• Nenhum resultado encontrado

Fragmentação da posição-sujeito

1. REFLEXÕES INICIAIS

3.2 FORMAÇÃO DISCURSIVA E POSIÇÕES-SUJEITO

3.2.5 Fragmentação da posição-sujeito

Diante das PS analisadas – externa ao presídio, ex-presidiária, parente e

presidiária –, pudemos observar alguns sentidos que se aproximam:

A PS externa ao presídio demarca aquilo que faz parte do mundo exterior ao ambiente prisional, mas que se faz presente devido a todo o contexto anterior à passagem pelo cárcere, e que não se faz mais possível devido à acusação de algum crime. Ou seja, se se está nessa situação e não se pode estar em liberdade, é porque se julga ter ocorrido algo ilegal.

Na PS presidiária, aponta-se para a disciplina que se faz necessária no interior do cárcere. Para atender tal demanda, é necessário se adequar aos comandos internos ao presídio. Isso como forma, também, de sanção perante os atos ilegais que se julgaram cometidos.

Com a PS ex-presidiária, denota-se o medo da saída. Ou seja, ao mesmo tempo em que a soltura é esperada ansiosamente, essa possibilidade é acompanhada pela insegurança daquele que já foi acusado de ter cometido algo que se julgou ilegal.

A PS parente, fora ou dentro do presídio, precisa lidar com as regulações do sistema para poder ter certo contato com seu familiar, tendo que, a todo o momento, comprovar que não se está cometendo algum ato que seja compreendido como ilegal. Isso porque, embora não seja um sujeito em situação de liberdade, precisa lidar com a configuração do sistema, adequando-se a ele e comprovando, a cada visita, que não está contrabandeando algo ilegal para o interior do presídio.

Além da heterogeneidade da FD, a partir dessas PS, foi possível ver o que Daltoé (2011, p. 70), a partir de Indursky (2007, p. 170), já havia mencionado a respeito da “porosidade entre as fronteiras que distinguem uma posição-sujeito de outra”. Isto é, com as

PS apontadas, pudemos observar como essas fronteiras não são sólidas, pois estão em constante correlação, assim como a FD, que tem contato com elementos semelhantes e antagônicos aos seus a partir de outras FD. Isto é, ao mesmo tempo em que se ocupa a PS

presidiária, também se ocupa a PS parente, ao mesmo tempo em que se está filiado à FD da ilegalidade, também se está dialogando com os saberes de uma FD antagonista, concebida

como legal e representada pelo agente carcerário.

No quadro-síntese 5, apresentamos a conexão das FD, mesmo que antagônicas. E, para mostrar a relação fronteiriça entre as PS, propomos o quadro-síntese abaixo:

Quadro-síntese 6

Forma-sujeito

FD da ilegalidade

PS1 Externa ao presídio PS2 Ex-presidiária PS3 Parente

PS4

Presidiária PS5...

Fonte: Elaboração da autora (2020).

A partir da análise que tecemos a respeito da constituição das PS e das considerações de Cazarin (1999, p. 8) sobre a dispersão da PS, entendemos que, além da heterogeneidade que há entre as PS devido à sua porosidade em relação às demais PS que compõem a FD, uma determinada PS, neste caso, a posição-sujeito presidiária, pode ser compreendida como fragmentada em si mesma.

De acordo com Indursky (2000, p. 76), o sujeito “é dividido entre as diferentes posições de sujeito que sua interpelação ideológica lhe faculta”. Vimos esse processo ocorrer na FD à qual o sujeito em situação de privação de liberdade se filia e, além disso, podemos dizer que, no interior de uma determinada PS, há, também, espaço para divisão, ou seja, para fragmentação.

Designamos o termo fragmentação da posição-sujeito devido ao que se mostra na PS presidiária. Isto é, a PS em questão diz respeito aos sujeitos que estão em situação de privação de liberdade, ou seja, no interior do sistema prisional. No entanto, dentro desse contexto e dessa PS, há espaço para acusações de crimes variados (cometidos ou não), que fazem com que o sujeito lide com sua posição de uma forma ou de outra.

