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Frente de Bragança, em imagem tradicional (década de 1950)

No documento DÁRIO BENEDITO RODRIGUES NONATO DA SILVA (páginas 61-65)

Fonte: Acervo da família Bordallo da Silva

E mais adiante

“Esta Igreja e Irmandade, por pertencerem à sociedade privada, que leis antigas chamadas de “Mão-Morta”, não pertence, administrativamente, à Prelazia, no que não somos de acôrdo, porque a Igreja é do Padre e, somente o Padre é quem pode administrá-la. Mas, a vesguiça de muitos, têm, pirronicamente contribuido, para que, haja, essa evolução errônea, nessa parte religiosa! Nosso bairro beneditino, já poderia, com a Igreja de São Benedito, ser sede de uma Paróquia e, nas Igrejas, tôdas as tardes, reunião de centenas de crianças para as lições cristães, ao em vez de Foot-Ball nos jardins municipais, depredando-os!”

Cezar Pereira acalenta um sonho católico e específico de evangelização e dominação ideológica dos padres da Prelazia do Guamá, já que sua família, cujos membros pertenciam aos quadros religiosos das recentes irmandades do Apostolado da Oração, Pia União de Filhas de Maria e da Cruzada Eucarística, pôde ter uma formação entre os que apoiavam o barnabita Eliseu Coroli, mesmo sem deixar de formalizar todo o ritual em torno do culto a São Benedito, fruto do poder da irmandade.

A festa, em seu bojo, foi portadora de uma memória histórica em busca de liberdade, que despertou a fúria controladora dos senhores e da Igreja Católica. Ao procurar

mudar o sentido e inverter os valores do sistema, aceitando e defendendo de certa forma a Marujada, Cezar Pereira elabora um roteiro no livro que vai da Cavalhada, disputa entre cavaleiros que ao final são premiados, às festas profanas em honra a São Benedito.

A dança representa um ritual a mais na expressão da festa beneditina, muito bem descrita no contexto nascente da Irmandade de São Benedito. Porém, seus atores sociais não são os mesmos dirigentes da Irmandade, mesmo sem deixar de praticarem o lado religioso do folguedo. De um lado, a festa, de outro, a prática religiosa e leiga, com a Irmandade. Um sem se sobrepor ao outro, mas interligados e, porque não, enlaçados, comprometidos, sem disputas nem ciúmes, mas arranjos, que proporcionaram a valorização e a participação dos sujeitos tanto a um quanto a outro.

E como parte integrante dos festejos profanos da festa, a dança estabeleceu, ao lado de muitos outros rituais, a identidade da Marujada, numa homenagem que nasceu na petição, na esmolação dos irmãos e da necessidade de agradecimento para os senhores que, além de permitirem sua organização, patrocinavam a festividade. Ela também é resultado de uma mescla de louvor e agradecimento, prazer e devoção numa só manifestação religioso- folclórica, segundo o próprio autor à página 76: “É a ‘Marujada’ da tradicional e típica organização dançante dos prêtos. Exibe-se às vésperas da festa, 25 e dia de São Benedito, 26 de dezembro”.

Os momentos de dança – e sem se desvincular deles, as festas profanas realizadas pelos juízes da festividade – são aqueles onde marujos, marujas, todos os irmãos de São Benedito mostravam sua importância e realçavam o quotidiano que disputava espaços de convivência e forçando o reconhecimento do folguedo como parte integrante.

Eficaz ou não enquanto instrumento de domínio sobre os escravos e negros libertos, o fato é que com a concessão do direito da Irmandade coexistir entre as já existentes na vila, o apaziguamento foi se tornando a possibilidade de inserção do negro no catolicismo, encontrando formas sutis bem peculiares e outras bastante legais para uma situação de equanimidade religiosa.

A festividade seria essa possibilidade de inserção, em todos os seus micro- espaços: almoço, leilão, festa de dança, comemorações dos juízes, etc. Ela manifestou o espaço de que o negro precisava para melhor resistir ao mundo da escravidão e do preconceito social a que estavam submetidos. Esse sentido, portanto, foi mudado ao longo da primeira metade do século XIX, tendo em 1853, seu balizamento principal: a mudança do primeiro Compromisso para um segundo, antes, mais uma peça da engrenagem de uma política de

domínio que imaginava a existência de senhores protetores e de escravos dependentes; depois, cada vez mais a ficção do contrato regularizado e controlado pela burocracia governamental, sendo aprovado pelo poder temporal.

O problema não desapareceu: tudo isso levaria normalmente a um rompimento físico de fronteiras entre esse mundo da liberdade e da escravidão de forma mais ou menos intensa. A resignação religiosa escamoteou o conflito.

