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A FRATERNIDADE COMO UM PRINCÍPIO

Até o presente momento, constatamos a importância da fraternidade no direito público brasileiro, bem como tentamos demonstrar como compreender a fraternidade, a qual acabou sendo esquecida na Modernidade. Verificamos, ainda, que a fraternidade, além de esquecida, pouca acolhida tem recebido no nosso ordenamento jurídico. Apesar disso, vimos que o direito italiano constitui-se em um grande modelo ao nosso direito pátrio, na medida em que, assim como na nossa Constituição Federal, não se encontra positivado na sua Constituição.

Neste contexto, pretende-se sustentar que a fraternidade tem plenas condições de constituir-se em um princípio inspirador, ou, ainda, em importante norte interpretativo. E o que se pretende é um retorno da fraternidade ao campo do direito, como uma categoria jurídica, vista sob a ótica do jurista.

Neste momento, portanto, considerando a relevância jurídica da fraternidade, a qual segundo passa-se a demonstrar, pode ser, sim, entendida em termos jurídicos, com amplas possibilidades de se tornar um conceito operacional, na forma de princípio.

No entanto, a fim de se construir um argumento que qualifique a fraternidade como princípio de direito público brasileiro, devemos analisar se ela possui os atributos qualificadores de um verdadeiro princípio. Nesta tarefa, Humberto Ávila nos fornece importantes critérios quanto à identificação de um princípio.

Ávila argumenta que “os princípios são normas imediatamente finalísticas. Elas estabelecem um fim a ser atingido” e confere destaque ao seguinte aspecto: “Essa explicação só consegue ser compreendida com referência à função pragmática dos fins: eles representam uma função diretiva (richtungsgebende Funktion) para a determinação da conduta”.240

O conceito desenvolvido acima parece adequar-se perfeitamente à noção de fraternidade desenvolvida nesta dissertação, na medida em que sua compreensão pressupõe o ato de reconhecer o outro. Há uma conduta direcionada a um fim, o qual, segundo o autor não “precisa, necessariamente, representar um ponto final qualquer (Enzustand), mas apenas um conteúdo desejado”. 241 O fim desejado nada mais é do que o próprio reconhecimento do outro que se apresenta a mim.

O autor propõe, precisamente, determinadas diretrizes identificadoras de um verdadeiro princípio, e indica alguns métodos de análise, os quais buscaremos aplicar à fraternidade, a fim de por à prova sua conformação como princípio.

O primeiro aspecto a ser considerado é o de que diz respeito à maior especificação dos fins.242 Isso significa que o seu fim deve ser o mais específico possível, para que não corra o risco de não ser realizado. Segundo Ávila, essa especificação efetiva-se através de uma relação entre as normas constitucionais, as quais devem estar voltadas para o mesmo fim.243

240 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 70.

241 Ibid., p. 71. 242 Ibid., p. 73. 243 Ibid., p. 73.

Situando a fraternidade nesta perspectiva, entendemos que ela tem um fim determinado, cada vez mais específico, na medida em que se agregue uma noção de alteridade. Além disso, unindo-se novamente aos outros princípios revolucionários, liberdade e igualdade, ganha força, constituindo-se em um dos pilares do próprio estado democrático de direito.

Em seguida, a orientação é que se faça uma pesquisa de caráter jurisprudencial, a fim de analisar pormenorizadamente, caso existam, as decisões em que o termo em estudo foi empregado, e em que sentido. Por esta diretriz, teremos condições de identificar a resolução da questão, a qual servirá de paradigma para os futuros casos semelhantes, em virtude de sua capacidade de “generalização do seu conteúdo valorativo”. 244

Tomando-se como exemplo a decisão do Supremo Tribunal Federal referente à demarcação das terras indígenas “Raposa Serra do Sol”, já podemos perceber sua capacidade de universalização. Fala-se hoje, na jurisprudência brasileira, inclusive, em advento de um direito fraternal.

Desta forma, consoante ensina Ávila, analisando-se os casos encontrados na jurisprudência acerca do assunto em análise, é preciso, ainda, correlacioná-los, para que se possa destacar seus aspectos comuns em relação a um determinado mesmo tipo de problema. Através da aproximação de vários casos que tratem da mesma problemática, poderemos extrair os valores que lhes possibilitarão resolver a questão.245

Verificados estes valores, é preciso identificar o comportamento necessário à implementação do fim almejado.246 No que se refere à fraternidade, esse comportamento nada mais é do que a atitude de reconhecer. Seu fundamento está centrado na perspectiva da alteridade.

Por fim, considerando-se os casos existentes até então examinados pelo pesquisador, assim como o comportamento necessário a sua realização, deve-se buscar outros casos, em relação aos quais deveria ter sido aplicado o princípio em análise.

244 ÁVILA, 2003, p. 73. 245 Ibid., p. 74.

Como ensina Ávila, deve haver a “realização do percurso inverso”.247 Parte-se, assim, para uma reconstrução da pesquisa. No entanto, como ele mesmo salienta: “dessa feita não mediante a busca do princípio como palavra-chave, mas por meio da busca do estado de coisas e dos comportamentos havidos como necessários à sua realização.”248

Pode-se, portanto, afirmar que, com base nessas diretrizes, teremos condições de reconstruir estas decisões a partir de uma análise crítica e racional, e, assim, realizar os fins estabelecidos na Constituição Federal pátria.

Embora a fraternidade esteja situada expressamente apenas no preâmbulo, pensamos que ela satisfaz as exigências próprias de um princípio, principalmente devido ao seu potencial de universalização. A sua adequação aos critérios propostos faz com que desapareça o impedimento de não constar no corpo normativo da nossa Constituição, pois encontra seu próprio campo de atuação junto ao ordenamento jurídico.