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MEMES E O (RE)FRAMING PARÓDICO DA REALIDADE “As mídias não transmitem o que ocorre na realidade social, elas

CAPÍTULO 2. MEME: DO FRAGMENTO MIDIÁTICO AO FRAME PARÓDICO DA REALIDADE

2.3 MEMES E O (RE)FRAMING PARÓDICO DA REALIDADE “As mídias não transmitem o que ocorre na realidade social, elas

impõem o que constroem do espaço público”. É assim que Charaudeau (2013, p.19) resume a ação da mídia sobre a realidade, lembrando que no cerne do processo informativo está a problemática da linguagem, a qual “não é transparente ao mundo”. Até mesmo a imagem que, segundo o autor, durante muito tempo se acreditou ser a maneira mais transparente para refletir o mundo, é envolta de uma opacidade própria “através da qual constrói uma visão”. Dessa maneira, a percepção que se cria do espaço público é sempre fragmentada, adequada a determinados objetivos e interesses. Ainda de acordo com Charaudeau (p.20), isso acontece a partir das três esferas que compõem as sociedades democráticas: a política, a civil e a midiática, sendo que “os atores de cada uma delas constroem para si sua própria visão do espaço público, como uma representação que tomaria o lugar da realidade”.

Sendo as mídias um espaço através do qual os atores participam em diferentes níveis dos processos de construção de sentido sobre essa realidade, faz-se necessário, conforme propõe Martín-Barbero (2013), a passagem de seu entendimento como “meio”, para seu caráter de “mediação”. Isso permite compreender a mensagem num sentido mais amplo, resultado de diferentes discursos de representação presentes tanto nos lugares de produção como nos de recepção da informação. Aspecto que em Charaudeau (2013) é demarcado pela ideia de “imaginários sócio-discursivos” materializados em linguagens através dos e nos quais as esferas sociais atuam. A realidade torna-se, assim, o resultado de significações possíveis, decorrente de um jogo de aparências construído nesses espaços. No jornalismo esse jogo se estabelece a partir da premissa - e de um compromisso subentendido no contrato de comunicação que estabelece - de revelar o próprio jogo.

Caráter que resulta numa aparência que se expressa através da seriedade, da objetividade, da denúncia, da explicação dos fatos e da busca pela verdade para produzir certa sensação de transparência.

Os dados do contrato de comunicação midiática constituem o quadro de restrições no qual se desdobra a encenação do discurso de informação. Sob a batuta da dupla finalidade de credibilidade e de captação, as restrições relativas à posição das instâncias de comunicação e à captura do acontecimento dão instruções e impõem um modo de organização do discurso e um ordenamento temático. O sujeito informante (jornalista e instância midiática) está, pois, situado entre essas restrições, de um lado, e seu projeto pessoal de descrição e explicação dos acontecimentos, de outro. Ele fica, ao mesmo tempo, preso e livre da encenação de seu discurso, como um diretor se acha ao mesmo tempo livre e preso na montagem de uma peça de teatro. (CHARAUDEAU, 2013, p.129)

Nos memes da internet os modos de organização discursiva operam em outra vertente, já que suas condicionantes são superadas na medida em que a credibilidade deixa de ser uma finalidade em si mesma e os processos de captação da informação ocorrem de forma não sistemática. Além disso, o próprio sujeito informante deixa de ser obrigatoriamente o jornalista ou a instância midiática para tornar-se a figura anônima do internauta, o que impõe também outra condição ética. A paródia é convidada a fazer parte de um jogo que busca revelar aspectos escondidos por trás das cenas que toma como referência. Apresenta-se uma verdade que não estava objetivamente expressa, num reenquadramento da informação através de seu contraponto. Com isso, os memes inserem no espaço público de discussões novos posicionamentos e possibilidades discursivas. E o fazem a partir da apropriação de técnicas e recursos de linguagem próprios do jogo midiático que lhes deu origem. A opinião pública, que conforme Lippmann (2008) funciona através de imagens da realidade, passa a operar também pela valorização de seu framing paródico. Estas “imagens, como estereótipos que intencionam simplificar a apreensão da realidade em si, acabam por distorcê-la, complexificando sua

compreensão, e acrescentando novas nuances ao caldo cultural de representações” (CHAGAS et al., 2016, no prelo).

