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Estou na Vigilância Sanitária desde 1984 e nestes anos todos teria centenas de histórias para narrar.

Desde o início, aprendemos que tínhamos que ser fiscal, mediador, advogado e juiz, para podermos solucionar os inúmeros problemas que nos chegavam. Além da Saúde Pública, já atuávamos na Saúde do Trabalhador, Meio Ambiente e como engenheiro, pois analisávamos projetos de habitação e indústrias e em campo verificávamos a veracidade do construído com o projetado; estando em acordo, expedíamos o habite-se ou licença.

No início foi mais difícil de colocar em prática o que aprendia, sendo que fiscalizava um bairro em Botucatu e vários municípios que nos pertenciam e que até então não contavam com vigilância mais efetiva, visitando-os duas a três vezes ao mês, intercalando-os conforme prioridades. Observo que as viagens eram feitas de ônibus, não havia viaturas.

Final dos anos 80, numa dessas cidades, quando já há algum tempo vinha tirando criações de porcos dos quintais das residências, vieram denunciar que não seria justo tirarem-se os porcos, sendo que na delegacia da cidade havia uma grande criação.

Retornando a essa localidade, fui até a delegacia para verificar o que relataram. Com surpresa vi no pátio um cercado com 17

porcos. Descobri que eram da escrivã, a qual concedi 15 dias para tirar os porcos, limpar o local e desfazer o cercado. Como o delegado estava junto, propôs conversarmos e rapidamente eu estava no meio de uma roda com cinco policiais, três investigadores, a escrivã e o delegado, que me indagava dizendo:

– “Mas me diga uma coisa, fiscal, se a nossa grande amiga não quiser tirar os porcos, o que você vai fazer, fiscal?!”

– “Irei autuá-la e, se vencido o prazo, será multada.”

– “Mas se ela pagar a multa e não quiser tirar os porcos, o que vai fazer, fiscal?”

– “Continuarei multando até o máximo.” – “E pagando o máximo, o que vai fazer, fiscal?”

Já que o tom da conversa não era muito amigável, disse-lhe: – “Como se trata de um problema de saúde pública e vocês estão atrapalhando o meu trabalho aqui na cidade, terei que chamar a polícia para me ajudar a solucionar esse problema, mas pelo jeito não a daqui.”

Histórias da Visa R eal -v .4 - Síndrome do “Le var vantafgem”

O delegado levou um susto e mudou seu tom ameaçador, dizendo:

– “Então você tem o poder de polícia?”

– “Claro que sim; e acho que seu superior não aprovaria sua atitude.”

– “Não, não se preocupe, fiscal, se é assim, não vou atrapalhar seu trabalho, garanto que serão tirados todos os porcos e que hoje mesmo começaremos a matá-los.”

Enquanto esperava o ônibus para ir embora, a escrivã passou por ali e me disse:

– “Olha, fiscal, não se preocupe, pois já começamos a matar os porcos. Coitado do Chico, ele era tão legal, foi uma pena ter que matar o Chico, coitado do Chico.”

– “Só que não adianta matar somente o Chico, terão que matar todos.”

Após 15 dias, constatei que realmente a delegacia estava sem os porcos e tinham limpado o local. Quando achei que estava resolvido o problema, fiquei sabendo que apenas transferiram os suínos para o quintal do marido da escrivã, o qual também possuía um bar e era conhecido na cidade como ex-torturador do DEIC. Usava na cintura um 38 e apavorava as pessoas do local. Quando, após verificar a irregularidade, disse-lhe que seria autuado, começou a esbravejar que nunca ninguém o tinha ferrado e justo eu, que quando fiz varias exigências para a melhoria de seu bar ele tinha feito. Expliquei que uma coisa independia da outra e que os porcos estava em sua propriedade e eram os mesmos que estavam na delegacia. E se não assinasse o AI não teria direito ao recurso. Daí me falou:

– “Então vou ligar para a delegacia.” – “Ligue para quem você quiser.”

– “‘Muié’, desce agora mesmo aqui no bar, o fiscal está me multando, só que não vou assinar nada, os porcos é seu.”

A escrivã desceu rapidinho e com muita má vontade assinou o AI. Expliquei ao diretor o caso complicado que se passava, inclusive com ameaças, e que queria que me acompanhasse pelo menos uma vez, para dizer que essa ação era um trabalho de Vigilância e não perseguição a ninguém. Disse-me que não iria e se quisesse mandaria uma viatura para me acompanhar no final. De que me adiantaria ir uma vez com a polícia de Botucatu se constantemente estaria indo a essa localidade (vocês devem conhecer a chefia de gabinete).

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Passando o tempo hábil, voltei ao local para averiguação e fui recebido com aquele discurso demagogo bem conhecido:

como realmente tinha sido sanada a irregularidade, ele fez questão de mostrar cinco freezers abarrotados com os porcos congelados, pois mesmo eu querendo prejudicá-lo, queria provar que ainda me considerava , presenteando-me com um pernil. Mesmo insistindo na recusa de tal “presente”, falou-me que se não fosse buscá-lo, iria colocar o pernil no ônibus Percebendo a armação, nesse dia consegui ir embora de carona. Imaginem o que poderia ter acontecido numa terra onde imperava o coronelismo e poder corrupto.

Mas, depois desse fato, consegui manter o nível de conscientização da população sobre saúde pública e meio ambiente e que, para realizar-se vigilância, deve-se ter imparcialidade e igualdade nas ações e aplicação das leis sanitárias.

Como não há mais tempo para escrever outras histórias, se for de interesse descreverei mais algumas.

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