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O frescor é garantido pela colheita no dia da venda.

É o pretinho, o açaí do dia, é o paneiro cheio (Marcos Baratinha, 42 anos).

O açaí bem limpinho, né... medido. Quando não, é pesado, né? […] é o natural, a gente sempre trabalha com açaí do dia (Edir Pinheiro de Oliveira, 42, Porto Sagrada Família).

Tem que ser bem medido, qualidade... (Lídia S. Oliveira, 37 anos, Porto Sagrada Família).

Essas percepções empíricas já haviam sido percebidas por Rogez (2000, p.80-1):

Não existem estudos científicos sobre a qualidade dos frutos, mas os argumentos apresentados pelos compradores são suficientemente convincentes para se pensar que eles baseiam-se em constatações empíricas, apoiando-se sobre características organolépticas: os frutos bons têm uma cor fortemente evidenciada, a espessura da polpa é maior e o sabor é característico.

O nível de frescura dos frutos. No decorrer de uma mesma manhã e em um mesmo mercado, encontram-se variações de preço, do seu valor mínimo ao seu triplo para uma mesma unidade de medida. Essas variações se justificam mais frequentemente pelo fato de que certos frutos colhidos mais tarde no dia anterior e/ou que o tempo de transporte foi mais curto, o que, nos dois casos, contribuiria a ter um produto mais fresco. Assim, os produtores mais próximos de Belém conseguem vender sistematicamente mais caro que os outros.

É importante esclarecer que todas essas condições para um açaí de qualidade eram conhecimentos tácitos já presentes no dia a dia das famílias que, contudo, não haviam sido

incorporados como condicionantes para a comercialização, apenas para sua alimentação. O “melhor ficava pra boia”17. Além das exigências do porto e, agora da cooperativa, o manejo,

como já explicado anteriormente, foi outro fator que permitiu essa seleção pela qualidade. A noção de higiene está nas práticas de manuseio, por parte das famílias, e na construção e adaptações dos portos, especialmente dos pisos. Aos produtores vinculados ao porto, recomenda-se que o açaí deve ser primeiramente colocado em lonas de poliéster para ser “catado” e, depois, colocado na rasa para terminar de ser limpo (retirada de pó e possíveis resíduos do cacho).

[…] alimpar o açaí, né? Alimpar bem bacana. Aí já traz num peso certo, quando chegar na balança não vai faltar; já vai sobrar já. […] seco não vai no meio […] aí só vem mesmo quando nós fala ‘filé’, né? (Neivaldo Serrão, 35 anos, Porto Sorva).

A lona e o piso de alvenaria garantem principalmente superfícies secas e diminuem a quantidade de frutos feridos.

O açaí era apanhado…[…] e quando ele chega em casa, simplesmente no cacho molhavam o fundo do paneiro… isso amolecia o açaí e gerava prejuízo, quando ele chegava em casa ele jogava esse açaí na lata, quando joga na lata, rala o açaí… o açaí cada vez que rala, ele perde o líquido e quando ele perde o líquido, ele perde o cheiro, ele perde a cor, ele perde qualidade […] (Marcos Baratinha, 42 anos).

Sobre os vários fatores pós-colheita que influenciam diretamente a qualidade do fruto, Rogez (2000) já destacava a importância de todas as superfícies em contato como potenciais fontes de contaminação e deterioração:

Enfim, as feridas constituem o principal fator de deterioração dos frutos. As feridas não permitem apenas um acesso direto do oxigênio para as substâncias oxidáveis e dos microrganismos para os substratos do fruto, como também aceleram as perdas em água, estimulam a respiração e favorecem um apodrecimento acelerado. No caso dos frutos do açaizeiro, o debulhamento ocorre logo após colheita e não logo antes do seu processo, como no caso da uva. É então provável que a ferida formada no ápice de cada fruto possa ter consequências quanto à sua deterioração (ROGEZ, 2000, p. 230).

Talvez a grande preocupação do porto, por sua natureza de atacadista, e da cooperativa, enquanto player diretamente relacionado às fábricas, seja a padronização da mensuração da produção vendida. As fábricas implementaram um indicador de qualidade de eficiência produtiva que tem como parâmetro uma faixa de 7Kg a 8Kgs de polpa do fruto para cada lata de 14kg de açaí processada em uma batedeira industrial. Nesse sentido, o porto tem duas preocupações, uma de ordem qualitativa e outra de ordem quantitativa.

Para a lata render 7 ou 8 quilos depende de todo o processo anterior de seleção dos frutos, inclusive do próprio tipo de fruto.

Eu não sei de explicar isso aí, tem gente que tem o açaí miúdo e o açaí graúdo, o graúdo pesa menos e o miúdo pesa mais (Walter F. Maia, 42 anos, Porto Tartaruga).

Os membros da cooperativa informaram que as fábricas sempre fornecem feedback diretamente ou através dos barqueiros (“dão retorno, reclamando ou elogiando”) sobre o açaí fornecido. Houve momentos no passado, raros, em que as fábricas inclusive descontaram uma parte do valor na remessa subsequente, em virtude da remessa anterior ter tido baixa eficiência. Contudo, a preocupação imediata é o açaí ser bem pesado, no caso, medido. O açaí é passado da rasa para uma lata e depois devolvido para a rasa. Quando há basqueta18 disponível,

o açaí passa da lata para a basqueta, onde cabem duas latas. Esse processo foi desenvolvido em virtude de não existirem balanças no território. Somente há pouco tempo, alguns portos adquiriram balanças, mesmo assim, às vezes, elas não são usadas, por ser mais trabalhoso pesar de que medir, segundo os entrevistados.

Essa preocupação demonstra mais uma vez o rebatimento da esfera global no plano local. Como as fábricas comercializam através do Sistema Internacional de Unidades, elas necessitam comprar em uma unidade-padrão, o que forçou às comunidades a desenvolverem estratégias para atendê-las.

A sequência de fotos a seguir apresenta o processo que garante um açaí “bem pesado e bem medido”:

Foto 3 - (1) Rasa, Lata e Basqueta (esquerda .p. direita) / (2) Basqueta equivale a

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