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Tentamos fazer de modo bem resumido alguns levantamentos a respeito de Freud e do seu trabalho em relação à sexualidade e à educação. Não temos a menor pretensão de questionar ou criticar o trabalho da psicanálise, mesmo porque, nossa formação não é nesse campo de saber e desejamos apenas propor algumas questões sobre psicanálise que possam

contribuir para a educação e para o processo de formação de educadores. Além disto, compõe na base teórica deste estudo um quadro com Foucault.

Freud surge como um estudioso da alma e busca pela análise de seus pacientes o porquê de tantas neuroses e traumas. Aproximando-se dos fragmentos, dos relatos de seus clientes, conseguiu estruturar uma teoria a respeito da sexualidade e da mente. Fez a seu modo uma arqueologia do sujeito, mexendo com o que existia de modo mais pleno e forte para a sociedade moderna ocidental, tirando a razão do seu lugar tão confortável de destaque e evidenciando algo que não pode ser totalmente controlado e que é responsável por muitas das nossas atividades. Freud deu o nome de inconsciente, fez dele objeto de estudo e análise, problematizando os atos falhos, os sonhos e o processo de transferência.

Para esse pensador, o professor deveria estar consciente desses saberes, como alguém que tem uma porção não explorada e não racional. Saber da impossibilidade de controlar o inconsciente pode proporcionar ao educador uma posição ética de grande valor, já que o coloca diante de limites verdadeiros, evidenciando sua impotência, mas também pode, entretanto, paralisá-lo diante desta descoberta como diz Kupfer (1989, p.75).

Em alguns momentos, Freud fala de modo direto aos educadores chamando a atenção a respeito da tarefa de educar. Primeiramente, ele acredita que as neuroses são fruto de uma ação educativa muito repressora, rígida demais, na qual os diques (asco, vergonha e moral) aparecem de modo muito rígido nos educandos ou nas crianças, causando um bloqueio e desenvolvendo em alguns deles sintomas psicopatológicos.

No momento de reflexão vivido por Freud, teríamos encontrado de modo fácil a cura para certos males psicológicos e sociais. Se o modo de educação repressora e rígida é a causa de todas essas pessoas problemáticas, o modo de se desvencilhar deles seria justamente propor uma educação livre, isto é, uma educação sem limites, e de certa maneira, sem referência, na qual tudo deve ser permitido. Essa seria a saída para a educação, ou para a ação de um educador atento às questões da psicanálise?

Freud percebe que não é este o caminho. Se uma educação rígida e repressora pode causar danos à mente humana, do mesmo modo uma educação não responsável e sem referência também pode provocar males.

A educação nesse sentido seria o ponto chave entre o sujeito (criança) e o mundo a sua volta. Por meio da educação o sujeito é colocado diante de uma sociedade, de uma cultura que existe antes mesmo do seu nascimento. Claro que a concepção freudiana respeita a condição social e cultural deste sujeito, reconhecendo-o não apenas como alguém que deve se

enquadrar a esse mundo, mas como alguém que deve ter conhecimento a seu respeito, podendo contribuir e modificar o mundo a sua volta.

Kupfer (1987) reflete o pensar de Freud, colocando-o entre a concepção tradicional da pedagogia que acredita nas crianças ou nos sujeitos como um mal original, sendo necessária a educação para libertá-los dessa situação, e a pedagogia proposta por Rousseau que percebe a criança ou os sujeitos como dotados de uma bondade natural e que a sociedade, através de seus feitos e ações, desmontaria esta docilidade inata. Para Freud, essas concepções são deixadas de lado quando percebe nos seus estudos a presença de uma ação que chama de

perversa11 e que é enraizada em todos os humanos, mas que pode ser sublimada e transformada em algo de grandeza social e cultural. Os sujeitos deixam de possuir uma classificação inata boa ou má e começam a ascender a uma possibilidade de construção de identidade. Para este pensador, ser perverso implica em ser humano, não podemos separar estes elementos. A humanidade seria perversa na sua essência, mas conseguiria através da sublimação da pulsão sexual alcançar feitos socialmente úteis.

O papel do educador seria de destaque nesse sentido, mas antes de tudo deveria estar atento a si mesmo, à sexualidade, ao entendimento dessas questões para, posteriormente, colocar-se em relação aos educandos, pois como pode um educador tratar de modo consciente as problemáticas que envolvem a sexualidade que afloram cotidianamente no espaço institucional de ensino se este educador não se reconhece como alguém que possui uma sexualidade, dúvidas a esse respeito, preconceitos e medos?

