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2 PANORAMA CONCEITUAL

2.2 O fortalecimento da Atenção Básica à Saúde pela Estratégia Saúde da Família

A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários à Saúde, realizada na cidade de Alma Ata (Rússia) em 1978, constituiu-se em um marco fundamental para a definição dos princípios da atenção primária à saúde, conclamando todos os países a se organizarem para garantir a saúde de todos os povos do mundo, permitindo-lhes levar uma vida social e economicamente produtiva. Definiu como elementos essenciais da APS a educação sanitária, o saneamento básico, a atenção à mulher e à criança, a prevenção de endemias, o tratamento apropriado das doenças e dos agravos mais comuns, a provisão de medicamentos essenciais, a promoção de alimentação saudável e de micronutrientes e a valorização da medicina tradicional (CORBO; MOROSINI, 2005; MENDES, 2002).

No mesmo ano, a Assembléia Mundial de Saúde, realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1978, definiu a atenção primária como

A atenção essencial à saúde, baseadas em métodos práticos, cientificamente evidentes e socialmente aceitos e em tecnologias tornadas acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis a um custo que as comunidades e os países possam suportar, independentemente de seu estágio de desenvolvimento, num espírito de autoconfiança e autodeterminação. A APS é parte integrante do sistema dos serviços de saúde e atualmente representa a função central e o principal foco de atuação com vistas a contribuir com o desenvolvimento econômico e social da comunidade. Constitui o primeiro contato de indivíduos, famílias e comunidades com o sistema nacional de saúde, trazendo os serviços de saúde o mais próximo possível aos lugares de vida e trabalho das pessoas e constitui primeiro elemento de um processo contínuo de atenção (MENDES, 2002, p. 13). A atenção primária brasileira busca construir uma identidade própria ao propor a ruptura da visão redutora deste nível de atenção considerado como o espaço de realização de atendimentos simplificados, de baixos recursos tecnológicos e para população de baixa renda. No âmbito do SUS, a APS é denominada de ABS que se propõe a desenvolver funções como acolhimento, assistência e vigilância à saúde, embasados nos princípios do novo sistema de saúde (BRASIL, 2006c).

No Brasil, a partir de 1940, o SESP foi o pioneiro na criação de unidades de APS, sendo este período considerado o primeiro ciclo de expansão da APS do país. Nos anos 1970, começaram a ser desenvolvidos os programas de extensão de cobertura, que confluíram para o PIASS, iniciado no Nordeste do país. A crise da Previdência Social nos anos de 1980 regulamentou as AIS, responsáveis pela ampliação da rede de atenção primária em muitos municípios, definindo o terceiro ciclo de expansão da APS. Este sistema de saúde foi substituído pelo Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e em 1988 foi

aprovado o SUS. O novo sistema municipalizou a saúde, criou e ampliou novas unidades de saúde e expandiu a cobertura da atenção primária tendo por referência um modelo de atendimento que privilegia a vigilância à saúde e a integralidade da atenção. Este período concretizou o quarto ciclo de expansão da APS na história da saúde brasileira (MENDES, 2002).

A aprovação do Programa de Saúde da Família pelo MS em 1993 e a implantação de equipes em alguns municípios do país a partir de 1994 são consideradas o quinto ciclo de expansão da APS no país. Atualmente, a ESF está definida como uma política nacional de atenção primária à saúde e uma estratégia de organização dos serviços de saúde, ampliando o acesso aos serviços básicos de saúde, tendo se tornado um importante definidor de mudanças no modelo assistencial vigente. O objetivo da ESF definido pelo MS consiste na

[...] reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência orientado para a cura de doenças e o hospital. A atenção está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes da família uma compreensão ampliada do processo de saúde e da necessidade de intervenções que vão além das práticas educativas (CORBO; MOROSINI, 2005, p. 168).

Acrescente-se a estes propósitos o atendimento dos princípios doutrinários e organizativos do SUS e a correção das distorções assistenciais que os serviços de saúde apresentaram no decorrer dos anos (CORBO; MOROSINI, 2005; MENDES, 2002).

