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Antes de começarmos o capítulo é preciso indicar que não estamos tentando encontrar as bases de justificação ideológica do mutualismo, muito menos do mutualismo caixeiral em Alagoas, formuladas de maneira articulada em um conjunto de princípios. Sobre esta questão, de qualquer modo, cabe apontar rapidamente que o mutualismo entre os trabalhadores tem encontrado seus pressupostos nos últimos escritos de Proudhon. Em função do registro da presença e circulação de seu pensamento na vizinha província de Pernambuco em meados do século XIX,210

não é descabido pensar que esta chegada remota de vertentes do socialismo conhecido como utópico em praias recifenses parece fazer parte de uma cultura atlântica bastante rica e multiforme, que incluía elementos de radicalidade.211

Neste capítulo, mais detidamente, exploraremos algumas das manifestações ideológicas212 mais claras expressas pelos trabalhadores organizados no mutualismo caixeiral maceioense, ora através de textos publicados na imprensa pelos seus porta-vozes e lideranças, ora através de atitudes, engajamentos em movimentos sociais e posturas políticas efetivadas em determinadas conjunturas. Cabe ressaltar aqui, que muitas vezes as idéias divulgadas em órgãos das mutuais pelas suas lideranças e porta vozes, popularizam-se e viram senso comum, porém não necessariamente isto ocorre.

210 BATALHA, Claudio. Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões em

torno da formação da classe operária. In: Cadernos AEL: Sociedades operárias e mutualismo. Campinas, vol. 6, nº 10/11, 1999. PP. 41-66, p. 53; MORAES FILHO, Evaristo de. A proto-história do marxismo no Brasil. In: REIS FILHO, Daniel et alli. História do marxismo no Brasil I: o impacto das revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, pp. 15/45.

211

Até que ponto este ambiente fértil de ideias e posturas político-ideológicas espraia-se para Alagoas, não sabemos, ficando aqui apenas o registro desta proximidade. Cabe salientar, todavia, que na transição entre o século XIX e XX, mapeamos os intensos contatos entre socialistas e militantes do movimento operário entre os dois estados. MACIEL, Osvaldo. Trabalhadores, identidade de classe e socialismo. Op. cit., especialmente os capítulos II e III.

212 Por ideologia, aqui, entendemos as idéias que ganham força e função social em uma dada sociedade, grupo

ou classe social, e terminam servindo a concretização de determinadas práticas e projetos sociais. Dentre outros, conferir: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano – São Paulo: Boitempo, 2007.

3.1 - Revolucionários do progresso, arautos da civilização

Não foi sem contradição que os caixeiros adotaram para si os princípios da era das luzes, era do canto do progresso civilizacional, da força tida como inexorável que o capitalismo eurocêntrico impregnava os demais continentes em suas esfera de influência. Num artigo em que apresenta as diferenças entre as revoluções do passado e as do presente, a redação do órgão da Perseverança e Auxílio expõe um pouco de sua visão sobre este processo de longa data. O texto começa com uma epígrafe de Lamartine, que dá “Glória à revolução” e pede “piedade para os homens”.213

E vai se encaminhando para, ao final, exortar os caixeiros: “Avante, revolucionários do progresso”.214 Esta expressão, por si, já é paradoxal na medida em que o progresso como era entendido então deve ser evolucionário e não revolucionário, deve dar-se pelo simples desimpedir das forças de contenção, enquanto a revolução seria uma espécie de retorno ao passado, uma violência a um curso natural, inescapável trilhado pela humanidade.215

Como, então, os caixeiros associariam a revolução a um caminhar lento, progressivo e linear rumo ao progresso?

Inicialmente, distinguem as revoluções dos séculos XVII e XVIII, ocorridas na Europa, particularmente as da Inglaterra e a da França, como sendo muito distintas da grande revolução do século XIX, “a revolução das ideias”. As primeiras revoluções, lideradas por Cromwel [sic] e Robispierre [sic], ocorreriam a partir de uma manipulação das bases, em que estes líderes, junto com outros, “sacrificam o povo para levantarem sobre os cadáveres das vítimas o edifício sangrento de suas execrandas ambições, mergulhando [a todos] num mar de sangue”. Para os porta-vozes da classe caixeiral,

Os antigos revolucionários nas praças públicas atiravam a espada ao povo exclamando: ‘eis a única arma com que hás de fazer valer os teus direitos; aprende a esgrimi-la para derribares [sic] os tiranos que te oprimem; sacrifica tua esposa, abandona teus filhos, despreza tua mãe, deixa que o pranto fira teu pai; incendeia cidades, vilas e aldeãs; faze-te homicida e serás o Lusbel [sic] das revoluções’

213

A Revolução do século. In: O Caixeiro – Periódico noticioso, comercial e literário – órgão da Classe Caixeiral das Alagoas, Maceió, ano I, nº 14, 19 de junho de 1880, p. 1.