Dentro do sistema prisional e fora dele, não se leva em conta o crime cometido, mas sim a detenção do sujeito, ou seja, é um presidiário e, portanto, está vinculado ao que é considerado ilegal devido a um ato criminoso. No entanto, há sujeitos que são acusados e colocados em privação de liberdade por roubar uma galinha ou por não pagar, por exemplo, a pensão alimentícia; já outros são acusados e inseridos na detenção por cometer crimes hediondos, tais como estupro, latrocínio, assassinato etc. Diante dessas diferenças relacionadas ao motivos do cárcere, entendemos que esses sujeitos vão se relacionar diferentemente com a PS presidiária. Todos passam pelos mesmos processos: acusação, privação de liberdade, julgamento, condenação, e todos esses sujeitos, como já dissemos no início deste trabalho, independentemente de estarem em uma situação provisória ou não de liberdade, são colocados em detenção juntos – sem diferença. Essa falta de distinção entre esses sujeitos ocorre no interior e no exterior do cárcere, porque, para os agentes, são todos presos, criminosos; para a sociedade, são todos presos; criminosos. Ou seja, nem o sistema prisional, nem a sociedade arcam com essas diferenças, ficando apenas a cargo do sujeito, no interior de sua PS, lidar com elas.

Assim, apesar de não se considerarem essas diferenças criminais, esses sujeitos apresentam marcas de vida externa ao presídio, que se apresentam em seus dizeres e os diferencia, tais como a relação com a família (Participante E); o contato com as drogas e com o tráfico (Participantes B e C); o medo do futuro (Participante B); a detenção de parentes (Participante F), entre outras. Essas experiências fazem com que o sujeito se relacione com os sentidos de uma FD de modo distinto, o que destaca a heterogeneidade da FD, da PS e, também, a fragmentação de uma mesma PS. Embora estejam em situação de privação de liberdade, ocupando uma PS presidiária, essa PS não comporta uma unidade, pois os sujeitos que a ocupam apresentam particularidades que os fazem significar de modo diferente. Isto é, foram acusados por crimes distintos, serão julgados de maneira diferente e, portanto, ocupam essa PS também de forma distinta.

Ao mencionar a heterogeneidade da FD e da PS, Indursky (2000, p. 80) afirma que “[...] a convivência dessas posições-sujeito desiguais no interior de uma mesma formação discursiva mostra que não há lugar apenas para o mesmo sentido neste domínio de saber. O diferente aí tem o seu lugar garantido”. No caso aqui analisado, observa-se que há diversas PS que estão imbricadas em uma mesma FD, e essas posições confirmam que os sentidos não se dão de forma homogênea no interior de uma FD, pois a PS presidiária se distingue da PS

parente, assim como a de um juiz se diferencia da posição de réu, bem como a posição de

entendemos que, mesmo em uma PS, como a presidiária, há espaço, também para a heterogeneidade, para a fragmentação, pois esses sujeitos movimentarão os sentidos de forma particular, de acordo com sua relação com a PS e com a FD.

Vimos, portanto, que há diversas regulações discursivas que apontam para as adequações às quais esses sujeitos precisam se submeter. No entanto, ainda nos questionamos: que outras regulações/privações afetam esse discurso? Quais efeitos de sentido são gerados pela passagem no cárcere? Essas indagações nos mostram que há, ainda, mais privações que restringem o direito à voz desse sujeito, e que essas restrições não se limitam ao interior do presídio.

4. “COSTUMO FAZER TUDO CONFORME A NORMA E A REGRA DO LUGAR”: DIRECIONAMENTO DO DISCURSO

Após nos direcionarmos para a configuração da FD da ilegalidade, que regula o que pode e o que não pode ser dito/feito no interior do sistema prisional, ainda nos inquietam outras questões, tais quais: como a estrutura do presídio interfere na produção do discurso? Como os efeitos de sentido da/na passagem pelo sistema prisional se estendem para o exterior do cárcere? Procuraremos, a partir desses questionamentos, compreender os efeitos de sentidos promovidos no/pelo cárcere e seus reflexos para além do presídio. Para isso, traremos, nesta seção, algumas noções fundamentais para esta pesquisa: Aparelhos Ideológicos de Estado, Aparelhos Repressivos de Estado, poder disciplinar, panóptico, corpo enquanto discurso, lugar social, lugar discursivo e movimentos de antecipação.

Documentos relacionados