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3. A eleição direta de dirigentes escolares

3.1 Formas usuais de escolha

Luiz Fernandes Dourado (2000), numa pesquisa que teve como objetivo analisar o “dito” processo de democratização das escolas municipais de Goiânia, por intermédio da implementação da eleição direta para a escolha de dirigentes escolares, identificou cinco formas mais usuais de provimento do cargo/função de direção, praticadas pelos sistemas de ensino nos anos 80:

a) Diretor livremente indicado pelo poder público

Esta modalidade pode ser identificada também como “cargo de confiança” concedido a alguns “privilegiados” pelo poder público. Esse era o procedimento de escolha que mais se coadunava e contemplava as formas usuais de clientelismo. Segundo o autor, permitia

A transformação da escola naquilo que numa linguagem do cotidiano político pode ser designado como curral eleitoral, por distinguir-se pela política do favoritismo e marginalização das oposições, em que o papel do diretor, ao prescindir do respaldo da “comunidade escolar”, caracterizava-se como instrumentalizador de práticas autoritárias, evidenciando-se forte ingerência do Estado na gestão escolar. (DOURADO, 2000, p. 83)

b) Diretor de carreira

Modalidade encontrada em número mais reduzido nas escolas públicas, sendo mais efetivada no âmbito da iniciativa privada. Os critérios utilizados para este tipo de escolha são geralmente: tempo de serviço, merecimento e/ou distinção de escolarização. Essa modalidade de orientação meritocrática apresentou-se também como uma variação da indicação política. c) Aprovação em concurso público

Os defensores dessa modalidade advogam pela objetividade na escolha de méritos intelectuais que as provas objetivas e de títulos conferem ao processo e, ainda, a possibilidade

de coibição do clientelismo utilizado na indicação do cargo. No entanto, a administração escolar não se resume à dimensão técnica, mas constitui-se num ato político. Assim, ao tomar como critério a competência técnica, corre-se o risco de reduzir a função do diretor “à rotinização das atividades administrativas e burocráticas, secundarizando, desse modo, a compreensão mais abrangente do processo político-pedagógico” (DOURADO, 2000, pp. 83- 84).

Dourado defende o concurso público como ponto de partida para o ingresso no magistério público, mas não concorda que esta seja a forma mais apropriada para a escolha de dirigentes escolares.

Paro (1996, pp. 19-26) ao analisar os méritos e as limitações do concurso público como critério para a nomeação do diretor/diretora escolar reafirma que há poucas dúvidas quanto a sua capacidade de aferir objetivamente conhecimentos técnicos aos candidatos, entretanto, a principal insuficiência que o concurso revela é que ele não se presta à aferição da liderança do candidato diante dos servidores, professores, pais e alunos da escola. Não é a falta de conhecimentos sobre teorias de administração escolar que impede o diretor/a diretora de gerir uma escola com qualidade, mas a falta de representatividade, de liderança, de compromisso com as causas da comunidade podem ser empecilhos maiores. Quando se trata da escolha do dirigente, é preciso ter clareza do tipo de desempenho que se espera do futuro ocupante do cargo, para saber se o procedimento de concurso tem condições de aferir ou não a presença da necessária aptidão.

d) Indicação por listas tríplices e sêxtuplas

Essa modalidade consiste na consulta à comunidade escolar ou a setores desta para a indicação de nomes (três ou seis) dos possíveis dirigentes, ficando a cargo do executivo nomear o diretor dentre os candidatos mais votados. Essa forma de indicação conta com a participação da comunidade apenas no início do processo, a decisão final é sempre do Estado

“nesse caso, a comunidade é normalmente chamada para legitimar as ações autocráticas dos poderes públicos sob a égide do discurso de participação/democratização das relações escolares” (DOURADO, 2000, p. 84).

e) Eleição direta

Esta é, historicamente, a modalidade mais defendida pelos movimentos sociais e educacionais como uma das formas mais democráticas para a ocupação do cargo de diretor na escola pública. A sua defesa vincula-se à crença de que o processo eleitoral implica na conquista do poder de decisão da comunidade sobre os rumos da gestão escolar.

