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4. OS SENTIDOS DA CRISE NOS EDITORIAIS DE VEJA E CARTACAPITAL

4.3 Análise dos editoriais de Veja e CartaCapital

4.3.1 Famílias Parafrásticas em CartaCapital e em Veja

4.3.1.4. FP4: A crise acabou

Em Veja, a crise acaba antes de ter começado. Em oposição aos discursos pessimistas vistos na FP1, em Veja a crise é construída também com sentidos otimistas, que consideram a crise passageira, contornável e controlável. Como visto, a revista usou como adjetivos para fortalecer os sentidos de alarme da crise termos como ―gravíssima‖ e ―preocupante‖. Mas nessa FP demonstra-se que essa construção não é tão sólida.

Destaque-se que Veja se preocupa muito mais com a economia brasileira. Por isso, mesmo nos primeiros editoriais após a deflagração da crise os sentidos construídos em Veja são conciliadores. Se por um lado há o alarme, por outro há um sentimento de que a crise não é tão séria e que pode ser contornada.

As amostras de otimismo no discurso de Veja começam disfarçadas, mas logo se tornam mais aparentes e recorrentes. Investe-se, num primeiro momento, em argumentos mais sólidos para demonstrar que a crise não é assim tão grave.

Quatro matérias da presente edição - duas reportagens, a entrevista das Páginas Amarelas com Gordon Brown, primeiro-ministro da Inglaterra, e a

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Em um interessante artigo, Perry Anderson (2013) trata das mudanças acontecidas, desde o tempo da Guerra Civil dos EUA, entre os Partidos Democrata e Republicano. Lembra, por exemplo, que boa parte das medidas neoliberais, que depois contribuiriam para a crise de 2008, foram tomadas por governos democratas. Para ficar em um exemplo já tratado aqui pode-se citar o fim da Lei Glass-Steagal, no governo do democrata Clinton.

coluna do economista Maílson da Nóbrega - abordam essa perplexidade [a crise] e, cada um a sua maneira, dão a ela respostas realistas e satisfatórias. (SDV42)

Está se dando como certo que tudo dará errado no próximo ano. No entanto, são muitas as razões, se não para otimismo, pelo menos para um saudável realismo. (SDV17)

Primeiro, se os analistas foram tímidos em prever as dimensões do desastre financeiro que de Wall Street se espalhou pelo mundo, muitos deles podem agora estar tentando compensar a falha inicial com previsões ainda mais sombrias do que aquelas que os dados desenham. (SDV18)

Segundo, nunca houve na história econômica uma reação anticrise tão vigorosa, rápida, global e coordenada como a que está em curso no mundo ocidental neste momento. (SDV19)

Terceiro, a toda desaceleração da economia se segue um período de recuperação - desta vez não será diferente. (SDV20)

Termos como ―realista‖ procuram afirmar que, mesmo que os argumentos enumerados não passem de possibilidades, a abordagem de Veja é objetiva. A objetividade, como característica do campo jornalístico (BERGER, 1998) é levada em consideração mesmo nos editoriais. O que, diga-se, reforça a visão de Chaparro (2008) de que os elementos opinativos necessitam dos acontecimentos e de seus relatos para sua construção, construindo marcadores de verdade típicos do jornalismo informativo em seu discurso. O uso de termos como ―dados‖, ―razão‖ e ―realidade‖ procuram reforçar essa ideia, mesmo que a maior parte deles não passe de suposições88.

Com o passar do tempo, Veja constrói sentidos que passam mais confiança de que a crise está diminuindo e se autocongratula por ter acertado sua previsão de que isso aconteceria:

Há um consenso entre os economistas de que está diminuindo a velocidade com que a economia real piora. Tanto que já se enxerga o fundo do poço da crise global. Nas Páginas Amarelas desta edição, a economista venezuelana Carlota Pérez, da Universidade de Cambridge, convida a uma visão de mais longo prazo e assegura que uma "era de ouro" espera o mundo, depois de vencida a atual borrasca. Segundo ela, graças aos avanços tecnológicos e de informação digital, poderemos viver um novo, mais amplo e mais durável período de bonança - do qual o Brasil tem condições de usufruir os maiores benefícios. Não deixa de ser uma surpresa. Neste caso auspiciosa. (SDV56)

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Um exercício de análise desses argumentos deixa claro que a revista trabalha no campo das suposições: na SDV18 ―os analistas‖ estão sendo mais pessimistas do que ―os dados dizem‖; na SDV19, além do fato das tecnologias servirem tanto para acelerar uma crise quanto para tentar consertá-la, nenhum dado é apresentado; na SDV20, Veja se baseia no princípio dos ciclos econômicos, mas esses ciclos tem uma periodicidade flexível conforme uma centena de variáveis (CARVALHO, 1988), o que torna o otimismo também uma suposição nesse caso.

98 Os sinais vindos de fora também são animadores. O FMI, o Banco Central e o Tesouro americanos fazem eco a alguns dos mais tarimbados economistas ao garantir que a recessão nos Estados Unidos acaba até o fim do ano [2009]. Com eles concorda até Nouriel Roubini, economista de Nova York que, por ter espalhado o pânico no auge da crise, se celebrizou com o apelido de "Dr. Apocalipse" [...] (SDV64)

A revista Veja, ao enunciar o discurso descrito nessa FP, comprova o que Kucinski (2007) diz sobre o jornalismo econômico brasileiro e seus traços ideológicos:

A imprensa econômica abre seus melhores espaços a notícias consideradas positivas sobre o desempenho da economia e reluta em aceitar as adversidades econômicas. No jornalismo econômico os ciclos expansivos sempre ganham uma sobrevida e as crises são em geral subestimadas. Destacar as crises seria admitir as disfunções do sistema. (KUCINSKI, 2007, p. 188)

A crença no fim da crise é tão forte que atinge frontalmente qualquer construção discursiva sobre a existência dela. Tanto é assim que Veja deixa de tratar da crise no final de 2009. Fazendo, inclusive, com que essa pesquisa, que se daria entre 2008 e 2012, diminuísse seu escopo de editoriais incluídos no corpus. Essa questão do fim das citações à crise será retomada adiante.