214

IBIDEM.

215

MACIEL, Osvaldo. Trabalhadores, identidade de classe e socialismo. Op. cit., particularmente o quarto capítulo.

Algo diferente ocorreria no século em que viviam. A revolução deste novo período, liderada por figuras como Gladstone, Marinho, Gambetta e Castellar, seria um verdadeiro “banho de luz”. Ao contrário do que propugnavam os ultrapassados e obscurantistas líderes de revoluções pregressas, os “modernos revolucionários” se utilizariam da tribuna e da imprensa para “circular seus pensamentos” e proclamar à multidão:

o livro – eis o gládio digno de um povo que quer pugnar pelos seus direitos e fazer respeitar as suas crenças; aprende a manejá-lo para suplantares o déspota que ousa subjugar-te; ama a tua esposa, educa teus filhos, abraça teus irmãos, venera tua mãe, idolatra teu pai; funda cidades, constrói estradas e pontes; faze-te bom pai, bom marido, bom irmão, bom filho, bom cidadão e patriota e serás o Jehovah das liberdades [sic]

Desta forma e com esta leitura, encaminham uma impactante comparação entre Bertoldo Scharts, inventor da pólvora, o “novo elemento da morte”, contra Guttemberg, inventor da imprensa, o “novo elemento de vida”.216

Como se vê, os caixeiros estavam muito conscientes dos princípios que deveriam nortear sua conduta enquanto categoria organizada: o debate na imprensa para a conquista da opinião pública, através de propagação das luzes da civilização e da defesa das ideias ilustradas. Contra a espada, o livro; contra o sangue, o banho de luz; contra a divisão, a união – em suma, contra o conflito aberto, a propaganda da persuasão. Em certa medida, esta leitura sugere que não seria necessário realizarem-se rupturas drásticas na evolução da sociedade brasileira, porém incorporar os avanços científicos e civilizacionais da sociedade europeia.

Numa primeira etapa desta formulação, alguns artigos produzidos pelos caixeiros ainda em 1880 parecem indicar que o grau de conhecimento das novas conquistas, a aquisição das novas atitudes e habilidades, possibilitariam por si sós o avanço social do grupo contra seus inimigos, a Igreja junto com os barões (símbolo do obscurantismo do antigo regime), e os bodegueiros (ou seja, os pequenos comerciantes, que seriam os maiores exploradores dos trabalhadores do comércio). Num texto onde afirma que “a moralidade aniquilará as maquinações secretas da reação religiosa”, alguém que se denomina

216 A Revolução do século. In: O Caixeiro – Periódico noticioso, comercial e literário –órgão da Classe

Columbino radicaliza o discurso de emancipação do povo sob o jugo dos poderosos, certamente evocando traços de crítica à sociedade escravista em declínio:

Quando a ilustração esclarecer completamente o espírito do povo, ele conhecerá a tutela infame que lhe impõe essa praga insofrível de moderníssimos barões, bodegueiros agaloados, imbecis, e ambiciosos por condição, e perversos por índole.

[...] Cidadãos, da igualdade nascerá a fraternidade e da fraternidade a força. Quando o povo conseguir isto, conseguiu e alcançou sua independência. Os aniquiladores – barões, e os agaloados – bodegueiros – essa aristocracia asquerosa do dinheiro, deixará de existir para sempre.

