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Formulação e evolução do autoconceito

No documento A ut o- reg ul aç ão d a co nd ut a (páginas 29-33)

2.2. A evolução e as relações entre as crenças auto- referenciadas

2.2.1 Formulação e evolução do autoconceito

É muito importante perceber que o autoconceito não é uma estrutura fixa, mas sim mutável, que vai mudando e se transformando em algo muito mais complexo e diferenciado à medida que a pessoa vai crescendo (Mc DAVID, 1990; LEARY e TANGLEY, 2003;

MADDUX e GOSSELIN, 2003).

No começo da vida cada pessoa forma as primeiras impressões a respeito de si mesmo principalmente a partir do seu relacionamento físico com o meio e com os outros, o que gera o que se chama de imagem corporal. A concepção física do eu é um aspecto muito primitivo do autoconceito, porém muito importante para subsidiar as demais crenças.

Como já se mencionou, as crenças de auto-eficácia surgem desde que a criança aprende que o seu próprio corpo é eficaz na utilização de certos mecanismos (como o choro, os gritos ou os sorrisos) para obter do ambiente qualquer coisa que requeira para seu bem-estar. E na medida em que essa criança percebe quão querida, desejada e amada é

pelos outros (ou que percebe rejeição, desamor e maus tratos), começa a internalizar esses sentimentos, passando a construir suas crenças de auto-estima.

Assim, os primeiros parâmetros para avaliar o êxito ou o fracasso pessoal são as sensações corpóreas de satisfação e prazer, ou então de tristeza e frustração. Estes parâmetros vão, no entanto, mudando e se aperfeiçoando à medida em que as situações se tornam mais complexas, como menciona Mc David (1990):

O prazer e a satisfação que vêm com o êxito pessoal (a dor e a angústia envolvidas no fracasso pessoal) ficam associados cognitivamente com todas as atividades e experiências que acompanham essas situações, incluindo a percepção de si mesmo. Assim, o alcance de objetivos auto-estabelecidos, a melhora da performance sobre resultados anteriores, ou o alcance dos próprios parâmetros de avaliação, tudo contribui para a consolidação do autoconceito e da auto-estima. Quando faltam parâmetros objetivos para definir sucesso e fracasso, a comparação social com o desempenho dos outros pode definir o que é sucesso e fracasso. (Mc DAVID, 1990, p.310) (tradução da autora).

Então o prazer, em contraposição à dor, serão os primeiros parâmetros de referência para avaliar quão boa ou satisfatória foi uma experiência, e também para saber quão bem sucedido pode ser o “eu” na procura da satisfação. Porém, quando ainda faltam parâmetros objetivos para avaliar o êxito ou fracasso de determinada ação, a criança irá procurar esses parâmetros na aprovação ou desaprovação nos outros.

A comparação social que o indivíduo faz do seu desempenho com o dos outros ajuda a definir o sucesso e o fracasso. E para poder aprender a comparar seu desempenho com o dos outros é preciso aprender a captar e compreender as avaliações que as outras pessoas fazem a respeito do próprio desempenho, de forma a poder integrar essas avaliações com aquelas que o próprio indivíduo fez.

Para captar e compreender as percepções alheias o indivíduo deverá desenvolver a capacidade de se colocar no lugar do outro, entender seus pensamentos e sentimentos, ou seja, desenvolver habilidades sociais e cognitivas que conformam a capacidade de empatia.

Este processo requer tempo, pois se dá com o desenvolvimento da inteligência e com a interação social, acontecendo com particular importância em crianças pequenas em sua interação com as pessoas mais significativas do seu entorno, como os pais, os irmãos, os professores e os heróis. Justamente por isso é que é tão importante o papel da escola nesta etapa da vida da criança, pois é nesse âmbito que ela começará a se relacionar com

outras pessoas, membros externos à primeira unidade social mais comum, que é a família.

Essas interações permitirão que o autoconceito da criança evolua e que possa incorporar novos padrões de julgamento, que constituem a retro-alimentação social.

Este processo de incorporação de valores e crenças com os quais a pessoa poderá julgar a si mesmo é chamado de “processo de identificação” (Mc DAVID, 1990). Mas, evidentemente, nem todos os valores e crenças aos quais um indivíduo está exposto serão incorporados ao seu autoconceito. Isto se deve pelo fato de existir uma tendência natural a preservar a estabilidade do autoconceito, de maneira tal que o indivíduo é mais receptivo a uma nova informação que seja consistente com o autoconceito já existente, e menos a informações que sejam discrepantes.

Até aqui o que a criança vivenciou foram tanto experiências de êxito como de fracasso, e é importante resgatar que ambas são essenciais para o desenvolvimento do autoconceito. As experiências de fracasso provavelmente permitem ao indivíduo perceber que alguns de seus conceitos antigos não são mais adequados, ou que precisam de aprimoração. As experiências de êxito, por sua vez, permitem a afirmação de certos conceitos anteriores e a incorporação de novos conceitos e de novas formas de operar no mundo.

