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Com o surgimento de uma nova tendência na cidade do Recife, cujos habitantes em sua maioria vinham de uma escola pública deficitária ou de uma burguesia, ou classe média que fingia não ver o que estava acontecendo nas camadas menos favorecidas. Science começa a pesquisar idéias que afro- americanos estavam desenvolvendo nos EUA. Ele promove bailes no Recife, onde divulga o hip hop. Começa a estudar o trabalho de grupos como o norte- americano Public Enemy, liderado pelo rapper Chuck D. e une-se ao grupo afro- pernambucano Daruê Malungo, localizado em Chão de Estrelas(Recife), próximo a Peixinhos (Olinda), para organizar uma espécie de “guerrilha cultural”. Um front onde fossem respeitadas as diferenças e de forma positiva fossem diluídos os preconceitos de raça e de classe.

Com o aumento da desigualdade social, os recifenses viam-se imersos em mais uma crise social, numa sociedade que nunca experimentara algo como foi a explosão dos computadores e a intensificação do papel da mídia nos rumos da cultura. O sentimento de uma cidade homogênea estava desfeito e também comprometida fortemente estava a idéia de nacionalidade.

Por seu turno, a cultura negra clamava por uma volta às raízes. O

Olodun na Bahia e o Daruê Malungo no Recife são pequenos exemplos disso.

Sem contar o número cada vez mais alto de grupos de afoxé e maracatus em Pernambuco, onde a música e a dança afro-americanas ocupam seu espaço com força. Grande parte da população do Recife é de raiz africana. Daí talvez a identificação com o rap e o desejo de incluí-lo nesse amálgama de contradições,

nesse caldeirão étnico. Isso num momento em que a sociedade via-se diante da árdua tarefa de livrar-se da recessão dos anos 80 e adaptar-se aos riscos do capitalismo eletrônico, que se estabelecia, com a mídia adquirindo mais espaço na vida das pessoas através do cibernético frenesi da globalização.

Num artigo intitulado O Espetáculo do Contradiscurso, publicado no jornal Folha de S.Paulo, a professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ivana Bentes e o professor de cultura brasileira, também da UFRJ, Micael Herschmann, autor de livro O Funk e o Hip

Hop (ed. UFRJ), estudam a questão do hip hop sob um ângulo que achamos

interessante, nesta altura do nosso estudo, ressaltar:

Como interpretar a emergência e expansão da cultura rap na cena brasileira contemporânea? [...] sua criminalização e posterior incorporação pela trilha da música [...] a cultura rap está no cinema em “O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas” (de Marcelo Luna e Paulo Caldas, 2000, um docu-drama, segundo os diretores, que tem como protagonistas o percussionista do Faces, Garnizé, e o matador Helinho). Passa na MTV [...] são incorporados pela própria teledramaturgia: a novela `As Filhas da Mãe´, da TV Globo (narrada eventualmente como um rap destituído de virulência), ou ganham visibilidade como na participação do rapper Xis no reality show Casa dos Artistas, do SBT (BENTES & HERSCHMANN, 2002:10).

O contradiscurso, a resposta dos excluídos ao discurso oficial, cavava seu espaço na mídia e o Chico Science & Nação Zumbi usava o rap mais como elemento de uma fusão, que incluía o humor e a cultura pop; o grupo Faces do

Subúrbio se apegava mais ao rap e era mais ácido. Vejamos um trecho de Pinota, letra de Zé Brown:

É constantemente assim> Procedimento problemático, tema dramático, enfim > Policiais se comprometem a lhe conduzir > A um destino traçado, chance mínima, o fim > A elite não tem noção do que seja a verdade > Tenta obtê-la sem o antídoto da igualdade > E você faz de tudo para compreender > E pensa seriamente no que pode acontecer > Se tornando um alvo móvel, presa fácil > Sem formação necessária,

mudando o passo > É importante se ligar no que está em sua volta > Então, de parada errada, Pinota >> Pinota >> A educação está perdendo a identidade > Analfabetismo sem produtividade > Violência urbana, transgressão policial > As drogas dominando é mau, é mau [...] Cuidado, muito cuidado pra não vacilar > Ninguém pensa duas vezes antes de disparar > Dificilmente alguém teme as conseqüências > Sangue quente, coisa do momento, sem consciência > provocando o descontrole familiar > Aumentando o ódio de quem pretende se vingar [...] > É importante tá de olho no que está em sua volta > Então, de bronca pesada, Pinota >> Pinota (FACES DO SUBÚRBIO, 2000).

Aí está a atitude rapper, a alusão ao tráfico, preconceito social e racial, pobreza a “igualdade que a “elite” não permite.Quando diz que a educação está perdendo a identidade”, o eu-lírico associa isso imediatamente a um “analfabetismo sem produtividade” e à violência urbana, a “transgressão policial”. Pinotar aqui significa saltar para fora e na letra forma uma cadeia sonora com as palavras volta, familiar e tá, corruptela de “estar”. As instituições mais respeitáveis no Recife são colocadas em xeque. Se no Rio de Janeiro algumas das letras mais ousadas do estilo hip hop só tocavam nos bailes funk clandestinos, algumas vezes ligadas ao narcotráfico, aqui no Recife, os integrantes do Faces foram presos por denunciar a corrupção policial em uma de suas letras, durante um show.

Antes da explosão da Cena Recifense, Alceu Valença fundiu rock com baião e outros ritmos regionais, mas suas letras nunca ousaram tocar em determinadas chagas sociais, como as crianças drogadas, por exemplo. Com o processo da globalização, a questão do respeito às fronteiras culturais mudou. As letras dos novos músicos-poetas da Cena, os rappers, só para citar um caso, começaram a ser mais instigantes e ressaltar as injustiças sociais. Quando nos referimos ao grupo Faces do Surbúrbio, relacionando-o a Science e à Cena Recifense dos anos 90, é mais pelo fato do companheirismo que existia entre eles. Em verdade, as letras de Chico, como já analisamos, navegavam em ondas mais tranqüilas e bem-humoradas.

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