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Ao falar sobre as condições na América Latina para a integração, SCHAPOSNIK (1997) salienta:

“...fronteira na América Latina é um fato político, não um acidente físico. As regiões fronteiriças integram-se de fato, porém a fronteira segue sendo uma vala fundamental para o funcionário de uma metrópole que vive mentalmente em uma época muito remota. As pontes entre Argentina e Uruguai serviram para impor mais obstáculos a partir dos ministérios de relações exteriores, do que havia antes, quando se cruzava o rio num simples bote”. (SCHAPOSNIK, 1997:203)

A fronteira na região do Mercosul não pode ser compreendida somente como a extensão de limites, deve ser vista como uma área de interação, de interdependência e de complementariedade. Sua paisagem é composta por extensos campos, grande parte deles, latifúndios, e tem um sistema urbano fronteiriço constituído de cidades geminadas de economia baseada na troca assimétrica de bens, serviços e trabalhadores.

(LEHNEN et al, Orgs.,1994:79)

As linhas de fronteira que cortam esse espaço são resultados dos conflitos entre as duas metrópoles que disputavam o sul do continente. O primeiro tratado de fronteiras para essa região foi o de Tordesilhas, firmado em 1494. O acordo surgiu da necessidade de delimitar as jurisdições entre as coroas da Espanha e de Portugal. Foi a primeira fronteira linear projetada na história.

A linha de demarcação tinha como base o meridiano que atravessava um ponto a 370 léguas das ilhas Cabo Verde. Garantia as terras do leste a Portugal e as do oeste, à

40 Espanha. O processo histórico, a partir daí, desenvolveu-se em torno da delimitação de terras na América pertencentes a ambos os reinos e depois em torno da fixação dos limites entre o Brasil e as novas repúblicas vizinhas.

LEHNEN (et al, Orgs.,1994) relata que, com a evolução do processo, o espaço geográfico acabou pouco povoado e desconhecido dos europeus e americanos que o disputavam. Enquanto a Espanha projetava seus interesses em direção ao Pacífico, os portugueses inicialmente e depois os brasileiros mantinham seu interesse no Atlântico.

Além disso, as disputas estavam travadas sobre uma linha inexistente na prática, apenas a região platina vivenciou um enfrentamento mais direto.

Semelhantes a processos que ocorrem entre Canadá, Estados Unidos e México e entre países da Europa, as iniciativas atuais de integração da América do Sul contemplam medidas para as áreas de âmbito binacional, as fronteiras, afirma LEHNEN (et al, Orgs.,1994).

As iniciativas de integração dos governos de Brasil e Argentina na segunda metade da década de 1980, inauguraram uma etapa nova na história sul-americana. A Declaração de Iguaçu abria perspectivas de aproximação entre os países, e a integração fronteiriça veio a integrar as propostas. (SARAIVA, 1999:18)

Firmado em 1988, o Acordo de Integração e Cooperação Econômica Argentina-Brasil, denominado “Regional Fronteiriço”, renovou a preocupação com o papel das regiões de fronteira. LEHNEN (et al, Orgs.,1994) afirma que o objetivo principal do protocolo era o desenvolvimento conjunto e equilibrado dessa região e que o documento reconhece que é uma área privilegiada porque integra forças sociais e econômicas que, adequadamente orientadas, podem potencializar os recursos e promover o crescimento.

No entanto, o autor cita diversas dificuldades de inclusão das áreas binacionais na elaboração e nos planos dos projetos de integração. A primeira dificuldade são as travas burocráticas para a participação na formulação de projetos de desenvolvimento porque elas integram a política exterior de cada país.

Além disso, as políticas de mercado comum são implementadas em nível macro, mas medidas específicas dentre elas afetam diretamente as áreas de fronteira, que são as primeiras a sofrer seus impactos. As medidas que afetam a legislação vigente, por exemplo, têm mudanças ampliadas se vistas da ótica das zonas fronteiriças.

LEHNEN (et al, Orgs.,1994) salienta outra característica da vida nas zonas de

41 fronteira, aquela gerada pelas trocas decorrentes das estruturas econômicas diferentes das duas nações. Ele afirma que os espaços fronteiriços dos quatro países do Mercosul são movidos por dois tipos de fluxos econômicos: um, de ordem estrutural e praticamente permanente, é as trocas de bens, de serviços e de informações entre espaços com aptidões e produções diferentes; outro é conjuntural, composto pelas flutuações monetárias e pelas variações dos preços dos mercados de produtos.

