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2 VARIAÇÃO E MUDANÇA SOCIOLINGUÍSTICAS

2.4 FREQUÊNCIA E VARIAÇÃO

Conforme visto na seção 2.2, uma das questões principais que surgiu com a Teoria Difusionista foi a probabilidade de um item ser atingido em detrimento de outro, pela difusão de um processo variável. Uma das hipóteses que conseguiu grande notoriedade na tentativa de

solucionar tal possibilidade foi defender que a frequência lexical deixa um vocábulo mais propício a variar. Entretanto, essa relação parece não se delimitar a uma conclusão tão direta como a de que quanto mais frequente o vocábulo em uma língua, mais provável sua variação. Inferências como essa, segundo Phillips (1984), são mais adequadas para itens lexicais que sofrem variação por “fatores fisiológicos”. Logo, o papel da frequência seria de co-atuação com fatores fonéticos favorecedores; assim, a autora entende que “mudanças que afetam as palavras mais frequentes primeiro tipicamente envolvem ou redução de vogal, ou apagamento, ou assimilação”, enquanto as palavras menos frequentes seriam alvo principal das mudanças em que não há pré-disposição fisiológica.

A tentativa de relacionar frequência e variação foi moldando-se sob uma perspectiva cognitivista que inclui aspectos referentes a processamentos mentais e sua relação com a variação linguística. Ao investigar qual controle o léxico mental teria sobre as mudanças, Oliveira (1995, p. 25) enfatiza que aspectos como a frequência não seriam intrínsecos a um item lexical, mas dependente de outros fatores, como indivíduo, por exemplo, o que leva a apontar o léxico “como um conjunto de traços, ou marcas, construídos nas situações específicas de fala, e não um conjunto de traços pré-determinados.”

Ainda na busca do papel lexical e da frequência nos processos de mudança, Phillips (1999, p. 108) define a existência de características específicas que definem o léxico mental, conforme se tem a seguir:

a) deve ser conectivo ao invés de gerativo, indicando que há informação de conexão entre palavras derivadas e suas bases, por exemplo, como semelhança em padrões de acentuação, significado, afixos etc.;

b) deve incluir informação sobre categoria gramatical;

c) deve prover informação sobre frequência lexical, considerando que as mudanças motivadas por aspectos físicos tendem a atuar primeiro em itens mais frequentes, enquanto mudanças sem essa motivação atingem primeiro palavras menos frequentes;

d) deve fornecer detalhes fonéticos em suas entradas.

A ligação entre processamento cognitivo e a questão da implementação de mudanças relacionada à frequência é discutida por Phillips (2000). Como principal resultado, aparecem indícios de que mudanças que atuam em itens lexicais mais frequentes são aquelas que passam por menos análise do falante, enquanto as mudanças que atuam em itens menos frequentes, são as que requerem mais processamento de análise lexical.

Phillips (2001, p.123) detalha essa proposta defendendo a hipótese de Frequência- Implementação, sustentando que “mudanças sonoras que requerem análise, seja sintática, morfológica ou fonológica, durante sua implementação, afetam primeiro os itens lexicais menos frequentes, enquanto outras mudanças afetam primeiro itens mais frequentes”.

Exemplos da língua inglesa sustentam essa hipótese, como verbos terminados com o sufixo –ate, (ex.: dictate - muito frequente e filtrate - pouco frequente). A autora defende que ao usar o item dictate, os falantes não o analisam, deixam de perceber a natureza de sufixo verbal presente e acabam por trocar o acento do item (que recairia sobre o sufixo) para aquele considerado padrão (que recai sobre a primeira sílaba), enquanto o item filtrate, menos frequente, é analisado pelo falante, tem sua estrutura morfológica reconhecida, e por isso não tende a ser atingido por uma mudança acentual desse tipo.

A mesma hipótese também é aplicável com exemplos referentes à estrutura fonológica, como as palavras semelhantes da língua inglesa straight e strait. A mais frequente delas, no caso a primeira, não tem seus segmentos (fonemas) analisados, como ocorre com a segunda, devido ao seu uso mais comum e acaba, por isso, sendo mais predisposta à atuação do processo variável de substituição do /s/ inicial por um /ʃ/.

Portanto, fenômenos como os de redução ou assimilação, que podem ser fisiologicamente induzidos, teriam maior aplicação em itens mais frequentes, enquanto fenômenos para os quais o falante acessaria informações detalhadas sobre o vocábulo, teriam maior aplicação em itens menos frequentes.

O papel da classe gramatical do item lexical também é discutido por Phillips (2001), já que está diretamente relacionado à frequência, como no caso das palavras funcionais de uma língua, geralmente mais frequentes que palavras lexicais e mais propícias a mudanças sonoras como reduções ou assimilações. Assim, parece que função gramatical e frequência de um item são redundantes, embora a autora sustente que o acesso a informações do léxico segue uma ordem, sendo que classe gramatical seria uma característica acessada antes do que estrutura fonológica, por exemplo.

Ainda relacionado ao tema da classe gramatical está o conceito de vizinhança, segundo o qual, afirma Phillips (2001), alguns itens, ao sofrer análise, são entendidos como participantes de um grupo de palavras com semelhanças fonológicas, como as formas interrogativas do inglês iniciadas por Wh-. Como essa análise ocorre tanto para o aspecto de classe como para o aspecto fonológico, novamente a ordem de acesso à informação é

relevante, pois primeiro esses itens são identificados com um grupo e depois podem ser analisados de forma independente. Essa análise asseguraria tais itens como menos propensos à atuação de mudanças que atingiriam primeiro itens menos frequentes.

Por fim, a hipótese que Phillips (2001) apresenta para o papel da frequência na implementação da mudança sonora inclui considerar com igual relevância o tipo de mudança em análise, a frequência de itens lexicais, a classe gramatical e o conceito de vizinhança. A partir desses preceitos esperamos encontrar na amostra considerada nesta pesquisa indícios do papel atuante da frequência na implementação do SMA na variedade porto-alegrense do PB.

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