A ESF é uma estratégia de organização de serviço sendo conceituada por Andrade, Barreto e Bezerra (2006, p. 804, grifo dos autores) como

[...] um modelo de atenção primária, operacionalizado mediante estratégia / ações preventivas, promocionais, de recuperação, reabilitação de cuidados paliativos das equipes de saúde da família, comprometidas com a integralidade da assistência à saúde, focado na unidade familiar e consistente com contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da comunidade em que está inserido.

A decisão de implantação desta estratégia foi definida como uma alternativa para consolidação dos princípios do SUS, que têm por foco a organização de um sistema de atendimento que privilegie, em sua maior abrangência, serviços de promoção da saúde e prevenção de doenças, pela implementação de políticas de saúde que possam se revelar efetivas na resolução dos problemas de saúde da população, principalmente daqueles que têm dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Andrade, Barreto e Bezerra (2006, p. 807) consideram que

A ESF veio essencialmente como uma oportunidade de se expandir a atenção primária para a população brasileira, de consolidar o processo de municipalização da organização da atenção à saúde, de facilitar o processo de regionalização pactuada entre os municípios adjacentes e de coordenar a integralidade de assistência à saúde.

A implantação da ESF revelou-se eficiente e tem gradativamente consolidado os propósitos de ampliação da atenção e desenvolvido ações que promovem a saúde das pessoas e previnem muitos agravos. Tal situação levou à ruptura com o conceito de programa, que está vinculado a uma idéia de verticalidade e transitoriedade. Ao ser considerado como uma estratégia de intervenção, desde 1996, a ESF passou a ter como objetivo consolidar uma nova dinâmica de atuação nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), configurando-se como uma proposta substitutiva para redefinição do modelo de atenção à saúde no nível da atenção básica (CORBO; MOROSINI, 2005).

Pode-se afirmar que a ESF conferiu um novo cenário no cuidado à saúde concretizado em uma tendência de crescente melhoria na resolução dos agravos que atingem as pessoas deste imenso país. Resultados significativos têm sido alcançados na redução dos indicadores relacionados às ações de saúde, como o controle da hipertensão e diabetes, a redução dos óbitos maternos, a redução da mortalidade infantil, o aumento na proporção de crianças com aleitamento materno exclusivo, nas coberturas vacinais, entre outros (CAVALCANTE et al., 2006).

Esta nova lógica é desenvolvida dentro de uma Unidade Saúde da Família (USF), por uma equipe multiprofissional que deve prestar uma assistência contínua a uma população adscrita, viabilizando um atendimento integral da saúde da criança, do adolescente, do adulto, da mulher e dos idosos do território da área de abrangência da equipe.

O sistema de gerenciamento das informações relativas aos serviços produzidos pela ESF é o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), composto por um software, fichas e relatórios. As fichas são utilizadas como instrumento de coleta de dados que registram os atendimentos feitos à população de cada território. Dentre as diversas fichas do sistema se encontra a do registro de atividades, procedimentos e notificações (ficha D). Esta ficha é utilizada pelos agentes comunitários de saúde (ACS), médicos e enfermeiros no registro dos dados referentes às internações hospitalares e como um instrumento de referência para a discussão sobre os casos ocorridos. O SIAB é um sistema que vem apresentando limitações nas informações produzidas e recentemente tem passado por reformulações na tentativa de melhorar a qualidade dos dados registrados, para que possa se constituir em uma base de

informações mais qualificada e que permita a avaliação das ações implementadas pela equipe da ESF. A análise do SIAB não é objeto deste estudo (OLIVEIRA, 2007).

Após quase duas décadas de implantação do SUS, a ESF tem se ampliado em vários municípios do país, evoluiu na sua organização e tem se mostrado mais resolutiva, constituindo-se em muitos municípios como o único recurso de atendimento para as pessoas. Os gestores municipais têm se deparado com constantes desafios para reorganizar as políticas de saúde locais. Pode-se dizer que o sistema público de saúde encontra-se em uma nova etapa e que caminha para a concretização de uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços e para uma gestão qualificada.

Neste contexto, a ESF aponta para a necessidade de redefinição das responsabilidades de cada esfera de governo, para a definição de infra-estruturas de atendimento, para investimento em capacitação de pessoal, em recursos e tecnológico e para a redefinição das regras de gestão, organização e financiamento do sistema.

2.3 O cenário da Estratégia Saúde da Família em Minas Gerais e na microrregião de