Dessa maneira a paródia, conforme apontam autores como Bakhtin (1993), Hutcheon (1985) e Sant’Anna (2007), mais do que um recurso, torna-se um gênero de caráter interdiscursivo, dialógico e paradoxal. Isso estende seu alcance para além das fronteiras literárias, situando-a em esferas culturais, sociais e ideológicas, compreendendo-a não apenas como um problema linguístico, mas das linguagens de um modo geral. Para fins de estudo, propomos entender a paródia a partir de duas dimensões: a) a linguístico-discursiva, aspecto da linguagem que diz respeito aos desvios de sentido que provoca em relação aos discursos de origem, os quais referencia, e b) a político-estética, que a percebe e busca entender seus efeitos no âmbito das dinâmicas e trocas culturais, sociais e políticas em um dado ambiente. Em ambos os casos resgata-se o sentido da intertextualidade como ponto central para sua compreensão.

a) A dimensão linguístico-discursiva da paródia

Com o pressuposto de entender o caráter ideológico contido na linguagem, Sant’Anna (2007), em Paródia, paráfrase & cia., realiza o estudo da paródia a partir de suas relações com a paráfrase e os desdobramentos destas para os conceitos de estilização e apropriação. Segundo o autor, é imprescindível que se faça esse comparativo para uma melhor compreensão do termo. Ao passo que a paráfrase caracterizaria-se por uma relação mais íntima com a imitação e a cópia, numa espécie de continuidade ou repetição de um texto, a paródia seria melhor definida por gerar algum tipo de ruptura ou invenção capaz de dotar o texto de novos sentidos, chegando mesmo a subvertê-lo. “O dicionário de literatura de Brewer, por exemplo, nos dá uma definição curta e funcional: ‘paródia significa uma ode que perverte o sentido de outra ode (grego: para-ode)’”. Sendo a ode um poema para ser cantado, “o termo grego paródia implicava a ideia de uma canção que era cantada ao lado de outra, como uma espécie de contracanto” (SANT’ANNA, 2007, p.12).

Na medida em que avança em relação ao sentido original, a paródia permite uma espécie de evolução do discurso ou mesmo da linguagem, estabelecendo novos padrões de relação entre as unidades, ao contrário da paráfrase, que apoia-se em relações de semelhança a partir de paradigmas já estabelecidos no texto. Contudo, conforme aponta Sant’Anna (2007), ambas se relacionam a partir do efeito de intertextualidade, tendo a estilização como ponto de contato. Ao passo

que a paráfrase seria uma espécie de “discurso em repouso”, a paródia seria “o discurso em progresso”. A estilização apareceria, nesse caso, como uma movimentação desse discurso, o que equivaleria a entendê-la como um meio, uma técnica para se chegar a um resultado, um efeito que poderia se desdobrar tanto na paráfrase como na paródia. O autor cita duas passagens - uma de Tynianov (1919) e outra de Bakthin (1928) - para estabelecer os paralelos entre a paródia e a estilização:

a) Tynianov: “a estilização está próxima da paródia. Uma e outra vivem de uma vida dupla: além da obra há um segundo plano estilizado ou parodiado. Mas, na paródia, os dois planos devem ser necessariamente discordantes, deslocados (…) mas, quando há a estilização, não há mais discordância, e, sim, ao contrário, concordância dos dois planos: o do estilizando e o do estilizado, que aparece através deste. Finalmente, da estilização à paródia não há mais que um passo; quando a estilização tem uma motivação cômica ou é fortemente marcada, se converte em paródia”. b) Bakhtin: “com a paródia é diferente. Aqui também, como na estilização, o autor emprega a fala de um outro; mas, em oposição à estilização, se introduz naquela outra fala uma intenção que se opõe diretamente à original. A segunda voz, depois de se ter alojado na outra fala, entra em antagonismo com a voz original que a recebeu, forçando-a a servir a fins diretamente opostos. A fala transforma-se num campo de batalha para interações contrárias. Assim, a fusão de vozes, que é possível na estilização (…) não é possível na paródia; as vozes na paródia não são apenas distintas e emitidas de uma para outra, mas se colocam, de igual modo, antagonicamente (…)”. (SANT’ANNA, 2007, pp.13-14)