O povo emancipado já, restar-lhe-á apenas tomar posse dos seus bens e administrá-los.217

Essa, no entanto, será uma voz isolada no conjunto das contribuições de publicistas e jornalistas que conseguimos encontrar tanto nos órgãos vinculados à Perseverança e Auxílio e à Instrução e Amparo, como na imprensa em geral. Aliás, talvez, o primeiro número de O

Caixeiro (de 19 de junho de 1880) junto com o primeiro exemplar que compulsamos d’A União, datado de 30 de abril de 1883, revelem um primeiro contato do pensamento caixeiral

com um grau de maturidade, de percepção de sua condição, de formulação de um ideal – mesmo que vago e impreciso como eram dados nos termos de uma ilustração –, de um acesso à civilização das luzes, e mesmo de uma cidadania de direito liberal e democrática. Em certa medida, mesmo na identificação de seus opositores (os “bodegueiros”, os latifundiários escravistas ou o clero) encontra-se uma expectativa de formulação de uma identidade de categoria que, mais cedo ou mais tarde, com o andar da carruagem do préstito final do escravismo brasileiro e a colocação ampliada desta identidade por grupos mais amplos de trabalhadores, congregar-se-ia com as demais categorias de artistas, artesãos, trabalhadores urbanos assalariados naquilo que se autodefinia como filhos do trabalho. Efetivamente, no entanto, este processo não amadurece, apesar de ter sido colocada como uma opção (entre outras) no processo de construção identitária da categoria. Talvez, com a exposição clara, em um discurso articulado, dos interesses caixeirais; com a mostra dos objetivos que, condizentemente com a leitura da realidade que realizavam, convinham à associação dos caixeiros enquanto projeto social para a sua categoria, talvez em função desta pequena amostra, apareça de imediato uma reação patronal. Esta reação, de pronto, inibiu a

217 Columbino. A liberdade. In: O Caixeiro – Periódico noticioso, comercial e literário – órgão da Classe

fertilização desta semente pelos diversos amparos e anteparos que uniam os dois polos do setor do comércio – caixeiros e negociantes –, pela cotidiana relação baseada em um acordo tácito, não prescrito, de margens relativamente fluidas, porém perceptíveis para quem a vivia. Não é difícil imaginar que os pequenos comerciantes que sobrecarregavam os seus empregados, junto com padres e senhores de escravos, deixaram muito claro que a margem fluida da reivindicação caixeiral havia sido ultrapassada. E não mais veremos a acidez dessas palavras no mutualismo caixeiral.218

Ou por uma opção aberta ou por uma imposição explícita, o discurso dos comerciários seguirá a partir de então uma tendência consensual, de propagação de ideais sem contestação explícita às condições objetivas de trabalho ou denúncias da ordem vigente.219 Há uma reinserção do discurso e dos veículos de propagação dos princípios do mutualismo caixeiral aos limites da ordem progressista vigente: o liberalismo de tendências republicanas e abolicionistas moderadas, reformistas.

218 Um caso semelhante ocorre com os caixeiros de Pilar, cidade vizinha a Maceió. Há um lampejo de

identificação caixeiral às demais categorias de trabalhadores, porém é algo ocasional, conjuntural, que logo depois arrefece diante da diversidade de expectativas projetadas. Assim, no primeiro número do seu órgão, publicado por ocasião da rearticulação da Sociedade Fraternidade e Instrução dos Caixeiros de Pilar, vimos uma fala que exemplifica o que afirmamos. Denominando-se “operários da letras”, a “mocidade laboriosa dedicada ao comércio” fala da fraternidade como sinônimo de “amor à classe”: “esse sentimento intimo que faz congregar de envolta ao mesmo laborum os filhos do trabalho, os obreiros do futuro, os arautos do progresso” In: Vinte de Julho. Pilar, Ano I, nº 1, 22 de setembro de 1892, p. 1). Ao que parece, esta identificação mais ampla deve-se ao congraçamento inicial de uma rearticulação da entidade, possivelmente significando uma certa flexibilização nas regras de admissão de indivíduos aos seus quadros sociais, porém sendo algo que não perdura.

219

Obviamente, isto não quer dizer que os conflitos não existiam. Um dos principais, senão o principal, mote de conflituosidade da caixeiragem no período estudado é o antilusitanismo. Este tema tem sido explorado para várias regiões do Brasil, como são os casos do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Cf. RIBEIRO, Gladys Sabina.