Markus e Wurf 5 (1987, apud KERNIS e GOLDMAN, 2003) adotam uma descrição do autoconceito que incluem dois componentes: aqueles que são mais estáveis (também chamados da “essência do autoconceito”) e aqueles que são mais maleáveis (também chamado de “autoconceito em processo”). Estes componentes funcionariam ao mesmo tempo, de forma a detectar a funcionalidade e a importância da informação que o sujeito está recebendo, antes de incorporá-la, como mencionam Kernis e Goldman (2003):

Novos aspectos relacionados ao eu podem ser incorporados ou subtraídos das concepções essenciais das pessoas enquanto estas adquirem autoconhecimento através de fontes como a comparação social, retro-alimentação do desempenho, adoção de novos papéis, maturação física e assim por diante. O autoconceito em processo consiste em um subconjunto de concepções essenciais do indivíduo que fica acessível em qualquer determinado ponto no tempo. (KERNIS e GOLDMAN, 2003, p.106) (tradução da autora).

5 MARKUS, H. e WURF, E. The dynamic self-concept: A social psychological perspective. Annual Review of Psychology, v.38, p.299-337, 1987.

O processo de incluir ou subtrair variáveis do autoconceito dependerá tanto de quão ancorados estejam os elementos que constituem a essência do autoconceito, como de quais variáveis sejam os elementos do autoconceito em processo. Estes cumprem a importante função de detectar a funcionalidade (para que) e a importância (por que) da informação que o sujeito está recebendo, antes de incorporá-la ao seu autoconceito.

Pode-se fazer um pequeno parêntese para lembrar como os estudantes perguntam a seus professores tão frequentemente o porquê de ser importante aprender algo, ou para que lhes servirá isso que estão aprendendo. Assim, a utilidade e importância de algum novo conteúdo são determinantes para que o indivíduo possa “assimilar” esses novos esquemas ou conhecimentos ao que ele já possui. Do contrário, se não se percebe sua utilidade e importância, estes são rapidamente descartados do foco de atenção do sujeito.

Contudo, incorporar novos elementos ao autoconceito pode trazer certas complicações, pois quando há uma falta de coerência interna no relato que a pessoa faz de si mesma e que lhe permite sentir que seu “eu” permanece o mesmo ao longo do tempo, então essa maleabilidade do autoconceito pode produzir sensações de ansiedade.

Por outro lado, é também interessante perceber como uma pessoa que tem diversos elementos que fazem parte do seu autoconceito pode ter vantagens, uma vez que, diante de uma situação complexa, poderá escolher dentro de um repertório de respostas mais amplo aquela mais apropriada para lidar de maneira eficaz com a situação.

Kernis e Goldman (2003) resgatam, no seguinte parágrafo, esta discrepância teórica:

Uma importante controvérsia conceitual precisa ser ainda completamente resolvida. O cerne desta questão gira em torno da adaptação relativa. De acordo com alguns autores, a habilidade de chamar para a ação múltiplos e até contraditórios aspectos relacionados ao eu reflete as complexidades da vida social e a habilidade das pessoas em ajustar-se a elas. De acordo com outros, a variabilidade e maleabilidade do autoconceito provavelmente refletem a confusão e a carência de autocoerência interna. (KERNIS e GOLDMAN, 2003, p.111) (tradução da autora).

Poder-se-ia encarar a confusão e a incoerência interna não como uma conseqüência da incorporação de múltiplos elementos ao autoconceito, mas sim da falta de análise do próprio indivíduo a respeito desses elementos especificamente.

Há situações específicas nas quais uma pessoa pode responder de maneira que contradiga, em parte, aquilo que ela acredita sobre si mesma, o que provavelmente gera confusão e ansiedade. Mas essas sensações poderiam passar quando a pessoa reflete sobre as causas e as circunstâncias que a levaram a atuar de determinada maneira e pode, assim, escolher os elementos que incorporará (ou deixará de lado) do seu autoconceito.

De acordo com Kernis e Goldman (2003), quando uma pessoa tem pouca clareza e confiança no conhecimento dela mesma, ou seja, quando a teoria que desenvolveu a respeito de si mesma não tem coerência interna ou não tem um nexo lógico ao longo do tempo, se diz que ela tem autoconceito empobrecido.

Isto pode acontecer quando as pessoas englobam características contraditórias ao descrever um mesmo aspecto de si mesmas, ou quando há pouca ou nenhuma relação entre os múltiplos aspectos de si, fazendo com que seu relato sobre o desenvolvimento da sua identidade seja pobre, desconexo ou incoerente.

Pois bem, a partir destas definições é possível estabelecer conexões entre o autoconceito e a auto-estima, como se faz no tópico seguinte.

No documento A ut o- reg ul aç ão d a co nd ut a (páginas 29-33)

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