Ou seja, a primeira condensa e reforça, a segunda desloca e deforma, adquirindo um caráter contestador. “Do lado da ideologia dominante, a paráfrase é uma continuidade. Do lado da contra-ideologia, a paródia é uma descontinuidade”. (SANT’ANNA, 2007, p.28). A paródia busca, portanto, evidenciar a fala reprimida de um “outro”, não apenas no sentido de “alguém”, mas enquanto a “voz social ou individual recalcada e que é preciso desentranhar para que se conheça o

outro lado da verdade”. Diferente da paráfrase, que se identifica com a voz em questão, a paródia é uma voz que “denuncia a duplicidade, a ambiguidade e a contradição”, propondo “uma disputa aberta de sentido, uma luta, um choque de interpretação” (pp. 29-30). Nos memes esse aspecto se converte num jogo dinâmico onde outras versões e verdades vão sendo desentranhadas pelos atores que fazem parte do processo.

Do ponto de vista das representações, na medida em que dramatiza um determinado acontecimento ou texto, a paródia pode ser entendida como a re-apresentação de algo inicialmente escondido, implícito no texto original. É uma nova forma de ler determinado discurso, liberando-o de determinadas convenções. “Tal perspectiva denota que, apesar de não estar expresso de forma direta, o sentido da paródia já existe enquanto potencial silenciado, apto a ser revelado mediante a re-combinação de elementos”. (SÉKULA, 2015 in: CHRISTOFOLETTI, 2015, p.189). Uma revelação que se materializa no texto - e na linguagem, de um modo em geral -, através da intertextualidade, na medida em que consegue colocar em jogo as vozes divergentes em um discurso. Algo que acontece de maneira ainda mais extrema na apropriação, onde o autor faz uso do texto alheio com intuito de tirar-lhe a voz original e impor-lhe a sua própria.

A apropriação entra nos estudos literários a partir das experiências das artes plásticas, especialmente do Dadaísmo e da Pop Art, e pode ser entendida como uma espécie de colagem que reúne em sua expressão uma série de materiais presentes no cotidiano - a exemplo dos ready-mades de Marcel Duchamp (imagem 64) -, e a manipulação de imagens artísticas (imagem 65) e/ou típicas da sociedade industrial - a exemplo de obras de artistas como Richard Hamilton (imagem 66) e Andy Warhol (imagem 67). A base da apropriação está, portanto, num deslocamento que gera um desvio e re-apresenta o objeto, seja ele em sua própria condição material ou a partir de sua representação em algum outro código. Diferente da paráfrase, onde aquele que se apropria de um determinado texto ou discurso o faz reiterando seu sentido, a apropriação pretende gerar uma interferência, propondo algo diferente ou além de seus sentidos iniciais. E para além da paródia, desvincula o “texto-objeto de seus sujeitos anteriores, sujeitando-o a uma nova leitura” (SANT’ANNA, 2007, p.46).

IMAGENS 64 a 67: A fonte, Marcel Duchamp (1917); L.H.O.O.Q., Marcel Duchamp (1919); O que exatamente torna os lares de hoje tão

diferentes, tão atraentes?, Richard Hamilton (1956); Díptico de Marilyn, Andy

Warhol (1962)

Fontes: Wikipédia.org

A principal diferença entre esses quatro recursos, portanto, está nos tipos de desvios discursivos que propõem em relação ao texto de origem. Ao passo que a paráfrase pode ser compreendida como uma espécie de pró-estilo, a paródia aparece como um contra-estilo. Neste caso, a estilização e a apropriação poderiam ser entendidas, respectivamente, como desvios extremos desses recursos. Com isso em vista, Sant’Anna (2007, p.48) propõe um modelo de análise que une os quatro termos a partir da divisão em dois conjuntos: o das similaridades, que englobaria a paráfrase e a estilização, e o das diferenças, abrangendo a paródia e a apropriação. Numa escala gradativa, a paráfrase seria “o grau mínimo de alteração do texto, e a estilização, seu desvio tolerável”. A paródia, por sua vez, se configuraria como uma “inversão do significado, que tem em seu exemplo máximo a apropriação”.