A festa acontecia, dentro do mesmo ciclo do Natal porque

“o dia de São Benedito (...) é festejado em Bragança, desde 1798, no dia 26 de dezembro, porque os prêtos escravos vendo no braço esquerdo de São Benedito a imagem de Menino Jesus, de quem êle era um fervoroso devoto, acharam que sendo o dia 25 de dezembro, dia de Natal de Jesus, o dia 26 deveria ser o dia do Santo moreno, pois ele o trazia nos braços!”54

A arrecadação, segundo os autores já pesquisados e citados neste trabalho, se deu na esmolação, no ingresso de irmãos com o pagamento de jóias e nas anuidades da própria Irmandade e na devoção que os senhores tiveram a São Benedito na formalização de suas promessas, “com toda espécie de dádivas para os leilões, a festa foi progredindo e aumentando de ano para ano” 55 com certo declínio das outras irmandades56.

Cezar Pereira descreve como vários senhores acorreram aos quadros desta Irmandade e pode-se deduzir daí um novo controle da mesma, dando mais importância ao Santo Negro do que a já aprovada padroeira de Bragança, Nossa Senhora do Rosário, pois Dom Miguel de Bulhões, da ordem religiosa dos dominicanos, tinha grande devoção a esse título de Maria, sugerindo à freguesia que o escolhesse como onomástico da posterior paróquia e até 1754, com a elevação do povoado à categoria de Vila57.

Essas cenas de quotidiano permitem a abordagem dessas questões, mesmo que estejam contidas em acervos e livros de pouca referência documental. Temos, então, uma visão a mais do caráter solene do ritual, que os senhores emprestavam ao ato de folgar em dezembro dos seus escravos.

54 CEZAR PEREIRA, Benedito. Sinopse da História de Bragança. Belém: Imprensa Oficial, 1963. p. 76. 55 CEZAR PEREIRA, op. cit p. 80.

56 Autos de prestação de contas de irmandades de Bragança, dos anos de 1859, e de 1884 a 1886, onde se

percebe o aumento do montante arrecadado pela Irmandade do Glorioso São Benedito em detrimento do numerário arrecadado em outras irmandades (Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, Irmandade do Divino Espírito Santo, Irmandade de São João Batista, Irmandade de Santo Antônio, Irmandade do Santíssimo Sacramento). Documentos colhidos no Arquivo Público do Pará e no Cartório do 1o Ofício do Fórum da Comarca de Bragança.

A liberdade era concedida em comemoração à colheita58, sempre havendo a declaração e afeto dos senhores pelos negros, ficando, assim compreendido que os libertos deviam continuar demonstrando estima e gratidão aos seus proprietários. Isso podia reavivar a imagem do senhor e do ex-senhor, protetor, muitas vezes juiz da Irmandade, da festividade, benfeitor de doações, sempre disposto a prestar orientação e auxílio aqueles negros agora em liberdade.

Um trecho de Cezar Pereira alarga a nossa visão da cena e nos dá melhor embasamento, a respeito dos senhores, devido

“a índole bondosa de nosso conterrâneo, daquêle tempo, que alforriavam todos os anos certo número dêles, gratuitamente, permanecendo na senzala de seus senhores-padrinhos, porque não aceitavam dalí se retirar por amor aos Sinhôs Moços e Sinhá Dona” (p. 78).

Um destes cenários percebidos pelo meu estudo se relaciona ao papel das mulheres no quadro social da Irmandade e na festividade de São Benedito. As marujas, dançarinas e co-partícipes, são descritas como personagens principais das comemorações profanas em honra ao Santo Negro. Toda a manifestação de festa e dança deveria ser dirigida por elas. Tal característica é fruto da escolha pela liderança do grupo exercida por uma mulher – maruja e irmã de São Benedito.

Entre os autores a nos apoiar, encontramos um em especial para confrontar conceitos com o nosso conterrâneo Benedito Cezar Pereira (Zito Cezar). Ao falar do lugar da memória como um lugar distante, que precisa ser visitado, David Lowentahl59 enfoca o papel da memória para o homem contemporâneo, pois através dela, se organizam no moderno as várias tradições passadas.

Além disso, perceber limites do trabalho do historiador em relação ao do literato. O primeiro que tem como principal vertente a busca por uma verdade e o outro, que usa o recurso da imaginação na construção do texto, como que a construir uma verdade.

57 GIAMBELLI, Dom Miguel Maria. Bragança e seus Templos Católicos. Artigo da Diocese de Bragança, 1993. 58 BORDALLO DA SILVA, Armando. Contribuição ao Estudo do Folclore Amazônico na Zona Bragantina.

Belém: Falangola Editora, 1981. p. 73.

No documento DÁRIO BENEDITO RODRIGUES NONATO DA SILVA (páginas 61-65)