• Nenhum resultado encontrado

FRAGMENTOS DE UMA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA

variar em função da região do país, mas, sobretudo, em função da reputação do

4. FRAGMENTOS DE UMA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA

4.1 Pathos e vício: o corpo como expressão

Implantes subcutâneos localizados na testa, pigmento na cor preta preenchendo toda a esclera do olho, remoção de parte da cartilagem do nariz, completa pigmentação da pele do rosto nas cores vermelha e preta, além dos procedimentos faltantes, como os implantes subcutâneos nas bochechas e queixo e preenchimento completo com pigmento vermelho do couro cabeludo e pescoço. Tudo isso para que algum dia seja possível alcançar a aparência semelhante a do personagem Red Skull, arqui-inimigo do personagem de história em quadrinhos Capitão América.

Figura 1 – Henry Damon e Red Skull Fonte:

http://latino.foxnews.com/latino/lifestyle/2015/02/05/venezuelan-man-chops-off-his- nose-and-gets-face-implant-to-look-like-marvel/

Pouco se sabe sobre as razões que levaram Henry Red Skull, como ficou conhecido o jovem venezuelano possuidor dessas modificações, descritas anteriormente e visíveis na imagem acima, a transformar completamente a aparência de seu rosto com tamanha radicalidade. Menos ainda se sabe sobre o que o levou a escolher esse

personagem e não outro para assemelhar-se.70 De qualquer forma, como

acontece a cada novo procedimento dessa natureza, as fotos de Henry que circularam pela internet e que, como atesta o próprio executor da modificação a seu interlocutor em entrevista,71 chocaram mesmo

aqueles que se dedicam profissionalmente às modificações corporais. O impacto das fotos levou muitas pessoas72 a se questionarem uma vez

mais se não há relação entre o que podemos chamar de conduta patológica e a prática de modificação corporal. Diferente do que se possa pensar, esse tipo de indagação não acontece pontualmente, fomentado pela aparição midiática de casos como o de Henry. Ela pode ser dirigida a qualquer adepto das modificações corporais, em função de um aspecto em particular percebido nos ambientes de investigação: a impossibilidade de se definir objetivamente o que se pode chamar de modificação extrema do corpo.73 Parece que a definição de “extremo”

nesse âmbito compreende implícita ou explicitamente a ideia de transgressão de um limite nos usos do corpo, definida no particular, que quando transpassado pode-se estabelecer facilmente a relação entre modificação do corpo e patologia. É exatamente devido a essa condição imprecisa da noção de extremo que as taxações patologizantes podem incidir sobre adeptos em vários níveis da body modification, podendo, inclusive, provir daqueles que se integram ao grupo de modificados e, por essa razão, essa constatação se torna digna de análise. O caso de Bruna é emblemático nesse aspecto. Como lemos na descrição de seu perfil, não obstante tenha amigos adeptos da prática da suspensão corporal, para ela, tal procedimento pode estar vinculado a certo caráter patológico.74 Nesse caso, a suspensão corporal extrapola o limite do que

70 As fotos da última etapa do procedimento, a pigmentação da pele do rosto, foram

disponibilizadas na internet no início do ano de 2015. Apesar do caráter recente do procedimento, não encontramos qualquer entrevista com Henry Red Skull. Tivemos apenas acesso a uma entrevista com Emilio Gonzalez, o profissional que se encarregou do procedimento de remoção de parte da cartilagem do nariz. Disponível em: <http://www.frrrkguys.com.br/a-talk-with-emilio-gonzalez-about-extreme- body-modifications/>. Acesso em: 03 fev. 2015.

71 Ver nota anterior.

72 Essa afirmação é possível ser feita com base na entrevista do executor do

procedimento.

73 Por exemplo, para o entrevistado Bernardo, a ideia de modificação extrema do

corpo se vincula àquilo que pode gerar malefícios para a saúde. Já para Diego representa modificações que “te tiram de uma feição humana”.

74 Além do caso de Bruna, um dos fatores que me levou a discutir esse aspecto

seriam os usos possíveis do corpo, na perspectiva de Bruna. Não se pode esquecer que essa associação, de tão recorrente, é investigada, inclusive por alguns pesquisadores de áreas das ciências médicas. Isso pode ser percebido, por exemplo, com estudos como o de Hicinbothem, Gonsalvez e Lester (2006), que buscou verificar a relação entre comportamento suicida e body modification, e cujos resultados apontam para uma possível associação. Também o estudo de Carroll et al. (2002) avaliou que tatuagens e piercings podem ser indicadores de comportamento de risco em adolescentes.

Mais profícuo que avaliar a pertinência ou não de tais investigações, parece ser questionar a razão pela qual essa associação entre patologia e modificação do corpo, que fica mais evidente a cada vez que uma técnica nunca antes executada, como a da remoção voluntária de parte da cartilagem do nariz, é realizada e amplamente divulgada. Tudo indica que a pergunta sobre a sanidade mental daquele que se submete a transformações tão radicais no corpo oculta, de certa forma, um questionamento que, a nosso ver, parece ser muito mais proveitoso do ponto de vista investigativo, a saber, qual justificativa

ético-política pode ser dada para se fazer ou não aquilo que se pode fazer, do ponto de vista tecnológico, com o corpo. Mas para responder a

essa questão, antes é preciso dar alguns passos atrás e buscar compreender o que estaria na base dessa associação entre patologia e transformação do corpo.

De acordo com Lebrun (1987, p.30), o termo patologia guarda estreita proximidade com a ideia de paixão. O que está na origem dos dois conceitos é a expressão grega pathos, cujo significado, segundo o autor, remete a um “afeto mórbido que posso vir a controlar”. Pode-se ainda complementar essa definição afirmando que toda conduta guiada por tal afeto tem por pressuposto a busca pelo prazer e a fuga do desprazer. Na acepção aristotélica de pathos, posteriormente retomada por Descartes, lê-se ainda: “tudo o que se faz ou acontece de novo é geralmente chamado pelos filósofos de paixão relativamente ao sujeito a quem isso acontece, e de ação relativamente àquele que faz com que aconteça” (DESCARTES apud LEBRUN, 1987, p. 17). O que estaria em jogo nessa definição é sua dupla face conceitual aparentemente