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6. Discussão

6.5. Formigas diferentes nas diferentes fases

Além do tamanho do corpo, quais poderiam ser as outras diferenças entre esses dois grupos de formigas? O que eles possuem de diferente entre si para que a relação das operárias com o ritmo de claro e escuro seja diferente?

As colônias de saúvas são monogínicas, ou seja, possuem apenas uma única rainha. Entretanto, essa rainha copula com vários machos durante o voo nupcial. Ou seja, apesar de todas as operárias serem irmãs, existem linhagens paternais diferentes dentro de uma mesma colônia. Em formigas Acromyrmex echinator, que também são formigas cortadeiras e apresentam diversas semelhanças à Atta sexdens, a linhagem paternal é determinante para a diferenciação morfológica das operárias. Por consequência, as linhagens paternais são determinantes para definir a qual tarefa uma determinada operária será designada ao longo da vida (HUGHES, et al. 2003), dadas as regras e mecanismos de divisão de tarefas. Tal padrão observado em A. echinator

poderia existir também em A. sexdens.

No caso especifico das saúvas, a linhagem paternal diferente poderia explicar a grande variação morfológica observada na colônia. Consequentemente, explicaria a divisão temporal de tarefas relatadas neste trabalho, uma vez que existe forte relação entre o tamanho das formigas e a fase de preferência de forrageio. Contudo, a linhagem paternal pode influenciar em outras características além do tamanho, afinal, a carga genética proveniente do macho corresponde à metade do genótipo das operárias.

Uma dessas características pode ser justamente a fase de atividade preferencial. Em Apis mellifera foi descrito que a linhagem paternal apresenta correlação com a fase de forrageamento preferencial de operárias. No caso das abelhas o forrageamento acontece durante a fase de claro apenas. Isso porque as abelhas dependem muito da luz para a navegação espacial. Mas as abelhas que saem para forragear no turno da manhã são diferentes das abelhas que saem para forragear no turno da tarde. As abelhas melíferas não apresentam polimorfismo entre as operárias, como o observado nas saúvas, a diferença entre as abelhas que forrageiam de manhã e as abelhas que forrageiam a tarde é a linhagem paternal a qual elas pertencem (KRAUS et al., 2011). Em outras palavras, é seguro afirmar que de alguma forma o genótipo intrínseco de cada operária influencia na maneira com a qual ela se relaciona com os ciclos ambientais.

Apesar da existência dessa correlação, os mecanismos pelo qual os diferentes genótipos influenciam no comportamento de forrageamento continuam desconhecidos. Uma possibilidade que poderia diferenciar essas formigas diz respeito à aferência da informação da condição de luminosidade do ambiente. Como discutido na seção anterior, algumas estruturas anatômicas não apresentam a mesma curva de crescimento do resto do corpo. O olho pode ser uma dessas estruturas. Consequentemente, a maneira como o olho e suas estruturas fotorreceptoras codificam a informação acerca da condição de iluminação pode variar entre formigas de diferentes tamanhos/genótipos.

Outra possibilidade diz respeito à eferências diferentes à informação dada pelo oscilador molecular. Isso faria com que diferentes operárias respondessem de maneira diferente ao ritmo ambiental de claro e escuro. Ou mesmo, em um caso mais extremo, o oscilador endógeno poderia funcionar de maneira diferente nas diferentes formigas.

Entretanto, os mecanismos moleculares do oscilador endógeno são muito conservados através das linhagens, portanto, esse segundo cenário parece mais improvável.

Como apresentado na introdução, todos os animais apresentam algum tipo de oscilador endógeno passível de ser sincronizado com os ritmos ambientais. No caso dos insetos a maquinaria molecular do oscilador é baseada nas alças de retroalimentação da expressão dos genes period/timeless e clock/cycle. Essas alças se autorregulam criando um ciclo constante de aproximadamente 24 horas. Independente do habito de vida do inseto, seja ele noturno ou diurno, o gene period tem pico de expressão no meio da noite (SANDRELLI et al., 2008). Ou seja, o hábito de vida do animal (i.e. noturno ou diurno) depende da eferência dada ao estimulo da expressão dos genes do relógio. É possível que dentro de uma mesma colônia existam indivíduos que respondem de maneira diferente a esse estimulo, gerando os grupos noturnos e diurnos simultaneamente. De maneira semelhante ao observado em Apis mellifera.

Tanto a hipótese de diferenças no padrão de expressão dos genes do relógio quando nas diferenças de codificação da informação luminosa pelo olho e as estruturas fotorreceptoras das formigas precisam ser testadas.

A ideia de que essas formigas sejam diferentes entre si compactua com os modelos de limiares. Nas possibilidades levantadas acima os limiares de resposta à informação luminosa seriam diferentes, o que gerariam padrões comportamentais de forrageamento diferentes. Além disso, as diferenças nos limiares seriam em função de diferenças na relação que os indivíduos têm com a informação dada pelo relógio molecular, ou em função das diferenças na estrutura do olho das diferentes castas. Note que as diferenças dos limiares apresentadas seriam exclusivamente dadas por fatores internos aos indivíduos. Como fatores externos também podem gerar diferenças nos limiares, não se descarta a possibilidade de que as formigas dividam a tarefa temporalmente em função de algum aspecto externo ao individuo.

Apesar das hipóteses acima serem promissoras, não é possível descartar a hipótese que as formigas que aparecem em diferentes horários sejam iguais. Nesse caso, resta tentar compreender quais processos coletivos que podem gerar esse padrão observado. Entretanto, como a diferença morfológica foi observada, é razoável pensar que essas formigas que dividem temporalmente a tarefa de forrageamento são de fato diferentes entre si.