Sobre os prejuízos comerciais causados pelas mudanças monetárias, LEHNEN (et al, Orgs.,1994) destaca que a transnacionalização dos sistemas financeiros impossibilita a visualização de como se implantar uma estrutura monetária independente no novo espaço econômico constituído por países com grande endividamento e grande taxa de inflação.

O autor mostra ainda preocupação com a descentralização do desenvolvimento, citando questões fronteiriças no processo de integração europeu e salientando que, no Mercosul, as regiões fronteiriças estão longe demais das megalópoles e ficam expostas a um processo de subdesenvolvimento periférico. Ele declara que 30 anos de mercado comum não haviam sido suficientes para desenvolver as regiões mais pobres da Europa, entre as quais as de fronteira eram a maior parte, e sugere a possibilidade de formação de eixos de desenvolvimento no Mercosul:

“Os eixos privilegiados de desenvolvimento do Mercosul serão os espaços que constituem hoje o que chamaremos de ‘crescente desenvolvimento’ de São Paulo a Montevidéo-Buenos Aires-Santa Fé.

E entre as regiões periféricas os espaços com vocação essencialmente agrícola são os que parecem mais propensos a serem prejudicados pela nova união, como ocorreu na Europa.” (LEHNEN et al, Orgs.,1994:17)

É interessante destacar ainda a característica das populações das regiões de fronteira do Mercosul. O autor afirma que elas apresentam traços compatíveis com um projeto de união econômica e que não cultivam hostilidades. A permeabilidade fronteiriça faz o homem dessa região conceber a organização de seu espaço em função de dois sistemas: um oficial, limitado pelo interesse coletivo e pouco lucrativo, e outro paralelo e invisível, muito mais flexível, adaptado a soluções individuais e mais rentável. (LEHNEN et al, Orgs.,1994:83)

Assim, recomenda LEHNEN (et al, Orgs.,1994), um projeto de integração tem

42 que considerar as realidades fronteiriças. Em geral, os projetos de integração e desenvolvimento são pensados, concebidos e legislados a distância, de onde as fronteiras são esquecidos cantões do território. No campo da integração, as fronteiras têm deixado de ser o último limite – no sentido da segurança – para ser vistas humana, econômica e socialmente como espaço de onde se confundem povos, com um novo sentido de soberania e necessariamente com o afiançamento da identidade nacional para o desenvolvimento de uma identidade regional.

Além disso, o estudo do MI (2005) salienta que há novos condicionantes nos níveis global, subcontinental, nacional, subnacional e local que exigem mudanças na perspectiva dos Estados-nacionais sobre as políticas a serem desenvolvidas para suas fronteiras continentais.

Entre esses condicionantes, estão mudanças das condições técnico-tecnológicas;

a proliferação de estratégias e planos de ação de organismos internacionais e empresas transnacionais; pressões internacionais sobre questões específicas, como as ambientais;

o estabelecimento de blocos de países; esforços pela integração da infra-estrutura entre países; combate de ilícitos internacionais; expansão das migrações; a promoção dos desenvolvimentos regionais nacionais; ajustes de políticas públicas domésticas; e a insatisfação com os modelos federativos – que têm centros de decisão afastados dessas regiões.

LEHNEN (et al, Orgs.,1994) conclui que a situação que a América Latina enfrenta, ao promover uma tentativa de integração no contexto da internacionalização da economia, coloca as áreas de fronteira como uma questão emergente dentro da problemática territorial, e resume as principais características dessas áreas:

“O espaço fronteiriço sobre o qual voltou-se nosso olhar poderia ser caracterizado como uma fronteira “viva”, não só pela relativa densidade de seu povoamento, como pelas relações de intercâmbio entre as populações limítrofes consideradas. Também como fronteira

“mole”, já que era grande a facilidade do cruzamento e as trocas não tinham como ser impedidas. Deriva daí a vigência estrutural do contrabando. Por último, poder-se-ia classificar essa fronteira como

“quente”, pois, embora os conflitos de natureza política tenham se sucedido na área platina durante o século 19, as relações entre os povos vizinhos na área fronteiriça podem ser consideradas amistosas.

(LEHNEN et al, Orgs.,1994:8)

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