Mata galegos: os portugueses e os conflitos de trabalho na República Velha. São Paulo: Brasiliense, 1990 e

CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Trabalho livre no Brasil imperial: o caso dos caixeiros do comércio na época da Insurreição Praieira. Recife/PE, UFPE, 2005 (Dissertação de Mestrado em História). Foge ao escopo de nossa pesquisa adentrar nesta temática, inclusive pela inexistência de estudo específico sobre o tema para Maceió ou Alagoas. Todavia, cabe assinalar que havia uma forte presença lusitana no comércio local que era geradora de conflitos. Entre 1842 e 1855 imigraram para Maceió pelo menos 291 portugueses, dos quais apenas 40 não se identificaram como negociantes ou caixeiros. Matrículas da Associação Comercial de Maceió para o ano de 1876 aponta que, de um total de 24 comerciantes, 50% dos matriculados eram portugueses; além das disputas ocasionadas entre o caixeiro de origem inglesa Liberato Mitchell, seu ex-patrão, Salvador Leite Vidigal, e “galegos” do bairro portuário de Jaraguá. A imigração portuguesa para Alagoas tem sido objeto de um levantamento ainda inconcluso por parte das pesquisas de Ann Marie Buyers. Cf. levantamento inconcluso de imigração portuguesa para Maceió realizado por Ann Marie Buyers a partir dos registros de imigração contidos no acervo do Apa; Ofício nº 1235, da Associação Comercial de Maceió, dirigido ao desembargador Caetano Estellita Cavalcante Pessoa, Presidente da Província, Maceió, 30 de setembro de 1876. In: Associações 1856-1877, M13, E02 [Apa]; Diário das Alagoas, nº 178, de 16 de agosto de 1881; MITCHELL, Liberato. Publicação a pedido. O Liberal, ano XIII, nº 185, 18 de agosto de 1881, p. 3. Agradecemos a pesquisadora o acesso ao referido levantamento.

A partir desta compreensão ficam mais claras as bases de entendimento dos princípios liberais propugnadas pelos porta-vozes dos caixeiros organizados. Ao longo das páginas de

A União, percebemos que a sua redação está ciente do que é o liberalismo, a necessidade de

se fortalecer a “religião do Estado” e de cultivo da ascensão social. Mesmo que haja, eventualmente, uma crítica à velha sociedade, percebe-se que ela é feita em nome do progresso, da ilustração, da civilização, como se sinalizasse para o inexorável avanço liberal-capitalista, e como se houvesse uma luta contra o arcaísmo do antigo regime, das trevas da ignorância, com sua hierarquia consolidada, sem possibilidade de mobilidade social. Como já frisado, afinal, estaríamos no “século das conquistas liberais”220

, e apenas a partir das disputas legitimadas pelo Estado e não nos conflitos abertos entre as classes, deveriam ser travados os projetos políticos. Não seria mais “a bandeira da rebelião que arvoramos contra nossos superiores no comércio”, porém “a bandeira branca dos princípios deste século, é este vexillo [sic] dos evangelhos modernos que hasteamos com orgulho”. O grande combate deve ser travado contra as “velhas crenças”, pois, reconhecem, estamos em “tempos de guerra”, porém não entre os grupos sociais da sociedade atual, mas sim numa “guerra das velhas crenças contra os modernos princípios, guerra dos preconceitos contra as novas verdades, contra os legionários do bem”.221

3.2 - Ideologia da ascensão social

Ao ser abandonada a arena dos conflitos abertos, ganha solo, então, a ideologia da ascensão social. Em um editorial intitulado O nosso objetivo, a Perseverança e Auxílio afirma que a categoria, em nosso meio, estaria “abatida, enfraquecida, sem prestígio científico”. Seria preciso, desde então, revigorá-la e enobrecê-la, tornando-a poderosa “pelo trabalho e pela ciência.” Para a redação do jornal, que exprimia o pensamento da

Perseverança – ou pelo menos de sua diretoria – temos que:

220 O nosso objetivo [editorial]. A União, ano I, nº 3, 30 de junho de 1883, p. 1. 221

O caixeiro é um obreiro, é um fator comercial, é um colaborador da riqueza particular e nacional.

Operário da grandeza da pátria, tem direito a representar no grêmio social uma função superior, e não está incompatibilizado para galgar as altas posições que aos homens de saber e virtude é dado ocupar.222

Num pensamento correlato ao das elites brasileiras – que projetavam que, inserindo-se na senda do progresso capitalista, estariam ascendendo ao grau de civilização das principais potências econômicas do período –, os caixeiros assimilam a ideia de que a inserção e a ascensão social devem ser um norte projetado em suas carreiras, para alcançarem tanto melhores condições de vida, como de nobilitação.

