tríadico (tú-vos-usted), embora ressalte que o voseo misto (tú tenés) é considerado a norma padrão de Motevideo e um aspecto característico da capital que se estende a outras regiões do país. No entanto, pela influência dos meios de comunicação de Buenos Aires, o voseo completo está sendo mais utilizado pelos jovens.

Carricaburo (1997, p.30) explicita que no Uruguai, também, há duas zonas de tuteo exclusivas, a saber: a região de Rocha, na costa leste, e a região de fronteira com o Brasil, embora o tuteo, nestas regiões, não tenha prestígio social, privilegiando a norma culta da capital. Ainda, Bertolotti (2006), ao discorrer sobre a evolução das formas de tratamento pronominais no Uruguai, destaca que entre os séculos XVIII e XIX, vigorava, no Uruguai, a forma tú, para o tratamento informal, e vuestra merced/usted, para o tratamento formal. No entanto, nos séculos XX e XXI, as formas de tratamento informal apresentam grande variação entre o vos e o tú, inclusive em registros escritos. Posto que, como pontua Fontanella de Weinberg (1994), a diferença da Argentina, no Uruguai há uma complexa distribuição de usos orais entre o tuteo e o voseo, porém, na modalidade escrita, há um marcado predomínio do tuteo.

Abaixo, observamos alguns exemplos de uso das formas de tratamento pronominais na peça uruguaia La Pobre Gente, de Florencio Sánchez. No exemplo 9, verificamos o voseo completo utilizado por Felipe, pai de Zulma. Já no exemplo 10, Isidora, conhecida de Zulma, tutea a esta, indicando a relação de confiança entre ambas as personagens. No exemplo 11, constatamos a forma de tratamento usted, utilizado pelo caseiro da casa alugada por Felipe, podendo indicar uma relação de respeito ou distanciamento para com Felipe.

(9) FELIPE.- ¡Están muy comadres!... [A ZULMA.] ¿Y vos?... ¿Qué tenés, con esa cara de madona disgustada?... ¿Dónde está la costura que has traído? [...] (10) ISIDORA.- ¿Y tú?... ¿Te escondiste? [A ZULMA]

(11) CASERO – […] Yo no tengo la culpa... En verdad, me duele hacerlo... pero

usted sabe que yo no soy más que un triste empleado, y amigo, donde manda

capitán... así es que... [Ademán de irse.] [A FELIPE] (LA POBRE GENTE, FLORENCIO SÁNCHEZ, 1908)

Em relação ao sistema de tratamento pronominal IV, Fontanella de Weinberg (1999) o caracteriza pela presença da forma vos, para trato informal no singular, a forma usted para trato de respeito ou formalidade no singular e a forma ustedes para o trato no plural, formal ou informal. Alguns países que utilizam este sistema pronominal são: Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, Paraguai e Argentina. Neste último, segundo Couto e Kulikovski (2011), o voseo é usado nos diversos âmbitos sociais coloquiais e familiares, possuindo prestígio social, ou

seja, é aceito como a norma culta, apresentando-se em sua forma completa (pronominal e verbal) e monotongada (vos tenés). Também, Carricaburo (1997) afirma que o voseo se impôs totalmente sobre o tuteo e avança, inclusive, sobre o uso do usted. Neste contexto, Rigatuso (2000), também, chama a atenção para o avanço do sistema de tratamento pronominal bonaerense em direção à proximidade e informalidade, com o uso cada vez mais frequente do pronome vos em diversos contextos interacionais, incluindo o domínio de relações comerciais, com a mescla de formas nominais señor/señora e a forma vos, por exemplo: ¿Alguna otra cosa señora?; ¿Querés poner algo en la bolsita? (RIGATUSO, 2000, P. 332). Por sua vez, Moser (2011, p. 443) aponta para o aumento do ustedeo na alta clase bonaerense, embora a autora concorde que, de forma geral, dá-se o uso do vos para situações informais, hierárquicas desde o polo de poder, em situações simétricas e em interações assimétricas de inferioridade.

Sobre a generalização do voseo na Argentina, Fontanella de Weingerg (1999) explica que o uso do vos como trato geral para relações de confiança, tanto no âmbito oral como no