Nesse sentido, Freud fala sobre a necessidade de análise dos educadores, pois são responsáveis pelo ensino institucional, ficam boa parte do tempo com os sujeitos inseridos na escola. O educador necessita de formação para isso, precisa se perceber como sujeito sexual, para assim poder se colocar de modo mais adequado dentro da escola como profissional responsável pela educação.

O casamento entre psicanálise e educação não é algo muito simples. O olhar prático dos educadores que geralmente buscam nos referenciais teóricos uma aplicabilidade quase que instantânea para o seu cotidiano escolar esbarra, neste caso, em questões complexas da psicanálise como a ação do inconsciente, assim como está implicado nas dificuldades no entendimento de concepções deste novo saber e da precariedade na sua própria formação

11 De acordo com Kupper (1987, p.40), perverso para Freud significa uma atitude puramente ligada ao prazer momentâneo, sem preocupação com questões de vergonha, medo ou relacionada a moral, seria uma atitude egoísta, pois está preocupado em satisfazer o seu desejo sem ter consciência disso. Não seria uma atitude negativa em si mesma, já que o sujeito não tem consciência do seu ato.

acadêmica, destacando que psicanálise e educação ocupam posições antagônicas muitas vezes.

Não buscamos transportar conceitos da psicanálise para educação ou fazer da prática de ensino um divã para os educadores ou educandos, mas é inevitável perceber que psicanálise e os estudos de Freud contribuem para uma educação mais responsável, na medida em que nos percebemos como sujeitos constituídos de singularidades, de subjetividades, dotados de um inconsciente, já podemos nos sensibilizar para uma ação educativa que está colocada não apenas sob os alicerces da razão.

Para Freud uma das três profissões impossíveis é a tarefa de educar, seja porque o educador deve promover a sublimação, sendo que ela é realizada por meio do inconsciente, seja pelo fato de que o educador deve se reconciliar com a criança que há no seu íntimo e que fora esquecida ou porque ele deve educar as crianças a respeito da sexualidade, mas estas talvez, não darão atenção (KUPFER, 1989, p. 50).

Freud com sua investigação da alma humana faz-nos questionar acerca de nós mesmos, dos nossos sonhos, desejos, metas e certezas, foi o que Foucault fez ao propor uma história da sexualidade, porém no sentido contrário, pois Freud buscou nos sujeitos, de modo singular, aquelas questões que não eram de destaque e de tradição em pesquisas, revelou ao se aproximar das psicopatologias questões relacionadas à sexualidade e à infância, formulando uma teoria a seu respeito.

Kupfer (1989, p. 59) diz que quando Freud menciona a idéia de que a educação é algo impossível, não quer dizer que ela seja irrealizável, mas o que este pensador indica principalmente é o fato de que a educação não pode ser alcançada integralmente, no sentido de exercitar uma dominação pura, assumindo a direção e o controle dos sujeitos.

A questão de gênero em Freud pode ser percebida pelos relatos de seus estudos quando este se refere aos casos clínicos de sua prática de psicanalista, seja ao tratar das mulheres histéricas, seja na sua teoria sobre sexualidade ou mesmo nas palavras por ele utilizadas. Temos que contextualizá-lo para não fazermos um julgamento equivocado a respeito. Freud é um pensador do final do século XIX, portanto, usa termos e tem princípios da sua época; seria exigir demais que ele falasse de outra maneira a respeito das mulheres ou dos homens. Ao perceber que os casos histéricos também poderiam ser vivenciados por homens, Freud acaba rompendo com um pensamento hegemônico da sua época, pois histeria era uma patologia exclusiva das mulheres, tanto que este termo deriva da palavra grega

Quando Freud fala a respeito da idéia de castração, ou da inveja que a mulher teria do pênis, acreditamos que esta seria uma fala metafórica a respeito do que este membro simboliza, o poder ou a materialização, já que a mulher não teria um órgão a ser comparado a ele.

Não podemos julgar ou criticar de modo incoerente Freud e seus estudos, pois diante da sociedade e da cultura a qual estava inserido, sua fala não poderia ser outra, pois a referência para esta sociedade era justamente a do homem branco, ocidental e burguês que servira de parâmetro para os demais sujeitos, seja para identificá-los ou desprezá-los.

6 SEXUALIDADE E GÊNERO EM CURSOS DE PEDAGOGIA: UM OLHAR SOBRE OS DOCUMENTOS DE IDENTIDADE

Currículos sem dogmas e sem certezas, que avançam abertos ao futuro como advento da justiça. Avançam, em seu trabalho em processo, em suas estradas em andamento, em seus mares a fluírem. Currículos nos quais todos os diferentes que trabalhamos, caminhamos, navegamos, possamos, então, viver neles com mais singularidade e leveza, liberdade e beleza, dignidade e alegria.

(Sandra Mara Corazza)

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