Esta ideologia de ascensão social entre os caixeiros possuía uma longa história de formação, que remonta ao período colonial, e pode ser verificada, entre outras modalidades, nas formas de inserção na sociedade enobrecida da capitania de Pernambuco, por parte de comerciantes portugueses.223

Fabiane Popinigis discute a ideologia da ascensão social em seu trabalho sobre os caixeiros do Rio de Janeiro. Para ela, durante algum tempo, uma trajetória comum de ascensão profissional de trabalhadores do comércio galgaria os seguintes passos: caixeiro – guarda-livros – interessado – negociante. Durante algum tempo esse projeto de ascensão foi possível, porém na virada do século XIX para o XX houve um “declínio das possibilidades de ascensão na hierarquia do trabalho no comércio”, fazendo com que a caixeiragem deixasse de ser “um fenômeno transitório da vida do negociante”.224

Esta ideologia da ascensão social está bem representada na novela Zefinha, de Luiz Lavenère, a partir da trajetória de Dornellas. Caixeiro de poucos recursos, e mau administrador de suas posses, aos poucos, por força da articulação de um amigo, aproxima- se do grupo oligárquico que ocupava o poder executivo. Dornellas, então, é indicado para o cargo vago de Provedor do Hospital de Caridade, realizando uma série de falcatruas e malversação do dinheiro público, que o habilita, posteriormente, tanto a ser diretor do órgão

222 IBIDEM.

223 CABRAL DE SOUZA, George F. De caixeiro a repúblico: estratégias de inserção social e política dos

comerciantes portugueses em Pernambuco (séculos XVII e XVIII). In: GUILLEN, Isabel Cristina Martins e GRILLO, Maria Ângela de Faria (orgs.). Cultura, cidadania e violência (VII Encontro Estadual de História da Anpuh de Pernambuco). Recife: Edufpe, 2009, (pp. 259/277).

224 A Vanguarda, Rio de Janeiro, 8 de julho de 1911, apud POPINIGIS, Fabiane. Proletários de casacas. Op.

oficial impresso do governo – mesmo sem possuir habilidade alguma na área –, como a ser deputado estadual.225

Exemplos de ascensão social de caixeiros de origem humilde que chegaram a ocupar cargos importantes na esfera pública ou privada são encontrados. O caixeiro de origem inglesa, Liberato Mitchel, que chegara a Maceió provavelmente na década de 1870, no início do século XX já é corretor–geral e intérprete juramentado, chegando a ocupar cargos legislativos.226 Um outro exemplo a ser dado é o de Luiz Silveira, que iniciou sua vida profissional como auxiliar do comércio. Em seguida, colaborou no Correio Mercantil, que então era um dos órgãos da imprensa caixeiral. Na segunda década do século XX, já é jornalista e deputado federal. Numa matéria sobre ele, saída n’O Caduceu, a redação conclui que sua trajetória é modelar para a categoria: “Podemos, pois, com ufania, chamá-lo – um dos nossos..., porque, identificado com os nossos ideais cívicos e educativos, também co- participou outr’ora das agruras e alegrias das nossas lutas e dos nosso triunfos.”227

Temos, inclusive, o caso de Costa Rego. Filho do caixeiro Pedro Manoel da Costa Rego, que ascendeu profissionalmente, Pedro da Costa Rego firmou carreira no jornalismo carioca e alagoano, ocupando diversos cargos públicos, inclusive mandatos de deputado federal, senador e governador do Estado de Alagoas, este entre 1924/1928.228

Tais exemplos são exceções, e pouquíssimos eram os casos em que essa expectativa se efetivava. De algum modo, contudo, a possibilidade de ascensão social serviu de “antolho” para que os caixeiros suportassem a longa jornada de trabalho e as precárias condições de vida que levavam. Galvanizando seus projetos de vida durante a parte mais vigorosa de sua atuação profissional, a ideologia de ascensão social emprestava um cunho de natureza respeitosa à estrutura hierarquizada da sociedade, o que por sua vez contribuía para consolidar uma postura conformada à realidade social existente, e de inserção na sociedade maceioense do período.

225 LAVENÈRE, Luiz. Zéfinha – scenas da Vida Alagoana. Maceió (Jaraguá): Livraria Machado,

1921.passim, 109/10; 146/7). Como argumentamos em outro texto, possivelmente Lavenère esteja refletindo sobre sua experiência com os caixeiros à época: MACIEL, Osvaldo. Literatura e caixeiragem em Maceió

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