• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II: O Retrato da Infância Paraense por meio da Fotografia na

2.1. A criança na fotografia: o retrato da infância na primeira metade do século

2.1.4. Fotografia de Crianças Pobres e Desvalidas

Em pleno período áureo da exportação da borracha, no final do século XIX e início

do século XX, no crescimento comercial da cidade, começava a surgir em Belém uma produção de infâncias desiguais, uma coberta de atenção e glamour, a outra, de certo descaso e indiferença. As revistas que circulavam no início do século passado divulgam fotografias de crianças de família ricas como um discurso de que elas eram o futuro da nação, como cidadão, como futuro produtor do Brasil. Já as crianças pobres e as infratoras começam a receber a denominação de “menor”, isso traz a preocupação das autoridades governamentais e religiosas com a escolarização de todas as crianças (imagens 41 e 42) de assistência àquelas abandonadas. O olhar da sociedade para a infância começa a se modificar.

A infância branca tomava conta das publicações sócio promocionais nas páginas de revistas do início do século XX, na cidade de Belém. Nos inúmeros exemplares que pesquisamos, de duas revistas paraenses que circulavam nas primeiras décadas do século XX, não existia fotografia alguma de crianças negras ou mestiças como uma promoção familiar. Onde encontramos fotos de crianças negras ou mestiças publicadas em revistas? Na maioria das vezes em matérias jornalísticas na revista “A Semana” de uma tarde num balneário, ou de “meninos de rua”, ou ainda, de instituições beneficentes.

IMAGEM 41: Mulheres Caridosas

Algumas vezes as matérias jornalísticas na revista “A Semana” de 1919 retratava a situação de crianças pobres como vemos nas imagens 41 e 42. Na imagem 41 a fotografia de uma família nativa do Mosqueiro em um tarde e em algum lugar do balneário. Às vezes, como na imagem 40, a fotografia da família era apenas um preenchimento de página, pois não ilustrava o texto nem tinha informações básicas de quem eram as pessoas retratadas na fotografia... Totalmente descontextualizadas e na plenitude do anonimato.

Na imagem 42, que é uma reprodução gráfica de uma fotografia de 1919, tirada no município de Mosqueiro, percebemos que neste caso, a imagem não demorou muito tempo para ser capturada e pegou as pessoas com seus trajes habituais de fim de tarde. Como podemos afirmar que seria realmente fim de tarde? Simples, pela luz e sombra produzidas nos rostos das pessoas. São transições luminosas suaves, não tão duras. Outra coisa, todas as roupas de tons claros, por se tratarem de mulheres e crianças. Então, como posso generalizar essa questão da fotografia como realidade documental? E ainda mais, num texto de parâmetros curriculares nacionais de história e geografia?! Como se a história fosse contada apenas por palavras, apenas por documentos escritos.

Fonte: Revista A Semana, Pará, 1919. Acervo da Biblioteca Arthur Viana – CENTUR.

IMAGEM 43: Retratos sem Nomes: uma Família Anônima em Mosqueiro IMAGEM 42: Layout da Página da

IMAGEM 44: Crianças abandonadas

Fonte: Revista Amazônia, Belém, década de 1950. Acervo da Biblioteca

No início do século XX, as crianças que perambulavam pelas ruas da cidade de Belém e apareciam freqüentemente nas notícias de jornais (imagem 44) foram objetos do medo e da ira de passantes e policiais, tornando-se temas centrais de discursos políticos e alvo de violências cotidianas. Segundo Viana (1999), formava-se, então, processo de metamorfose que transformou as crianças inocentes e desprotegidas em menores que deveriam ser salvos para exercer seus papéis de futuros cidadãos. Desta forma, “as crianças fora da família, abandonada ou na rua, ganhou então, no fim do século XIX e início do século XX, um grande destaque na sociedade brasileira” Rizzini (1997, p. 36).

Portanto, a criança fora da família, abandonada ou na rua, ou seja, aquelas que não tinham acesso aos bens produzidos socialmente e que colocavam em risco o “bem estar” da sociedade foram representados, sobretudo nas revistas paraenses, pela a figura do menor, sendo lançado sobre elas um olhar de preocupação, firmando-se a convicção da necessidade de “salvar” o menor. Criou-se um discurso em cima da imagem da infância como a fase da vida em que o indivíduo – a criança – deveria estar cercado de cuidados especiais, já que é o período de maior vulnerabilidade física e moral, portanto, perigoso, tanto para o próprio indivíduo quanto para a sociedade. Uma infância sem cuidados, incorreta, geraria um indivíduo delinqüente, criminoso, degenerado, ou seja, perigoso para a sociedade. Dessa degeneração nasceria a figura do menor. E esse menor, para não criar perigo à sociedade, deveria sofrer a intervenção da mesma. “Assim é que eles

vivem, caras e mãos sujas, pés descalços, vegetam. Conhecem a mãe, mas o pai não sabem se existe”. Esta é a frase que está abaixo da fotografia (imagem 44), somente

dela, podemos dizer que está explícita outra preocupação da sociedade paraense das primeiras décadas do século XX. A questão da desestrutura familiar, pois esta foi considerada alvo e meio da intervenção pública e privada em relação à infância desamparada, pois “a decomposição da família e a dissolução do poder paterno, são os principais responsáveis de tal situação” (LONDOÑO, 1991, p. 135). Para essas crianças não há infância, somente a representação de uma criança infeliz.

Na imagem 45 vemos, de um lado, duas crianças pobres e desvalidas, de outro lado, uma criança feliz, uma fonte de alegria. A ideia de alegria exclui a possibilidade de conflito familiar, pois a criança idealizada é doce e cheia de ternura, o que faz com que ela seja associada à perfeição. Segundo Chartier (1990), as representações elaboradas pelos grupos sociais “descrevem a sociedade tal como pensam que ela é ou, como gostariam que ela fosse”. É importante compreender como o fotografo, enquanto sujeito social descreve a sociedade elaborando representações através da imagem fotográfica, ou seja, na ausência de um “ser perfeito”, constrói-se ou recria-se a sua imagem. Percebe-se, ainda, a analogia estabelecida no texto com entre o sentido do acontecimento com o nascimento de Jesus- menino. Visto que este é modelo de perfeição a ser seguido.

A criança retratada na imagem 45 da menina na praia é retratada com chamada de futura “miss Pará” é tão somente a criança branca e da elite, a foto combina com a frase escolhida, pois falam da beleza que só a criança da elite pode ter. Não há tristeza e nem abandono há a representação de uma infância feliz, de uma criança saudável com boas condições de alimentação e vestimenta. Pode-se afirmar a partir da percepção das

IMAGEM 45: Infâncias opostas

Fonte. Fotografias de crianças em espaços diferentes, publicadas lado a lado. Fonte: Revista Amazônia, 1959. Acervo da Biblioteca Arthur Viana – CENTUR.

imagens, uma ausência do “menor”. Que também é criança, mas que pertence a outro universo, o da pobreza.

Documentos relacionados