Nos memes da internet é possível identificar esses desvios em diferentes níveis, principalmente a partir das relações estabelecidas com a imagem. Nesse sentindo, é comum que um mesmo meme seja resultado de mais de um desvio, dependendo para isso, da posição na qual o colocamos em relação ao discurso de origem. Nos memes sobre a “carta de Temer” (imagens 44 a 55) ou das “atrizes em luto pelo Brasil” (imagens 56 a 59), por exemplo, quando consideramos a carta do vice- presidente ou a foto onde as atrizes pousam vestidas de preto, temos em seus desdobramentos paródias que ressignificam o discurso original. Porém, se considerarmos essa relação a partir das imagens utilizadas nessas montagens - frames de programas de televisão, fotos jornalísticas, de celebridades ou personalidades políticas, imagens aleatórias da internet, etc. -, teremos uma apropriação. Nesse caso, cabe geralmente ao texto ou ao diálogo que se estabelece entre duas ou mais imagens, delimitar o sentido que configura o meme como uma paródia ou apropriação.

IMAGENS 68 a 70: Memes “Chapolin sincero”

Fonte: Página www.facebok.com/chapolinsincero

Se pensarmos na mensagem em nível de produção e recepção, podemos dizer que, sempre que o meme não estiver vinculado diretamente a uma mensagem/acontecimento específico, ou a referência ao discurso original se perder, temos uma apropriação. Os memes do “Chapolin sincero” (68 a 70 imagens), por exemplo, apropriam-se da imagem do super-herói mexicano para tecer comentários sobre o cotidiano ou dar conselhos ao público, não se estruturando sobre o desvio de um discurso de origem. O que o caracteriza enquanto meme é replicação de uma mesma imagem para construção de mensagens diversas. Há ainda memes que se configuram como paráfrase ou estilização. Nesse caso, sua caracterização está relacionada ao uso de

recursos estilísticos para gerar algum tipo de impacto e espalhamento da mensagem, e não uma tentativa de subverter determinado discurso.

b) A dimensão estético-política da paródia

Uma vez demarcados os aspectos linguístico-discursivos da paródia, partiremos agora para uma reflexão sobre seus desdobramentos estéticos e políticos. Enquanto uma forma de re-apresentar um texto, um objeto ou mesmo uma situação, atribuindo-lhes um enquadramento que lhe é oposto, a paródia se estabelece também como um campo de disputas simbólicas, sob o qual atravessam os mais diversos discursos e podem se estabelecer diferentes jogos de poder e contrapoder. Dessa maneira, torna-se um mecanismo que ajuda a estruturar “o espírito” de uma época. Se não determina “o que” será partilhado pelos atores do processo, tem grande potencial para tensionar o “como” isso vai ser percebido por eles. Sua funcionalidade é ambivalente, podendo carregar consigo tanto posturas conservadoras como revolucionárias.

Hutcheon (1985), que compreende a paródia a partir do projeto intelectual que vê no pós-moderno uma força criativa, compreende que seu conceito exige sempre uma interpretação contextual e situacional. A autora a desvincula da obrigatoriedade do cômico e do riso, indicando que, na mesma medida em que nem toda referência a um texto anterior converte-se obrigatoriamente em uma paródia, esta não precisa ser ridicularizadora para caracterizar-se enquanto tal. Em última instância, o que determina o tom da paródia é sua condição relacional com o texto de origem, podendo operar em dois níveis: no da obra a ser parodiada e no do código da obra que utiliza a paródia. Dessa forma, na paródia existem sempre dois textos em jogo: o citado e seu contraponto irônico.

Durante a Idade Média, por exemplo, esse jogo esteve diretamente ligado com o sentido de carnavalização trabalhado por Bakhtin (1993). Mais do que atribuir novo sentido a um texto, a paródia servia de contraste para a própria realidade sombria e opressora na qual mergulhava a população. Sua expressão a partir do carnaval oferecia ao povo a catarse de que necessitava para seguir em frente. Tratava-se de um tempo e de um espaço onde a ridicularização dos poderes não só era permitida, mas também festejada. Reis, príncipes, bispos, padres e até santos e deuses podiam ser desdenhados, demarcando a soberania do povo sobre os poderes, da festa sobre o martírio, da orgia sobre o pecado. A paródia está aqui diretamente ligada ao popular e ao riso pela oposição que faz ao caráter oficial e sério dos poderes da época. “Relegado para fora de todas as esferas oficiais da ideologia e de todas

as formas oficiais, rigorosas, da vida e do comércio humano”, o riso na Idade Média vinculava-se à paródia como forma de subverter o conteúdo consagrado da ideologia da época (BAKHTIN, 1993, p.63).