Dourado, consoante com os segmentos educacionais mais críticos, não acredita que a eleição por si só possa garantir a democratização da escola, mas defende-a como um instrumento de exercício democrático que deve ser associado a outros elementos na luta pela democratização das relações escolares. O autor também adverte que

Embora as eleições se apresentem como um legítimo canal na luta pela democratização da escola e das relações sociais mais amplas - e não como o único - é necessário não perdermos de vista as limitações do sistema representativo numa sociedade de classes assentada em interesses antagônicos e irreconciliáveis, entretanto, a forma de provimento pode não definir o tipo de gestão, mas, certamente, interfere no curso desta. (DOURADO, 2000, p. 85)

O autor reconhece que o processo de democratização da escola não prescinde da institucionalização de canais que possam ser viabilizadores do diálogo e da decisão coletiva. Isso inclui não somente a eleição direta para dirigentes escolares, mas o fortalecimento de outros mecanismos de democratização da gestão escolar como, por exemplo, os conselhos escolares, que precisam assumir de fato o papel de instância máxima de decisão na escola; os grêmios estudantis como expressão da politização dos alunos; a forma colegiada de planejar, executar e avaliar o projeto pedagógico da escola; entre outras que não se encontram instituídas, mas podem vir a surgir conforme a escola aperfeiçoe os seus canais de participação democrática.

A democratização da escola passa não somente pelas questões administrativas, mas pela universalização do acesso, do conhecimento e saberes, pela construção de relações interpessoais mais humanizadoras e solidárias que são imprescindíveis para a inclusão social e para a promoção da justiça e igualdade. Nesse sentido, o autor defende que

A luta pela qualidade social da educação não pode estar dissociada de lutas mais amplas pela igualdade, pela eqüidade, num país margeado por desigualdades sociais tão gritantes. Portanto, pensar a democratização da escola implica lutar pela democratização da sociedade da qual essa faz parte e é parte constitutiva e constituinte. (2001, p. 90)

Dourado, também, informa sobre uma outra pesquisa desenvolvida pela Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (ANPAE), intitulada “Escolha de Dirigentes Escolares”, realizada no ano de 1997 e que teve como objetivo identificar as modalidades de escolha de dirigentes escolares em curso no país nas esferas estaduais e municipais e problematizar a prática dessas modalidades nos sistemas de ensino. Essa pesquisa contou com uma amostra de 53 secretárias estaduais e municipais de educação, incluindo o Distrito Federal. Os resultados revelaram, entre outras questões, que ainda é significativo o índice de secretarias de educação que utilizam o critério da “livre indicação por parte de autoridades” como critério para a escolha de dirigentes. Mas, o que os dados também revelam é que apesar disso a eleição direta parece estar se tornando a prática mais usual de escolha de dirigentes.

Esses dados podem ser visualizados no quadro abaixo, transcrito do texto de Dourado (2000), intitulado “A escolha de dirigentes escolares: políticas e gestão da educação”.

Quadro nº. 1

Modalidades de provimento do cargo/função de diretor de escola adotadas por Secretarias de Educação de Estados e capitais brasileiras

Modalidades de provimento Nº. de Secretárias %

Livre indicação por parte de uma autoridade Eleição

Concurso público

Modalidade mista: eleição com concurso público Modalidade mista: eleição com plano de trabalho Modalidade mista: concurso público e designação Modalidade mista: currículo mais entrevista Modalidade mista: eleição mais livre indicação Modalidade mista: eleição mais provas escritas Outras modalidades 11 15 1 2 9 1 1 3 2 3 22,9 31,3 2,1 4,2 18,8 2,1 2,1 6,3 4,2 6,3

Obs.: Respostas do tipo “prova escrita”, “prova” e “teste de conhecimento” foram codificadas como provas escritas.

Fonte: Luís Fernandes Dourado, 2000, p. 86.

Os dados oriundos da pesquisa são esclarecedores quanto à valorização da eleição direta como forma de provimento do cargo/função de diretor escolar. Quinze (15) das cinqüenta e três (53) secretarias que fizeram parte da pesquisa adotavam a prática da eleição direta (31, 3%), seguidas de onze (11) secretarias (22,9 %) que adotavam a livre indicação. Isso nos leva a inferir que gradativamente os sistemas de ensino e as unidades escolares estão ampliando as possibilidades de democratização das relações de poder, posto que o fato de muitas unidades já praticarem as eleições diretas demonstra que os procedimentos mais participativos e democráticos têm prevalecido sobre as formas autocráticas, clientelistas e meritocráticas. Ainda que a pesquisa apresente resultados otimistas, Dourado chama a atenção para os desafios que a escola brasileira ainda precisa enfrentar para consolidar a gestão democrática da educação que, segundo o autor, precisa existir para além da mera escolha eleitoral de representantes e dirigentes.