Os efeitos estéticos e políticos da paródia alteram-se na medida em que o realismo renascentista avança e gera um empobrecimento dos ritos carnavalescos populares, impondo um modo de existência preestabelecido e fragmentário, tipicamente burguês. A vida festiva sofre as influências da estetização do cotidiano, relativa à vida privada, fazendo os privilégios da praça pública reduzirem cada vez mais. O riso vai perdendo seu caráter universal para dirigir-se de maneira negativa contra fenômenos isolados da vida social ou pessoas específicas. A paródia passa a apoiar-se em uma dualidade isolada, ganhando ares cínicos. Essa perspectiva altera-se no século XX, quando os movimentos de vanguarda artística propõem a subversão das convenções da forma e abordagens criativas da tradição a partir da recontextualização dos modelos e alteração dos sentidos. Um movimento intimamente ligado ao desenvolvimento da técnica e a consequente possibilidade de reprodutibilidade da obra de arte, conforme demarca Benjamin (2012).

De acordo com Sant’Anna (2007, p.07), a partir de vertentes mais radicais, como o Futurismo (1909) e o Dadaísmo (1916), observa-se de maneira mais evidente o uso da paródia como um “efeito sintomático de algo que acontece na arte do nosso tempo”. Desenvolvendo-se dentro de um processo que Hutcheon (1985) chama de “transcontextualização irônica”, ela ganha identidade estrutural e hermenêutica próprias, o que reforça seu entendimento enquanto gênero, e não apenas enquanto recurso. Carregada de diferentes níveis de ironia a paródia pode, conforme destaca a autora, funcionar tanto como uma crítica séria como uma zombaria, expondo formas tão variadas que vão da admiração respeitosa ao simples desejo de ridicularização. Seus desdobramentos, principalmente a partir das artes plásticas, denota a centralidade que a imagem assume nas sociedades pós-modernas, reafirmando a paródia como um problema das linguagens de um modo geral.

Assim, o deslocamento do objeto ordinário selecionado pelo artista para sua reapresentação em um espaço típico das artes (imagem 64); a apropriação de obras artísticas seguidas de sua alteração (imagem 65); o pastiche feito através do recorte, da colagem e da montagem de imagens e referências diversas reunidas em um artefato que mescla estilos (imagem 66); e a replicação técnica da imagem a partir da exploração e evidência da cópia em detrimento do original (imagem 67); foram práticas que passaram a fazer parte dessa nova sensibilidade estética. Com a intenção de serem populares e transitórias, correntes

artísticas desse período não apenas questionaram conceitos clássicos da arte como serviram para tensionar fronteiras entre esta e as práticas de produção em massa, especialmente as midiáticas. A apropriação de produtos e formas expressivas típicos da cultura popular seguida de seus usos pelas esferas artísticas ajudaram a articular uma nova consciência do ambiente ao seu redor, transformando a paródia em uma forma de autoreflexividade do nosso tempo (HUTCHEON, 1985).

Todas essas possibilidades, somadas ao intenso processo de midiatização da nossa era, amplificou e renovou os usos da paródia e da apropriação para além do campo das artes, transpondo-o para práticas contemporâneas de comunicação, consumo e protesto. Sant’Anna (2007) cita, por exemplo, o movimento hippie, enquanto expressão da contracultura dos anos 60, como uma das práticas que possibilitou a revisão de uma série de problemáticas da sociedade norte-americana. Sob a perspectiva da moda o autor avalia que, ao apropriarem-se das roupas de seus avós, misturando-as a estilos típicos de outras culturas, como a indígena, a hindu e a negra, os hippies propuseram um deslocamento dos signos culturais para assumir uma atitude paródica que visava criticar o governo, a guerra e a sociedade de consumo. Porém, na medida em que passou a produzir industrialmente os artefatos antes artesanais, o movimento foi automatizado. Da mesma forma que